Principais dúvidas sobre o novo parcelamento federal
Renata Cassia de Santana*
Em virtude da realização de algumas palestras sobre o tema, tivemos a oportunidade de colher as dúvidas mais recorrentes, que agora traduziremos no presente artigo.
1) Por que as empresas optantes do Simples Nacional foram excluídas?
A justificativa da Receita Federal para exclusão foi de que não caberia ao legislador ordinário federal legislar sobre tributos estaduais e municipais. No entanto, em 2004, quando da edição da Lei Ordinária Federal 10.825 (clique aqui), restou prevista no artigo 10, § 1º, III, a possibilidade de se parcelar dívidas do SIMPLES em 60 meses, compreendendo os tributos estaduais, no caso o ICMS, e os municipais, no caso o ISS.
Avaliando eventuais inconstitucionalidades, já teríamos uma primeira, por ofensa ao princípio da legalidade, uma vez que a aludida exclusão não se deu pela Lei Ordinária Federal 11.941/09, mas sim pela Portaria Conjunta SRF/PGFN 06/09.
E bem sabemos que, sendo hierarquicamente superior, a lei é que deveria ter veiculado a restrição e não a portaria.
E mais, não tratando o parcelamento de matéria reservada à lei complementar, poderia sim o legislador da lei 11.941/09 ter incluído as empresas optantes do Simples. O próprio artigo 86 da LC 123/06 (clique aqui), que instituiu o Simples Nacional, revogando o Simples Federal da Lei Ordinária Federal 9.317/96 (clique aqui), dispôs que as matérias veiculadas na lei instituidora que não fossem reservadas constitucionalmente a lei complementar poderiam ser objeto de alteração por lei ordinária.
Da forma como foi disposto, não bastasse a ofensa ao princípio da legalidade, deparamo-nos com afronta ao princípio da isonomia, na medida em que a exclusão operou um resultado diverso para uma mesma situação. Ora, se o objetivo da lei é aumentar a arrecadação e amenizar os efeitos da crise econômica que atingiu a maioria dos países em 2009, não importa o porte da empresa e a forma da apuração dos seus tributos, fato é que nos países atingidos, a crise prejudicou a todos, devendo o benefício da nova lei do parcelamento se estender a quem também é optante do Simples Nacional.
Sob o ponto de vista operacional, igualmente não haveria obstáculo. O próprio Comitê Gestor do Simples Nacional editou a Resolução 51/08, onde restou consignado nos quadros anexos relativos à partilha da arrecadação pelo Simples o percentual relativo a cada tributo. Curiosamente, como se poderá notar, para as prestadoras de serviços as alíquotas do ISS variam de 2 a 5%, que é justamente o percentual previsto pela maioria dos Municípios.
Respondida a questão, a única possibilidade de inclusão do Simples é para empresas com débitos apurados sob a vigência da Lei Ordinária Federal 9.317/96. Empresas essas que não conseguiram migrar para o Simples Nacional ou que conseguiram migrar com liminar ou outra medida suspensiva. Essas informações poderão ser encontradas no site da Receita Federal, no link do Simples Nacional e não no link do parcelamento, como era de se esperar.
2) Como obter o saldo para reparcelamento (REFIS I, PAES, PAEX e Parcelamento Ordinário de 60 meses)?
Esta é uma possibilidade que requer bastante cautela, pois, havendo erro, a empresa que desistiu do parcelamento anterior para aderir ao novo parcelamento, além de arcar com multa, que ainda será estipulada, estará excluída do parcelamento objeto de desistência e do novo parcelamento, perdendo os respectivos benefícios. Por isso, aqui o papel do contador é fundamental.
Relativamente aos cálculos, a legislação não é clara. Entendemos que tanto os valores pagos quanto o saldo remanescente deverão ser atualizados pela SELIC para os dias de hoje, ainda que o parcelamento a que se pretenda desistir preveja correção pela TJLP. Assim vislumbramos pelo fato de ser a SELIC a taxa utilizada pela União para correção de seus créditos, conforme Lei Ordinária Federal 9.065/95 (clique aqui). Um outro argumento favorável a esta tese é que a possibilidade de utilização da TJLP na nova lei foi vetada quando da conversão da MP, sob a alegação de que a adoção da TJLP, por ser menor que a SELIC, prejudicaria a arrecadação. Daí se vê uma forte tendência de se tomar a SELIC como parâmetro para obtenção do saldo em questão.
