Não incidência de ICMS sobre a demanda de potência de energia contratada, mas não consumida
Gabriela Cabral Pires*
A Referida súmula consolida entendimento a ser aplicado nos demais processos submetidos ao STJ, assim como deve servir de orientação para o posicionamento dos Tribunais de Justiça nos processos que versem sobre matéria idêntica.
Preliminarmente, insta esclarecer que o constituinte estabeleceu limites bem específicos para o poder de tributar dos legisladores infraconstitucionais. No que tange ao ICMS, especificamente com relação à sua incidência nas operações que envolvam energia elétrica, a Constituição da República (clique aqui) prevê o seguinte:
"Art. 155 - Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre:
(...)
II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior;
(...)
§ 3° À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do 'caput' deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País."
Destarte, verifica-se que a Carta Magna trata a energia elétrica, para fins de incidência de ICMS, como mercadoria, não como um serviço1. No mesmo sentido, o art. 155, § 3º, do Código Penal (clique aqui) equiparou a energia elétrica à coisa móvel, para fins de configuração do crime de furto, e o art. 83, I, do Código Civil (clique aqui) considera-a como bem móvel, dotado de valor econômico. Assim sendo, a hipótese de incidência do ICMS, in casu, consiste na circulação da energia elétrica, tida como mercadoria.
Pois bem, a circulação da energia somente ocorre quando há consumo e apenas nesse caso a energia elétrica é gerada, uma vez que ela consiste em um bem insuscetível de ser armazenado ou depositado. Isto é, não ocorre geração nem circulação na ausência de consumo, donde se conclui que não ocorre o fato gerador do ICMS nas operações em que não se utiliza a energia elétrica.
Mais adequado não poderia ser o entendimento da jurisprudência do STJ quando afirma que:
"O ICMS deve incidir sobre o valor da energia elétrica efetivamente consumida, isto é, a que for entregue ao consumidor, a que tenha saído da linha de transmissão e entrado no estabelecimento da empresa. (...) Não há hipótese de incidência do ICMS sobre o valor do contrato referente a garantir demanda reservada de potência". (REsp 222.810/MG - clique aqui. 1ª Turma. Relator: Min. José Delgado, DJ de 15.5.2000).
A tarifa de energia elétrica de grandes consumidores, diversamente da tarifa cobrada dos consumidores comuns, é chamada binômia, pois se forma por dois elementos, quais sejam, a 'demanda de potência contratada' e a 'demanda de potência consumida'. Por 'demanda de potência contratada' considera-se a garantia de utilização do fluxo de energia, a qual tem por fim dar confiabilidade e segurança ao fornecimento de energia para os grandes consumidores, que necessitam de uma qualidade diferenciada do serviço. Essa demanda é disponibilizada pela concessionária de energia ao consumidor segundo período de vigência e valor estabelecidos no contrato e pode ou não ser utilizada. A 'demanda de potência consumida', por sua vez, consiste na energia elétrica efetivamente consumida, ou seja, naquela que foi gerada e entregue ao consumidor.
Conforme anteriormente mencionado, a Constituição considera a energia elétrica uma mercadoria, não um serviço, e, exatamente por isso, a sua circulação enseja o recolhimento de ICMS. Entretanto, a simples formalização do contrato de compra e fornecimento futuro de energia elétrica não caracteriza o fato gerador do ICMS, pois pode não ocorrer o consumo da energia e, assim, não existir efetiva circulação de mercadoria.
Mesmo que a disponibilização da potência de energia gere para a concessionária custos com investimentos e prestação de serviços, ela não caracteriza fato gerador do ICMS, o qual pressupõe a geração da energia e, consequentemente, a sua circulação. Portanto, como base de cálculo do ICMS deve ser considerada a 'demanda medida', de acordo com os métodos de medição definidos pela ANEEL, não sendo relevante o fato de ser ela menor, igual ou maior que a demanda contratada.
Desta feita, patente a necessidade de exclusão do valor referente à potência de energia contratada, mas não consumida, da base de cálculo do ICMS. Diante da resistência dos Fiscos Estaduais em adotar esse procedimento, resta ao contribuinte ingressar em juízo para solicitar a observância da Súmula 391 do STJ e a consequente adequação do valor da base de cálculo do imposto com base na demanda de potência efetivamente consumida em cada período de faturamento.
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1 CARRAZZA, Roque Antônio, "ICMS", 12ª ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 242
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*Pós-graduanda em Direito Tributário pelo Ceajufe. Advogada do escritório Tostes & Coimbra Advogados
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