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O menino orelhudo

No início do século XX, viveu em Buenos Aires um filho de imigrantes que chamava a atenção porque tinha orelhas grandes; passou a ser conhecido como o “petiz orejudo”.

23/10/2009


O menino orelhudo

Sérgio Roxo da Fonseca*

No início do século XX, viveu em Buenos Aires um filho de imigrantes que chamava a atenção porque tinha orelhas grandes; passou a ser conhecido como o "petiz orejudo".

Cometeu muitos delitos, muito embora sua pouca idade. Violentou crianças. Matou algumas delas. Provocou incêndios no cais do porto. Foi identificado porque atraiu suspeitas por ser sempre ele quem tomava a iniciativa de pedir socorro como se fosse também vítima de um assassino desconhecido.

Na época, crianças de sua idade eram processadas e condenadas como adultos, encaminhadas para as mesmas penitenciárias.

A mais temida cadeia estava instalada na última cidade do mundo, a última cidade argentina, Ushuaia, a cidade do fim do mundo. Passando por ela tive notícia do menino orelhudo, o que me permitiu comprar alguns livros que registram a sua trágica vida.

Na prisão de Ushuaia continuou cometendo atos violentos, valendo-se dos mesmos métodos usados para enforcar crianças. Não matava crianças na prisão, é certo, mas, sim, os animais domésticos dos seus companheiros: cães, gatos e pássaros.

Um médico, possivelmente inspirado nas lições de Lombroso, para quem os criminosos nasciam com características físicas de suas deformações comportamentais, concluiu erradamente que a violência do menino estava depositada nas suas enormes orelhas. O médico cortou as suas orelhas inutilmente porque o menino, ainda assim, continuava violento. A experiência demonstrou a falsidade da teoria lombrosiana como também o pequeno limite da ciência penal. Pouco sabemos disso.

O "petiz" somente parou de cometer atos violentos quando morreu vítima de uma hemorragia que, para alguns dos cronistas, foi resultado de envenenamento cometido por seus companheiros de prisão.

Conhecemos alguns casos semelhantes, muito embora menos romanescos. Talvez porque não temos a veia artística dos nossos irmãos argentinos. A literatura penal brasileira registra caso de crianças compulsivas levadas a cometer atos de temida violência. Já há quem diga que essas crianças, infelizmente, já trazem consigo a marca de sua demência. Mereciam a atenção dos adultos desde cedo para que crescessem tanto quanto possível felizes.

É bem sabido que as crianças, umas mais outras menos, demonstram comportamento violento. Soube, de viva voz, que no Texas, o escolar surpreendido cometendo a mais simples falta, é imediatamente encaminhado para um sério exame. O Texas tem sido vítima de graves violências cometidas por escolares. A lição merece ser recebida.

Uma disciplina autoritária e brutal, tratamento dispensado ao "petiz" argentino, tem revelado sua ineficácia. Em sentido contrário, o possível o treinamento de professores, tornando-os competentes para um diagnóstico prévio, considero ser um caminho positivo, tanto para que possam atuar na área da violência infanto-juvenil, como para que possam também ser protagonistas ativos de uma política séria e positiva de contenção ao crime.

Somos testemunhas vivas da multiplicação de cadeias, penitenciárias e estabelecimentos prisionais. O resultado até agora encontrado não é bom. Melhor dizendo, é ineficaz. A violência infelizmente vai disseminando ou porque a sociedade tornou-se assim, ou porque ainda não encontramos remédio suficiente forte para conter o impulso criminal.

Os trabalhos realizados na Argentina, a contar da experiência do "petiz orejudo", abriram caminho para uma política de maior concretude na prevenção do delito.

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*Advogado, Procurador de Justiça aposentado do Ministério Público de São Paulo, professor da Faculdades COC




 

 

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