E quando se fala em montante pago e saldo a ser reparcelado, devidamente corrigidos, devem ser levadas em consideração as respectivas destinações. Parte é principal, parte são juros e parte é multa. Os cálculos devem observar esta distinção, sob pena de não se saber definir o quanto de principal, o quanto de juros e o quanto de multa já foram pagos.
Encontrado, o saldo há de se aplicar os percentuais de redução previstos na nova lei. Se o saldo a ser reparcelado foi objeto de mais de um parcelamento (REFIS I, PAES, PAEX), considera-se o primeiro para percentual de redução. Logo, se a empresa havia aderido ao REFIS I, depois aderiu ao PAES, depois ao PAEX e depois ao parcelamento ordinário da lei 10.522/02 - clique aqui (parcelamento em 60 meses sem qualquer benefício), deverá tomar como base o REFIS I para verificar a extensão do seu benefício pela nova lei, que será de 40% para multa de mora, de ofício e isolada (multa pelo descumprimento de uma obrigação acessória, como por exemplo, deixar de entregar uma declaração) e de 25% para os juros.
Lembrando que os parcelamentos anteriores, em sua maioria, previam a correção pela TJLP (somente o PAEX em 130 meses previa SELIC), muito provavelmente não valerá a pena aderir ao novo parcelamento, ainda mais a longo prazo.
Hoje a TJLP está em 6,25% ao ano contra 8,75% ao ano da SELIC, mas não há garantia de que a margem se mantenha desta forma. Se assim se mantiver, na previsão mais otimista, em 15 anos (180 meses), que é o prazo máximo de parcelas, a diferença será de 30%, comparando os dois índices. Não é muito, mas dependendo do parcelamento que se pretenda desistir e do tanto de parcelas a serem assumidas, melhor deixar como está.
Por fim, quanto à parcela, ela não poderá ser inferior a 85% do que já se paga. Esta parcela mínima vale, inclusive, para o valor mínimo de adesão. Caso seja inferior a R$ 100,00 para pessoa jurídica ou R$ 50,00 para pessoa física, recolhe-se R$ 100,00 ou R$ 50,00 até o momento da consolidação – que acreditamos se dar entre março e abril de 2010.
3) É vantajosa a utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL?
Alinhado ao pensamento acima, uma forma vantajosa de reparcelamento, e também para os débitos que não foram objeto de parcelamento, seria a utilização do prejuízo fiscal (IRPJ) e da base de cálculo negativa da CSLL acumulados até 27 de maio de 2009 (um dia antes da publicação da lei 11.941/09).
Isto porque, após os cálculos de redução pela nova lei, aplicam-se ainda as reduções do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL, na ordem de 25% e de 9%, respectivamente.
Na prática significa impor nova redução aos débitos já reduzidos pela lei 11.941/09, reduzindo em 34% a multa de ofício e de mora (a multa isolada não sofre nova redução neste caso) e os juros. Há casos em que a multa de ofício e de mora e os juros são zerados, restando somente o principal para ser pago à vista ou parcelado. Pode-se chegar até 70% de benefício no pagamento à vista e de débitos que não foram objeto de outros parcelamentos.
Entretanto, tal como no caso de reparcelamento, o contador deverá ficar atento, para que eventual erro não gere exclusão da empresa e imposição de multa. E isso mesmo no caso de pagamento à vista com a utilização do prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL, pois no momento da consolidação – que, como já dito, acreditamos se dar entre março e abril de 2010 – o montante de prejuízo e base de cálculo negativa deverá ser informado. Havendo erro, a dívida será retomada, com juros e multa.
Caso haja divergências nas declarações, as mesmas deverão ser retificadas até 30/11/09, conforme orientação dada pela Instrução Normativa da Receita 968/09.
4) Por que a previsão de a pessoa física assumir dívidas da pessoa jurídica?
Esta é uma possibilidade nova, porém, na prática, é corriqueira, basta a Procuradoria alegar alguma das condições de redirecionamento do débito para a pessoa física (infração à lei ou ao contrato social/estatuto, encerramento irregular, etc), calcada muitas vezes no simples inadimplemento no pagamento do tributo, para que o contribuinte, invertendo-se o ônus da prova, prove que nada deve em seu nome. Infelizmente é o que temos enfrentado, com aceitação do Judiciário.
