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A sucessão hereditária dos cônjuges

Dispositivo de curial importância é o constante do artigo 1.830, que estabelece a legitimidade do cônjuge para suceder: "Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".

15/1/2003

 

 

A sucessão hereditária dos cônjuges

 

 

Sílvio de Salvo Venosa* 

 

 

O cônjuge vem, no Código Civil de 1916, colocado em terceiro lugar na ordem de vocação hereditária, após os descendentes e ascendentes. Não é herdeiro necessário, podendo, pois, ser afastado da sucessão pela via testamentária. Nesse código, o cônjuge herda na ausência de descendentes ou ascendentes. A dissolução da sociedade conjugal exclui o cônjuge da vocação sucessória. A separação de fato por si só não o exclui. Tal exclusão só ocorrerá com sentença de separação, ou de divórcio, com trânsito em julgado. Até aí o cônjuge é herdeiro. Separação de fato, ainda que por tempo razoável, não basta para que o cônjuge saia da linha sucessória. A meação do cônjuge não é herança. Quando da morte de um dos consortes, desfaz-se a sociedade conjugal. Como em qualquer outra sociedade, os bens comuns, isto é, pertencentes às duas pessoas que foram casadas, devem ser divididos. A meação é avaliada de acordo com o regime de bens que regulava o casamento.

 

A doutrina sempre defendeu a colocação do cônjuge como herdeiro necessário, posição que veio a ser conquistada com o Código Civil de 2002. Isso porque, no caso de separação de bens, o viúvo ou a viúva poderiam não ter patrimônio próprio, para lhes garantir a sobrevivência. A Lei nº 4.121/62, Estatuto da Mulher Casada, justamente para proteger essa situação, instituiu o direito à herança concorrente de usufruto para o cônjuge sobrevivente, na redação do artigo 1.611, parágrafo 1º: "o cônjuge viúvo, se o regime de bens do casamento não era o da comunhão universal, terá direito, enquanto durar a viuvez, ao usufruto da quarta parte dos bens do cônjuge falecido, se houver filhos, deste ou do casal, e à metade, se não houver filhos embora sobrevivam ascendentes do de cujus".

 

Outra proteção conferida ao cônjuge viúvo, pelo mesmo Estatuto da Mulher Casada, foi o direito real de habitação estampado no parágrafo 2º do mesmo artigo 1.611 do Código Civil de 1916: "Ao cônjuge sobrevivente, casado sob regime de comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar". O intuito foi assegurar um teto ao viúvo (a), se há um único imóvel residencial na herança. Poderiam os herdeiros não só entrar na posse direta do bem, como aliená-lo, deixando o pai ou a mãe ao desabrigo. A lei não se importou com o montante da herança. Há o direito de habitação, desde que haja um único bem residencial e seja ele destinado à residência da família.

 

Entende-se que o supérstite deva residir nele só ou com outras pessoas da família. Tal direito só se extingue com a morte do cônjuge, ou quando sobrevier novo casamento. Para reforçar esse entendimento, é interessante notar que o Código Civil de 2002 confere o mesmo direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, "qualquer que seja o regime de bens" (artigo 1.831). Desse modo, se é espancada a dúvida na nova lei; tal reforça também o nosso entendimento no sistema legal anterior, por ser, evidentemente, o mais justo.

 

Como vimos, tanto o usufruto, como a habitação conferidos ao cônjuge são direitos sucessórios temporários. Extinguindo-se pela morte ou pelo término do estado de viuvez do sobrevivente, o domínio pleno concentra-se na pessoa dos herdeiros. Tais direitos devem ser descritos na partilha, para constar no registro imobiliário. Interessante notar também que o artigo 1.831 do novo diploma transformou o direito real de habitação em um direito permanente, pois não mais subordina esse direito ao estado de viuvez. Portanto, o novo casamento ou a união estável subseqüente do cônjuge supérstite, não mais tolherá seu direito real de habitação. Apenas a morte do cônjuge beneficiado fará extinguir esse direito.

 

De qualquer modo, era mesmo tempo de se colocar o cônjuge como herdeiro necessário. Como vimos, o novo código assim o faz, concorrendo o cônjuge com descendentes e ascendentes, em porcentagens diversas, dependendo do grau e do número de herdeiros, o que, talvez, ainda não seja a fórmula ideal.

