A revisão judicial do hedge cambial
Rafael Augusto Paes de Almeida*
Dessa forma, vendeu-se para o banco uma opção de compra. Por essa opção, a instituição financeira pagou um valor à empresa para ter o direito de comprar dólar à cotação pré-estabelecida no futuro. As empresas assumiram um risco, pois não acreditavam que a cotação do dólar subiria significativamente no curto prazo de forma a ultrapassar a trava estabelecida. Acresça-se, ainda, que tais operações estavam descasadas com o recebimento de receita futura em dólar, pois as empresas projetavam receitas que ultrapassariam o dólar a termo.
Todavia, a economia global foi surpreendida pela crise financeira que teve como ícone a quebra do banco americano de investimentos Lehman Brothers, em setembro de 2008. No Brasil, em razão da crise de liquidez e da fuga de dólares, a cotação disparou, o que ocasionou milionárias perdas em operações com derivativos.
Cumpre destacar que as perdas oriundas de tais operações foram também resultado de movimento especulativo de algumas empresas exportadoras, que apostaram na excessiva valorização do real, desbordando-se, por completo, de seus objetos sociais, o que enseja, inclusive, a responsabilização pessoal de seus administradores, conforme preconiza o artigo 158 da lei 6.404/76 (LSA - clique aqui), bem como desvirtuaram o escopo da própria operação de hedge, pois ao invés de buscar a proteção de seus ativos em face das variações cambiais, tais empresas utilizaram os derivativos com o propósito primordial de ganho financeiro.
Em razão dos prejuízos, algumas empresas decidiram questionar no Poder Judiciário os contratos lastreados em derivativos, alegando, em síntese, excessiva onerosidade, desequilíbrio do programa contratual, com extrema vantagem para os bancos, em razão da suposta imprevisibilidade do comportamento do câmbio, fundamentando suas pretensões nos artigos 422 (quebra da boa-fé objetiva) e 478, ambos do Código Civil (clique aqui).
Contudo, os contratos baseados em derivativos são classificados como aleatórios, pois expõe os contraentes à alternativa de ganho ou perda, de forma que a contraprestação pode ser desproporcional ao valor da prestação. Em razão de tais características contratuais, é inerente às operações com derivativos a previsão de variações favoráveis ou desfavoráveis a um ou outro contratante. Importante consignar que não se pode equipará-los como contratos de jogo e aposta, pois o Código Civil os veda expressamente no artigo 816:
"As disposições dos arts. 814 e 815 não se aplicam aos contratos sobre títulos de bolsa, mercadorias ou valores, em que se estipulem a liquidação exclusivamente pela diferença entre o preço ajustado e a cotação que eles tiverem no vencimento do ajuste."
Ademais, os contratos lastreados em derivativos constituem operações bancárias de atacado extremamente sofisticadas. O ambiente em que são celebradas envolve, de um lado, instituições financeiras e, de outro, grandes empresas. São pessoas jurídicas que detêm elevado grau de informação técnico e operacional do negócio jurídico.
Na doutrina, esse ajuste é classificado como contratos empresariais, onde a álea contratual é conhecida por ambas as partes. Não há que se cogitar em hipossuficiência do contratante e tampouco desconhecimento dos aspectos de conjuntura micro e macroeconômica. Os contratos de derivativos são extensos e possuem vários disclaimers sobre os riscos de perda.
Obviamente, a crise provocou perdas das mais variadas magnitudes, dependendo, logicamente, do grau de exposição financeira da empresa contratante. As primeiras ações referentes à crise de 2008 estão em fase inicial, portanto, sem decisão de mérito. É sabido que poucas pessoas previam os efeitos nefastos da crise sobre a economia e, principalmente, sobre o câmbio. Muitos analistas, inclusive, tinham suas projeções de variações cambiais com base no Boletim FOCUS do Banco Central (uma das principais referências do mercado), que também não projetava tão acentuada alta da moeda norte-americana a partir de setembro de 2008.
Porém, a jurisprudência brasileira, acertadamente, em várias oportunidades, já se pronunciou sobre o assunto de forma a rechaçar a tese do desequilíbrio contratual, visto que os contratos lastreados em derivativos são tratados como aleatórios. O contratante, ao tempo das negociações, possui a exata percepção do que as alterações de conjuntura poderão ocasionar sobre seus ganhos futuros, isto é, a mudança da taxa de câmbio é risco natural do contrato, não se podendo cogitar em ruptura da base objetiva do negócio jurídico.
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*Sócio do escritório Rubens Naves, Santos Jr., Hesketh - Escritórios Associados de Advocacia