Pela letra da nova lei trata-se de uma assunção espontânea e beneficia empresas que estão com problemas na sua representação legal, que pretendem encerrar as atividades formalmente, dando baixa na Receita (CNPJ) e nos demais órgãos, ou nos casos em que a pessoa física resolve tomar a frente para em seu nome resolver as pendências, sem depender de outra pessoa ou de contador, uma vez que o acesso ao sistema do parcelamento nunca foi tão simples.
A despeito de a legislação do novo parcelamento prever o pedido de desistência e renúncia dos casos administrativos e judiciais em nome da pessoa jurídica, mesmo para pagamento à vista, o que temos visto é a extinção da dívida cinco dias após o pagamento, tornando sem objeto a exigência. Acreditamos ser pouco provável a verificação de caso a caso pela Administração e pelo Judiciário se realmente houve a homologação deste pedido, mesmo nos casos de parcelamento, pois a legislação diz que a Administração poderá pedir a comprovação do pedido. De todo modo, sugerimos que se cumpra o disposto na legislação. Se o débito for pago à vista, o protocolo da petição deverá se dar em até 30 dias do pagamento e no caso de parcelamento, até 30 dias contados do deferimento do parcelamento, o que se dará em uma segunda fase, após a consolidação.
Três últimas informações.
1) O pagamento à vista considera o nome da empresa e respectivo CNPJ no DARF ou na GPS e o correspondente código do tributo, ao passo que o parcelamento exige o nome da pessoa física e o respectivo CPF no DARF com o correspondente código para esta modalidade de parcelamento.
2) Assumindo a pessoa física o débito da pessoa jurídica, não poderá ser aproveitado eventual prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL.
3) Caso tenha débitos de pessoa física e queira assumir os da pessoa jurídica, o mínimo da parcela de adesão será de R$ 50,00 como pessoa física e de R$ 100,00 para os débitos da pessoa jurídica. Este valor mínimo deverá ser pago da adesão até a abertura da consolidação.
5) Como acertar os débitos de IPI? Há diferença para adesão para pagamento de creditamento indevido de alíquota zero, produtos não-tributados e crédito-prêmio?
Inicialmente, no que tange ao IPI, a previsão era de que o novo parcelamento atingisse somente o creditamento indevido pela tomada de créditos de produtos com alíquota zero e não tributados.
Posteriormente, com o julgamento do IPI crédito-prêmio pelo STF, no sentido de que o aproveitamento dos créditos se desse até 1990 (dois anos após a promulgação da CF/88), a mídia veiculou notícia de que haveria possibilidade de se incluir o crédito-prêmio compensado indevidamente, nos mesmos moldes que o IPI alíquota zero e IPI não-tributado, com parcela mínima de adesão de R$ 2.000,00.
A fim de que o aproveitamento do crédito-prêmio fosse estendido para até 2002, foi editada a MP 460/09. Ocorre que, quando da conversão da MP em lei, na Lei Ordinária Federal 12.024/09 (clique aqui), o benefício foi vetado.
Para não perder a oportunidade do parcelamento da lei 11.941/09, em 14/10/09 foi publicada a MP 470 (clique aqui), prevendo a possibilidade de inclusão do aproveitamento indevido do IPI crédito-prêmio no parcelamento da lei 11.941/09 ou então o parcelamento do aproveitamento indevido do IPI crédito-prêmio, do IPI alíquota zero e do IPI não-tributado em doze meses, com adesão até 30/11/09, tendo como benefícios a isenção dos encargos legais (taxa cobrada pela Fazenda para cobrar seus créditos = 10% para dívidas inscritas e 20% para dívidas inscritas e ajuizadas), isenção das multas de mora e de ofício, redução da multa isolada e dos juros em 90% e a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e da base de cálculo negativa da CSLL para quitação da multa isolada, dos juros e do principal (tributo).
