Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa*
Em primeiro lugar, tem-se que os juros correspondem ao preço da remuneração de recursos emprestados pelos bancos aos seus clientes por um determinado lapso de tempo. Quando se trata de um empresário, o favorecido antecipa no tempo importâncias que tem a receber no futuro, dando em garantia ao banco os créditos correspondentes (recebíveis, na linguagem do mercado). O fator tempo é um dos componentes da taxa de juros, mas não somente ele. Destaca-se o elemento risco, que deve ser ponderado pelo banco de acordo com a perspectiva maior ou menor de inadimplemento do cliente, levantado pelo histórico deste e pelo tipo de garantias que ele fornece.
Veja-se um exemplo marcante da diferença de taxas em função da variação do risco. Um mesmo empréstimo pessoal tem taxa de juros mais elevada quando feito ao favorecido em situação normal, e mais reduzida quando se trata do chamado pagamento em folha, ou seja as prestações do devedor são debitadas diretamente do seu contra cheque. A diferença está, justamente, no risco menor de inadimplemento que corre a instituição financeira concedente no último caso.
A regulamentação vigente não proíbe aos bancos que emprestem a devedores duvidosos, mas exige, conforme o patamar do risco presente, que o emprestador faça uma provisão com a finalidade de cobrir eventual inadimplemento, tanto maior quanto mais grave for o risco suportado. Desta maneira, há uma escala de provisões que o banco deve fazer nos seus registros contábeis, determinada pelo Conselho Monetário Nacional na Resolução 2.682, de 21.12.1999 (clique aqui), que vai de "AA" a "H", em escala crescente de risco e, portanto, da provisão a ser efetuada, analisando-se os seguintes parâmetros:
I) Em relação ao devedor e seus garantidores:
(a) situação econômico-financeira;
(b) grau de endividamento;
(c) capacidade de geração de resultados;
(d) fluxo de caixa;
(e) administração e qualidade de controles;
(f) pontualidade e atrasos nos pagamentos;
(g) contingências;
(h) setor de atividade econômica;
(i) limite de crédito.
II) Em relação à operação:
(a) natureza e finalidade da transação;
(b) características das garantias, particularmente quanto à solvência e liquidez; e
(c) valor.
As provisões em tela vão de 0,5% para as operações classificadas em AA até 100% para as últimas.
Observa-se claramente o aspecto altamente negativo da provisão consistente no fato de que, ao fazê-la, o banco reduz a sua capacidade operacional no montante equivalente. No limite, a prática costumeira de operações de alto risco levaria o banco que assim atuasse a esterilizar completamente a sua capacidade operacional.
Dentro deste quadro, formam-se as taxas de mercado, em vista dos diversos tipos de operações de crédito praticadas pelos bancos, as quais são taxas médias, significando dizer que há taxas mais reduzidas (para riscos abaixo da média) e taxas maiores (para riscos acima). Portanto, as taxas de mercado representam tão somente um elemento indicativo de normalidade operacional e não são absolutamente vinculantes.
Os fatores que determinam a taxa a ser aplicada em um caso concreto são individualizados em relação aos clientes e resumem ao final o nível de risco que a instituição aquilatou naquela operação. Assim sendo, o fato de, em tese, em uma operação de crédito ter sido praticada uma taxa até mesmo dentro de um parâmetro bastante elevado diante da média do mercado, isto não significa que tenha havido abuso. Mesmo porque, caso o banco pratique uma taxa reduzida para um cliente de alto risco, ele ficará sujeito (a par dos efeitos econômicos e jurídicos negativos de um inadimplemento bastante provável) à aplicação de penalidades por parte do órgão fiscalizador.
Não há dúvida de que em face de situações diversas, tais como a premência do cliente na obtenção de um empréstimo ou a extrema necessidade de consegui-lo poderia levar uma instituição a aproveitar-se da oportunidade para carregar um pouco mais na taxa. Mas isto, além de não representar uma atitude profissional, somente agrava o risco de inadimplemento por tornar o pagamento pelo cliente ainda mais difícil. Considere-se que tal pagamento implica em que, antecedentemente, o favorecido tenha conseguido com os recursos recebidos superar sua situação financeira difícil, auferindo uma renda necessária e suficiente para fazê-lo. Mas a partir do momento em que o juro é caro demais, ficará impossível ao cliente repassar seu custo para a atividade que desenvolve, via preço do produto ou do serviço que ele, por sua vez, comercializa no mercado.
Pode parecer uma injustiça social a certos olhos, mas os bancos não estão no mercado para fazer beneficência. Isto fica para outras áreas da sociedade. Os bancos são intermediários financeiros: eles pegam dinheiro de um lado, pagando juros e emprestam do outro, os recebendo em contrapartida de suas operações. É essencial que a equação esteja equilibrada, observando-se que o capital dos bancos (estabelecido em montante elevado pelo Banco Central do Brasil) tem uma função técnica de cifra de referência. Ele serve para dar início à atividade e para mantê-la em operação regular, fazendo o papel de anteparo provisório para situações particulares de inadimplemento. Mas esse capital não pode ser afetado por situações de inadimplemento ou de remuneração aquém dos custos da atividade e da necessária geração de lucros. Este é o caráter do spread na taxa de juros, assunto ao qual o Banco Central tem dedicado um enorme esforço para o seu estudo (objeto de seminários e relatórios anuais para a coletividade interessada).
Mesmo os bancos chamados públicos (que de público têm somente o Governo como maior acionista) não podem perder de vista a necessidade da cobrança de juros adequados ao risco assumido nas suas operações. Quando o fazem de forma sistemática, a conta termina sendo paga pela viúva, ou seja, pela sociedade em geral, da qual todos fazemos parte. Afinal de contas, dinheiro ainda não dá em árvore.
Finalmente seria o caso de se indagar a respeito do resultado eventual das pretensões do MP. Se for o caso de redução das taxas de juros consideradas abusivas por estarem acima da média de mercado, então elas passariam a ser consideradas máximas. Daí que se formaria então uma nova taxa de mercado a partir da média destas com as inferiores e assim por diante. Desta maneira, os bancos teriam que terminar emprestando de graça no final do processo. Sob outro aspecto, se as taxas superiores à média do mercado devem ser reduzidas por abusivas, então por medida de justiça, as inferiores deveriam ser elevadas para o mesmo parâmetro, equalizando-se todas. Assim desapareceria a tal taxa média, portanto, e bons e maus devedores seriam todos tratados equitativamente, o que seria, na visão deturpada de alguns, uma forma de justiça distributiva.
Como se verifica, nada como um argumento errôneo levado ao limite para se mostrar a sua falácia, tais como os aqui considerados, notando-se a extrema necessidade de serem estudados com seriedade os fundamentos das operações bancárias por aqueles que se metem a analisá-las.
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* Professor de Direito Comercial da USP. Consultor do escritório Mattos Muriel Kestener Advogados.
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