Abuso do direito de defesa e a possibilidade de concessão da tutela antecipatória "ex officio"
Haline Fernandes Silva da Hora*
Com efeito, a antecipação de tutela é providência que pode ser deferida em diferentes contextos. Segundo o artigo 2732 do CPC (clique aqui), a mesma pode ser deferida se houver receio fundado de dano; manifesto intuito protelatório do réu e abuso de direito de defesa, ou ainda quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso.
Da análise do caput deste dispositivo extrai-se de imediato que, para o deferimento da tutela, é indispensável a existência de prova inequívoca, com o condão de demonstrar ao juiz a verossimilhança do que se alega. Este requisito tem um caráter eminentemente subjetivo, pois diz respeito ao convencimento do magistrado sobre a verdade e coerência da pretensão, guardando, outrossim, nexo com a prova inequívoca.
As hipóteses aventadas pelo legislador, nos casos dos incisos I e II do referido artigo, ensejam juízo de probabilidade, na medida em que se concederá a demanda por meio de cognição sumária usualmente antes da instrução e com base em prova documental. Contudo, nada impede que as provas sejam colhidas durante a instrução e a tutela seja deferida no momento anterior da sentença e até mesmo na sentença.
A tutela antecipada de ofício já se faz presente na jurisprudência brasileira e se afirma como uma forma de adequar o direito material e a necessidade das pessoas às práticas processuais3. Com destaque, o Professor Fernando Luiz França4 conclui ser possível a concessão de ofício, mas apenas nos casos de antecipação sanção, prevista no inciso II do art. 273 do CPC. Convém citar a sua brilhante fundamentação, a respeito dos casos de caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, é o que se verifica a seguir:
"a) o condicionamento de antecipação da tutela ao pedido da parte, quando ocorrer o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório, vai de encontro à orientação adotada pelo CPC quanto à aplicação, ex officio, das sanções;
b) o condicionamento de antecipação da tutela ao pedido da parte, quando ocorrer o manifesto propósito protelatório, vai de encontro ao princípio do impulso oficial, que impõe ao juiz o dever de velar pela continuidade dos atos processuais até a decisão de mérito;
c) impõe-se interpretar o caput do art. 273 do CPC, em consonância com o art. 5º, inc. XXXV da CR/1988, de forma que se possa autorizar ao juiz antecipar, ex officio, a tutela, toda vez que a parte abusar do seu direito de defesa ou litigar com manifesto intuito protelatório, como forma de alcançar a celeridade e efetividade da prestação jurisdicional."
Nesse sentido, aplicando-se a tutela provisória ex officio, justificada pela natureza jurídica de ordem pública, divergimos do ilustre jurista apenas por entender que existe outra hipótese autorizadora de tal medida excepcional. Isso porque temos que é permitido ao magistrado efetivar a tutela antecipada ao autor de demanda, cujo réu, ao exercer o seu direito, excede os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, conforme artigo 187 do Código Civil (clique aqui). Em tais casos, conclui-se que pode ser deferida a tutela antecipatória punitiva, prevista no artigo 273, inciso II, do CPC, independentemente de requerimento do autor, caso seja constatado o abuso de direito na espécie.
Isto posto, no que se refere ao princípio do dispositivo ou da inércia, segundo o qual, o juiz fica impedido de agir de ofício para iniciar uma relação processual, é correto perceber que o legislador adotou-o em nosso ordenamento jurídico. No entanto, tal princípio não existe como fim em si mesmo, de forma absoluta. Essa disponibilidade das partes não impede o juiz de agir de ofício em busca da efetiva tutela jurisdicional, nos casos específicos em que houver explícito ilícito processual, sem comprometimento de sua imparcialidade. Isso porque todas as decisões do juiz devem ser fundamentadas, podendo ainda a parte adversa que se sentir prejudicada recorrer da decisão do juízo, o que garante a imparcialidade na aplicação de um direito fundamental.
Ao final, vê-se que a possibilidade de antecipação da tutela de ofício, em situações excepcionais, afirma-se pertinente, desde que o juiz atue com bom senso e justiça. Ao conceder a antecipação dos efeitos da tutela diante dos ilícitos processuais constatados, o magistrado atende a uma finalidade processual maior, que é resguardar o direito material. Esse é o fim da tutela antecipada, foi para isso que ela foi criada. Logo, poderá o juiz antecipar a tutela, mesmo sem pedido expresso, a fim de dar efetividade ao instituto e cumprimento à norma constitucional que garante o direito fundamental ao devido processo legal, acesso à justiça e à tutela efetiva.
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1 Alvim, Arruda; Alvim, Eduardo Arruda. (Coord.). Inovações sobre o Direito Processual Civil: Tutelas de Urgência. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 303.
2 Art. 273. O juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação:
I- haja fundado receio de dano irreparável; ou
II- fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu
3 Tribunal Regional Federal (5ª Região). Apelação Cível 345950 (2000.81.00.001652-0), da 4ª Turma. Relator: Desembargador Luiz Alberto Gurgel de Faria. DJ 7/3/05 - p. 670 - nº: 44 - ano 2005.
4 In A antecipação de Tutela ‘ex ofício'. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003. p. 184.
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*Advogada do escritório Trigueiro Fontes Advogados
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