Apesar de limitar a um ano o parcelamento, vemos com bons olhos os benefícios da MP 470/09, pois as reduções são maiores (os juros e a multa isolada são reduzidos em 90% pela MP 470, mesmo que parceladamente, enquanto que pela lei 11.941/09 a redução, no caso de pagamento à vista, é de 45% nos juros e de 40% na multa isolada), chegando à isenção em alguns casos (multas de ofício e de mora, enquanto que pela lei 11.941/09 a isenção só se dá se o pagamento for à vista). Além do que há a possibilidade de se utilizar o prejuízo fiscal e a base de cálculo negativa da CSLL para reduzir multa isolada, juros e o principal (tributo), ao passo que pela lei 11.941/09 a redução atingia somente a multa de ofício e de mora e os juros.
A MP 470/09 ainda pende de conversão em lei e regulamentação, mas nos parece, relativamente ao IPI, ser realmente mais vantajosa do que o parcelamento da lei 11.941/09. Para quem não pode ingressar totalmente no parcelamento da MP 470/09, há ainda a possibilidade de parcelar parte pela MP 470/09 e parte pela lei 11.941/09.
Operacionalmente, acreditamos que a adesão e a inclusão dos débitos se deem pelo sistema de parcelamento já vigente pela lei 11.941/09.
6) É possível parcelar multas trabalhistas, eleitorais e penais?
Sim, desde que inscritas e cobradas pela Procuradoria da Fazenda Nacional, para receberem o mesmo tratamento dado pela lei 11.941/09. Antes disso elas estão sujeitas aos órgãos de origem (Justiça Trabalhista, Justiça Eleitoral e Justiça Criminal ou respectivos órgãos administrativos). Daí se vê que a lei nova do parcelamento não está direcionada somente para dívidas de natureza tributária.
Relativamente às multas eleitorais, vale acrescentar que está em votação no Congresso Nacional uma minirreforma eleitoral que abarca, dentre outros, um projeto de lei para que essas multas sejam equiparadas a crédito tributário. A aprovação viria a calhar, por ocasião do novo parcelamento em aberto, mas não se sabe se será aprovado e convertido em lei em tempo hábil. Acreditamos que não. Muito provavelmente a aprovação se dê somente em 2010, para regularizar a situação dos candidatos às eleições. O que temos, portanto, por enquanto, é a possibilidade de adesão para dívidas já inscritas e cobradas pela Procuradoria da Fazenda Nacional.
7) Há a possibilidade de se parcelar débitos do INSS descontado/retido dos segurados?
Sim. De fato, a lei 11.941/09, com suas infindáveis remissões a leis anteriores, suscita confusão.
Acontece o seguinte. A Lei Ordinária Federal 10.522/02, no seu artigo 14, I, já não admitia o parcelamento de tributos passíveis de retenção na fonte, de desconto de terceiros ou de sub-rogação. O artigo 35 da lei 11.941/09, que trouxe várias alterações à lei 10.522/02, falou a mesma coisa (acreditamos que tenha agido assim por conta dessas mudanças de Receita Previdenciária para Receita Federal do Brasil - para adequação da linguagem que hoje em dia é utilizada).
Assim, em um primeiro olhar, se nos detivermos na nova redação do artigo 14, I, da lei 10.522/02 pelo artigo 35 da lei 11.941/09, concluiremos pela impossibilidade do parcelamento.
Mas, se verificarmos o artigo 13 da lei 11.941/09, concluiremos que esse artigo 14 da lei 10.522/02 foi excetuado. Veja a redação do artigo 13 da lei 11.941/09:
Art. 13. Aplicam-se, subsidiariamente, aos parcelamentos previstos nos arts. 1º, 2º e 3º desta lei as disposições do § 1º do art. 14-A da lei 10.522, de 19 de julho de 2002, não se lhes aplicando o disposto no art. 14 da mesma lei.
Logo, não se aplicando a restrição para este novo parcelamento da lei 11.941/09, o parcelamento é sim possível. A restrição, por decorrência lógica, continua para quem quiser aderir ao parcelamento geral, de 60 meses, da lei 10.522/02, sem qualquer desconto.
Certamente, a legislação do novo parcelamento, da lei 11.941/09, incluindo o parcelamento pela MP 470/09 (IPI), sofrerá acréscimos legais por ocasião da consolidação, que ficará para 2010. Daí então surgirão outros questionamentos. Por enquanto, esperamos ter contribuído para a fase da adesão, para o entendimento da formação de alguns cálculos e o motivo da exclusão de alguns casos e da inclusão de outros.
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*Sócia responsável pela área tributária do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados
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