A outorga onerosa do direito de construir exige redobrada atenção
Marcio Pestana*
Nos de maior densidade demográfica ou edilícia, assim como naqueles que resultam de planejamento prévio ou, ainda, naqueles possuidores de bens de valores de relevância estética, natural ou cultural, pode-se dizer que é praticamente unânime a presença de disciplinamento jurídico estabelecendo tipos de edificação passíveis de serem erigidos por região, assim como os respectivos limites máximos de edificações permitidas, além, é claro, de outros tipos de restrições igualmente aplicáveis ao solo natural, como a que se direciona ao tipo de uso ou de atividade a ser exercida no imóvel em questão ou o enquadramento nos standards de natureza ambiental.
No tocante ao direito de construir, com o advento da outorga onerosa, observam-se 3 relações jurídicas em relação ao solo natural na seara urbana:
1º - tradicional e de natureza privada, disciplinando a relação jurídica entre o solo natural e o seu proprietário, singular ou coletivo, reconhecível no plano constitucional, invariavelmente acompanhado da expressão 'função social';
2º - de natureza publica, estabelecendo uma relação jurídica entre o solo natural e a possibilidade jurídica de, sobre ele ser realizada uma edificação, relação jurídica essa usualmente não voltada para este ou para aquele imóvel, mas, sim, para uma determinada área geograficamente delimitada, ordinariamente apresentando-se sob a forma de coeficientes que, incidindo sobre a área do imóvel, resultam na área construída permitida pela legislação municipal; e
3º - de natureza igualmente pública, saturado pela outorga onerosa, consubstanciado numa relação jurídica entre o imóvel e específicas normas jurídicas, que permite, mediante contrapartida, adicionar-se um volume superior de potencial construtivo àquele ordinariamente já antes mencionado.
Neste sentido, a lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade - clique aqui) prevê, no seu art. 28, que o plano diretor poderá fixar áreas nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico (relação entre a área edificável e a área do terreno) adotado para a área na qual se situa o imóvel em questão, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário.
Estabelece, portanto, a possibilidade do interessado passar a deter o direito de edificação que, dependendo do que a respeito dispuser o plano diretor, possa até mesmo ultrapassar o coeficiente ordinariamente admitido dentro da delimitação geográfica na qual se encontra o imóvel.
Ocorre que estamos, com relativa frequência, observando em áreas urbanas, a presença de edificações que, agressivamente, destoam das demais que já se encontravam nas cercanias, ofendendo a homogeneização estética que deveria prevalecer numa determinada região. A altura de algumas das edificações mais recentes, especialmente no eixo da Av. Faria Lima ou próximas ao Parque do Ibirapuera, em São Paulo, constitui exemplo eloquente da aplicação imprópria da outorga onerosa do direito de construir nessas áreas desse Município.
A distorção, contudo, não é somente estética: é, também, funcional e ambiental, especialmente no que se refere à edificação de empreendimentos imobiliários em vias públicas despreparadas para recepcioná-los, sem condições mínimas para absorver o aumento de pessoas ali fixadas ou que venham a integrar o fluxo de passantes, trazendo reflexos prejudiciais ao tráfego de veículos, aos locais de estacionamento, ao transporte público, aos serviços públicos, ao sossego da coletividade, ao meio ambiente etc.
Os membros do legislativo e do executivo devem redobrar a sua atenção ao intervir nos normativos relativos à outorga onerosa do direito de construir, seja intensificando a sensibilidade legislativa que necessariamente deva acompanhar a apreciação e aprovação de leis correspondentes (especialmente, no caso, do Plano Diretor), seja ao agir com razoabilidade e proporcionalidade ao expedir os atos administrativos necessários à implementação, concreta, dos comandos legais.
Se tal não for observado, lamentavelmente prosseguiremos sofrendo as consequências decorrentes do incremento de danos estéticos, funcionais e ambientais que, irreversivelmente, já estão sendo infelizmente impingidos às nossas cidades, deixando, a aqueles que nos sucederão, um legado de descaso e irresponsabilidade na condução dos interesses públicos.
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*Sócio do escritório Pestana e Villasbôas Arruda – Advogados. Professor de Direito Administrativo da Fundação Armando Alvares Penteado - FAAP
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