Inacreditável o que se deu ontem no Supremo. Vejamos. Todos de pé, ministros entram, assessores puxam as cadeiras, ministros se sentam e abre-se a sessão. O ministro Lewandowski já avisa que é preciso resolver uma questão de ordem.
Havia na pauta um agravo regimental contra uma decisão num MS de relatoria do ministro Fachin. Até aí tudo bem, não fosse o fato de que impetrante e impetrado estavam inscritos para fazer sustentação oral, nos termos do art. 937, inciso VI e parágrafo 3º do novo CPC.
O ministro Fux foi o primeiro a falar e trouxe o espírito do legislador, melhor dizendo, do autor do código, no caso ele próprio. Disse que não caberia a sustentação porque o recurso teria sido impetrado na vigência do antigo compêndio adjetivo, que não prevê tal possibilidade. Segundo Fux, o que vale é o regime jurídico do recurso na data da interposição. Sem esconder que as sustentações orais, a seu ver, iriam atrapalhar os trabalhos na Corte - porque segundo ele abundam os agravos nos gabinetes -, o ministro Fux, no melhor estilo ad terrorem, falou que se se permitisse a sustentação oral seria preciso fazer uma reforma no tribunal.
O ministro Teori, então, pede a palavra para um esclarecimento. Concorda que a data da interposição é que rege o recurso. Todavia, assevera que, no caso, trata-se do procedimento do julgamento, coisa bem diversa. E ainda pondera que não se pode ter procedimentos diferentes. Ao final, Teori sacramenta que "não há dúvida que se deve aplicar o novo código".
Antevendo uma situação adversa, o ministro Fux pede para que não se crie um precedente porque – esquecendo-se talvez da vacatio legis que foi de um ano – diz que eles não tiveram tempo para especular sobre a questão.
O procurador-Geral da República resolve também dar sua opinião, e é contra a sustentação nos mesmos argumentos do ministro Fux.
O ministro Barroso foi também neste sentido, dizendo que o recurso deve ter sua regência pelo momento de sua interposição. Para ele, "não há um direito subjetivo". E, sendo assim, a norma de transição deveria ser decidida da maneira mais pragmática possível e que trouxesse mais proveito ao jurisdicionado. Ou seja, para que não atrapalhasse o andamento na Corte, neca de sustentação. E disse mais, disse que "o tribunal tem o compromisso consigo próprio de ser viável".
Neste momento o ministro Fachin sugere que os advogados falem por 15 minutos, como se estivessem respondendo uma pergunta, sem que isso fosse uma sustentação oral. Ou melhor, seria uma sustentação oral, mas todo mundo fingiria que não foi. Entendeu ? Nós também não.
O ministro Barroso então deu outra sugestão, no sentido de que os patronos falassem, porque havia uma expectativa deles, independente do que se decidisse. Ou seja, seria uma decisão ad hoc.
O ministro Fux, novamente intervindo, sugeriu que fosse adiado o julgamento para que ele trouxesse esta e outras questões de ordem acerca do novel compêndio, e todos os pontos polêmicos se resolvessem, evitando-se assim que em cada caso se perdesse tempo. O ministro Marco Aurélio, de pronto, disse que isso só se daria de forma administrativa, uma vez que não havia processo para decidir.
Na sequência, o ministro Celso de Mello, citando um precedente dos anos 80, sugeriu que se pinçasse um feito com cada uma das questões de ordem e carimbasse o que se decidiu nele. Todavia, comungava o mesmo raciocínio do ministro Teori, de que uma coisa era o preenchimento dos requisitos no recurso, sob a égide de um código, outra coisa era o procedimento do julgamento, sob os auspícios de outro compêndio.
Sobre este ponto, o ministro Lewandowski observou que a publicação da ata do julgamento se deu nos termos do novo código. Ou seja, era ele, indubitavelmente, quem regia o ato.
Contrariando o que demonstrava, o ministro Fux novamente intervém, agora para dizer que não tem vaidade com relação ao texto. Diz que ajudou a fazer, mas que os colegas podem decidir como quiserem.
Até então só ouvindo, o ministro Gilmar Mendes também sugere o adiamento por uma ou duas semanas, ressaltando que se trata de matéria sobre o funcionamento e a funcionalidade dos tribunais.
Ministro Marco Aurélio cita José Carlos Barbosa Moreira para ressaltar a aplicação imediata das normas instrumentais. E, contrário ao adiamento, diz que está habilitado a exercer o ofício judicante.
O ministro Fux, então, pergunta ao patrono se este quer fazer jurisprudência sobre a sustentação oral ou se quer resolver o mérito do processo, claramente "sugerindo" que desistisse do direito de falar. E mais uma vez expressa temor pelo excesso de trabalho caso seja permitida a sustentação oral nos agravos do acervo. Chega a falar em atitude defensiva da Corte. Interrompendo-o, Marco Aurélio dispara : "às favas com a autodefesa, porque dela não precisamos".
O ministro Lewandowski começa então a colher os votos pelo adiamento, no que o patrono do impetrante vai à tribuna e, no Dia da Abdicação, abre mão de seu direito sagrado de falar. A outra parte concorda.
E, enfim, calou-se a advocacia.
Apenas como curiosidade, o debate sobre a sustentação oral, a qual seria de 15 minutos, demorou 70 intermináveis minutos. E, sobre isso, pasmem, nada se resolveu.
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Afinal, o que era ?
O caso acima era um MS do Estado de SC contra decreto da presidência da República e tratava do índice de correção da dívida dos Estados, se pela Selic simples ou capitalizada. Por maioria, os ministros concederam a liminar para que SC possa realizar o pagamento da dívida repactuada com a União acumulada de forma linear, e não capitalizada. (MS 34.023)
Samba de uma nota só
Como o debate inicial tomou longo tempo, acabado o julgamento do MS o presidente Lewandowski encerrou a sessão. Julgou-se, portanto, apenas uma liminar num MS. E durma-se com uma produção dessas.
Pragmatismo...
Se o Supremo quer mesmo ser pragmático, que tal o relator entregar aos colegas a íntegra do voto, e na sessão fazer apenas um breve resumo da decisão ? As intermináveis leituras são nitidamente contraproducentes.
Comentário
Mais do que uma questão processual, a sustentação oral é uma garantia que está contida no balaio dos direitos da ampla defesa. De modo que, se houvesse dúvida - a nosso ver não há, pois o procedimento deve obedecer a regra do momento em que é praticado - se houvesse dúvida a saída deveria ser em prol da garantia da ampla defesa, princípio constitucional que, no cotejo de forças, nos parece mais vigoroso do que a razoável duração do processo. Ademais, aquele é palpável enquanto este varia de acordo com as circunstâncias. E, convenhamos, não são os 15 minutos nos processos da Corte que vão atrasar ou agilizar os processos.