O direito ao crédito acumulado de ICMS decorrente das exportações
Reginaldo de Andrade*
A edição da LC 87/96, também conhecida como Lei Kandir, deveu-se à exigência constitucional contida no inciso XII do § 2º do artigo 155 da CF (clique aqui), segundo a qual cabe à lei complementar do ICMS, dentre outras coisas,
(i) definir os contribuintes,
(ii) dispor sobre a substituição tributária,
(iii) disciplinar o regime de compensação e
(iv) fixar o local das operações para efeito de sua (dele) cobrança.
Além disso, ainda de acordo com o mandamento constitucional, caberia à lei complementar "excluir da incidência do imposto, nas exportações para o exterior, serviços e outros produtos além dos mencionados no inciso X, 'a'", que tratava, na redação da época, apenas da não incidência do ICMS relativo aos produtos industrializados destinados ao exterior, "excluídos os semi-elaborados definidos em lei complementar".
Assim, o PLC 95, encaminhado pelo Dep. Antonio Kandir ao plenário da Câmara dos Deputados para apreciação e votação, obedecendo estritamente ao texto da Carta Magna então vigente, rezava, em seu art. 3º, I, que o ICMS não incidiria sobre operações que destinassem ao exterior produtos industrializados.
Sobre esse ponto, a exposição de motivos do projeto de lei complementar explicava que a Carta Política não mandava "tributar a exportação de produtos industrializados semi-elaborados. Apenas permite que o legislador o faça se julgar conveniente. Os interesses nacionais requerem que esta tributação não exista e é por esta razão que o projeto faz referência apenas a produtos industrializados, ao mesmo tempo que revoga a LC 65, de 15 de abril de 1991 (clique aqui). Basta que o legislador não defina o que são produtos industrializados semielaborados para que eles não sejam tributados quando exportados, uma vez que, na ausência de definição, subsumem-se na categoria de produtos industrializados".
No tocante ao direito aos créditos, o § 5º do artigo 14 do PLC determinava que não se estornariam "créditos referentes a mercadorias e serviços que venham a ser objeto de operações não sujeitas ao imposto por força de norma constitucional", incluindo-se o montante destas operações no montante das operações tributadas.
A já citada exposição de motivos também festejava essa inovação, alegando que "se não se utilizam créditos quando os produtos ou serviços a que se referem gozam de isenção ou são não tributados, o mesmo não deve ocorrer com as exportações e com os casos em que a não tributação resulte diretamente de preceito constitucional. No primeiro caso, a medida impõe-se para que a não tributação dos produtos exportados seja integral e não limitada ao valor agregado na última operação; é esta a única forma de não se frustrar a finalidade da norma constitucional. No segundo caso, a não utilização dos créditos produziria um intolerável e inadmissível efeito cumulativo".
Apesar das boas intenções expressas na justificativa do projeto de lei que originou a Lei Kandir, durante o processo de votação no Congresso Nacional aquela sofreu diversas emendas e alterações que acabaram por modificar enormemente o seu alcance, resultando na não incidência do ICMS nas operações que destinem ao exterior mercadorias, inclusive produtos primários e produtos industrializados semi-elaborados, ou serviços (art. 3º, II).
Ademais, no tocante ao direito aos créditos, o § 3º do art. 20 determina que é vedado o crédito relativo a mercadoria entrada no estabelecimento ou a prestação de serviços a ele feita:
"(i) para integração ou consumo em processo de industrialização ou produção rural, quando a saída do produto resultante não for tributada ou estiver isenta do imposto, exceto se tratar-se de saída para o exterior; e
(ii) para comercialização ou prestação de serviço, quando a saída ou a prestação subsequente não forem tributadas ou estiverem isentas do imposto, exceto as destinadas ao exterior".
E foram justamente essas modificações no projeto de lei original que acabaram por constituir, ao invés de um benefício para os exportadores e o país, um problema de proporções incalculáveis que até hoje, passados mais de 13 anos da promulgação da LC 87/96, ainda não tem uma solução definitiva.
Isso porque, com a ampliação da não incidência do ICMS para todas as mercadorias e serviços exportados e a manutenção dos créditos do imposto pago nas operações anteriores, gerou-se um montante de saldo acumulado do imposto em favor das empresas exportadoras que os Estados-membros se recusam a pagar, sob o argumento de não possuírem caixa suficiente.
É de se ver que a Lei Kandir previa um sistema de repasse de recursos da União Federal para os Estados-membros, visando, justamente, minimizar os prejuízos experimentados por estes últimos, em decorrência da diminuição da receita por conta da não incidência do ICMS nas exportações.
Todavia, muito embora houvesse tal previsão legal de repasse de recursos, o montante do mesmo sempre foi muito inferior ao necessário, além de ter sido previsto originariamente até 2001, tendo sido posteriormente prorrogado até 2006 pela LC 115.
Assim é que os Estados-membros, acossados pela eterna dificuldade de caixa, passaram a restringir e dificultar cada vez mais a utilização, pelas empresas exportadoras, do crédito acumulado de ICMS a que tem direito constitucional (especialmente após a EC 42 - clique aqui, que assegurou a manutenção e o aproveitamento do montante do ICMS cobrado nas operações e prestações anteriores, no caso das exportações), chegando mesmo a editar o Protocolo ICMS 30/2005 (clique aqui), através do Confaz, vedando a transferência de créditos de ICMS acumulados decorrentes da desoneração das exportações.
Muito embora os Estados-membros tenham uma parcela de razão em questionar o montante destinado pela União para ressarcir os exportadores (montante esse que, às vezes, sequer é incluído no orçamento), o fato é que estes não podem ser prejudicados pela querela entre as esferas federal e estadual.
De fato, o direito à manutenção dos créditos de ICMS decorrentes das exportações não encontra amparo apenas na LC 87/96, mas também na própria CF, não podendo se admitir que os Estados-membros impeçam, sob qualquer alegação, o direito assim duplamente garantido aos exportadores.
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