 

O cônjuge, como enfatizamos, foi colocado na posição de herdeiro necessário, juntamente com os descendentes e ascendentes (artigo 1.845). Desse modo, aos herdeiros necessários pertence, de pleno direito, a metade dos bens da herança, que se denomina legítima (artigo 1.846). Quando se trata de herdeiro cônjuge, nunca é demais reiterar que herança não se confunde com meação. Assim, havendo meação, além desta caberá também ao sobrevivente pelo menos, a metade da herança, que constitui a porção legítima.

 

No entanto, foi atribuída posição mais favorável ao cônjuge no novo código porque, além de ser herdeiro necessário, será ele herdeiro concorrente, em propriedade, com os descendentes e com os ascendentes.

 

Conforme o artigo 1.829, I, o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes se for casado com o falecido no regime de comunhão de universal bens ou no regime de separação obrigatória (artigo 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares. Nem sempre essas situações que afastam o sobrevivente da herança concorrente com os descendentes significarão proteção ao sobrevivente, se essa foi, como parece, a intenção do legislador. Certamente haverá oportunidades nas quais a jurisprudência deverá aparar arestas.

Assim, quando concorre com descendentes, aplica-se o artigo 1.832: "Em concorrência com os descendentes (artigo 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer".

 

A lei faz distinção se essa concorrência é com filhos comuns ou com filhos somente do cônjuge falecido. Se for ascendente dos herdeiros descendentes, fica-lhe assegurada sempre a quarta parte da herança. Assim, por exemplo, se concorre com um filho, a herança será dividida ao meio; se concorre com dois filhos comuns, o cônjuge receberá um terço da herança. Se concorrer com três ou mais filhos comuns, ser-lhe-á assegurada sempre a quarta parte da herança, sendo o restante dividido pelos demais. Esse quinhão do cônjuge será sempre computado conforme o que couber por cabeça (artigo 1.835). Assim, o mesmo princípio se aplica, por exemplo, se o cônjuge concorre somente com netos, descendentes de filhos já pré-mortos.

 

Se, porém, o cônjuge sobrevivo concorrer com descendentes do morto dos quais o sobrevivo não seja ascendente, não há a reserva da quarta parte, sendo a herança divida em partes iguais com os que recebem por cabeça. Se, porém, concorrer com descendentes comuns e descendentes apenas do de cujus, há que se entender que se aplica a garantia mínima da quarta parte.

 

Na falta de descendentes, o cônjuge concorrerá com os ascendentes, aplicando-se o artigo 1.837: "Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau". Desse modo, concorrendo com sogro e sogra, receberá o cônjuge um terço da herança, que será, portanto, dividida em partes iguais. Se concorrer apenas com o sogro ou com a sogra, ou com os pais destes, independente do respectivo número, será sempre assegurada a metade da herança ao supérstite. O cônjuge será herdeiro único e universal na falta de descendentes e ascendentes (artigo 1.838).

 

O cônjuge, no novo código, fará jus ao direito real de habitação, qualquer que seja o regime de bens, relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único dessa natureza a inventariar e sem prejuízo de sua participação na herança (artigo 1.831). Esse direito real de habitação, como se vê, se acresce à sua participação na herança sob a modalidade de propriedade. É mais amplo do que no ordenamento atual, pois não fica subordinado ao estado de viuvez do sobrevivente, sendo portanto vitalício.

 

Dispositivo de curial importância é o constante do artigo 1.830, que estabelece a legitimidade do cônjuge para suceder: "Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente".

 

Sem que se reconheça legitimidade ao cônjuge sobrevivente não se lhe pode atribuir a condição de herdeiro. Como se percebe, o artigo introduz situações de fato que devem ser provadas e poderão trazer muitas discussões no caso concreto e poderão paralisar o inventário por muito tempo, até que sejam decididas, mormente a ausência de culpa do sobrevivente pela separação de fato.

 

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* Juiz aposentado do Primeiro Tribunal de Alçada Civil - sócio do escritório Demarest e Almeida Advogados - Autor de obra completa de Direito Civil em seis volumes   

 

 

 

 

 

 

 

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