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Os animais e o Judiciário

Os Juizados foram criados para solucionar as demandas do dia a dia do cidadão, consistentes nas causas menos complexas. Todavia, o magistrado brasileiro não admite ser excluído deste ou daquele julgamento, mesmo sabendo das dificuldades que atravessa o Judiciário com o incontrolável número de causas. Não cede seu poder de julgar, mas perde no meio do caminho, porque os processos com demandas complexas acumulam nos cartórios e as reclamações simples crescem nas secretarias dos Juizados Especiais.

30/9/2009


Os animais e o Judiciário

Antonio Pessoa Cardoso*

Os Juizados foram criados para solucionar as demandas do dia a dia do cidadão, consistentes nas causas menos complexas. Todavia, o magistrado brasileiro não admite ser excluído deste ou daquele julgamento, mesmo sabendo das dificuldades que atravessa o Judiciário com o incontrolável número de causas. Não cede seu poder de julgar, mas perde no meio do caminho, porque os processos com demandas complexas acumulam nos cartórios e as reclamações simples crescem nas secretarias dos Juizados Especiais. O resultado é que as causas simples, de competência do sistema informal e as complexas adequada para a Justiça Comum não guardam mais separação alguma, pois uma e outras são solucionadas num ou noutro sistema.

Vejamos alguns exemplos de reclamações típicas dos Juizados, mas que a Justiça Comum insiste em resolvê-las chegando até ao STJ.

O proprietário e fiel depositário de dois chipanzés, através de Habeas Corpus, recorreu ao STJ contra decisão do Tribunal Regional da 3ª região porque não se conformou com decisão do Tribunal Regional da 3ª região que determinou fossem os primatas devolvidos à natureza. O requerimento foi embasado no art. 5º da CF (clique aqui). O feito ainda tramita na 2ª Turma do STJ, porquanto um dos ministros, Herman Benjamin, pediu vista para estudar melhor o assunto dos macacos.

Conflito de Competência acontece quando dois juízes se dão por competentes ou incompetentes para julgar esta ou aquela demanda. No caso específico, em 2008, uma empresa é acusada de manter sete tigres de bengala em cativeiro; a 3ª Seção do STJ, através do relator, ministro Og Fernandes decidiu que a competência é do Juízo da 3ª Vara Criminal Federal do Rio Grande do Sul, porque animais exóticos necessitam de autorização do IBAMA para ingresso no país, daí a competência federal.

Em 2007, chegou ao STJ processo de Mato Grosso do Sul, no qual o STJ manteve decisão daquele Tribunal de Justiça no sentido de determinar que o município de Campo Grande realizasse exames para aplicar a eutanásia em cães e gatos, portadores de leishmaniose visceral, exigindo autorização dos proprietários dos animais doentes.

Também em Mato Grosso, um promotor público bateu o carro contra três cavalos, que perambulavam pela rodovia; depois do acidente, temendo desastres maiores com outras viajantes, procurou afugentar os animais com tiros e acabou matando um dos cavalos; aberta a ação penal, tentou trancá-la através de habeas corpus, mas o STJ negou o pedido.

Até vaca morta exige decisão do STJ. Numa rodovia, administrada pela empresa NovaDutra, o animal morto provocou acidente, e em 2003 o Tribunal da Cidadania, obrigou a concessionária da estrada a indenizar a motorista acidentada com a vaca morta. Aplicou-se o CDC (clique aqui), vez que houve relação de consumo entre a usuária e a concessionária da rodovia.

Na praia de Pinheiros, Santa Catarina, a equipe do telejornal "Aqui e Agora" contratou, no ano de 2002, um pescador para filmar uma baleia e seu filhote; a filmagem aproximou dos animais a ponto de bater neles, não respeitando a distância inferior aos cem metros, exigidos por portaria do IBAMA. O STJ, onde tramitam milhares de processos complexos, foi chamado para decidir a matéria e condenou o repórter, o cinegrafista e o pescador a prestarem serviços à comunidade. O Juizado se não fosse desvirtuada suas funções resolveria com facilidade a pendenga.

A captura de minhocas para fazer iscas de pesca também é motivo para convocar o Tribunal de Brasília. O fato provocou processo criminal contra a fauna. A 3ª Seção do STJ trancou a ação penal com aplicação do princípio da insignificância, entendendo sem relevância jurídica o fato. De qualquer forma, os ministros tiveram de deixar seus inúmeros afazeres para dizer que o fato era insignificante e, portanto sem motivo a ação penal.

Os cães de um subprocurador do Trabalho invadiram um terreno e mataram dois papagaios. A briga alastrou-se aos proprietários dos animais, em função do foro privilegiado do funcionário público, e o STJ, mais uma vez, é chamado para decidir a demanda. Abriu-se processo de contravenção penal, infração de baixo potencial ofensivo, facilmente solucionável pelo Juizado Especial, mas ocupou o tempo dos ministros.

Os cachorros têm merecido destaque nos tribunais. Agora é um cão da raça weimaraner que atacou e feriu Mariângela Ribeiro de Souza Silva e seu filho, quando este saia da escola. O STJ reuniu, através da 4ª Turma, e disse que o proprietário do feroz animal teria de pagar indenização de 150 salários mínimos às vítimas. A alegação de que o menino mexeu com o cachorro, que estava sem focinheiras, não serviu para evitar a indenização.

Também a 4ª Turma do STJ anulou decisão judicial que condenou a proprietária de dois cães husky siberianos a indenizar uma mulher ferida no rosto pelos animais. O recurso especial foi procedente, porque a dona dos cachorros não apresentou sua defesa, sustentada na afirmação de que a vítima foi imprudente, porque aproximou demais dos cães. O fato pode retornar ao STJ depois da defesa da proprietária dos animais.

O TJ/RJ decidiu que a ambientalista Fernanda Colagrossi, vizinha da cantora Simone, não poderia criar em casa 25 cachorros, em virtude do mau cheiro e do barulho reclamado pela artista. Permitiu a manutenção de apenas 03 animais. O caso não parou por aí, porquanto Simone recorreu ao STJ que através da 3ª Turma manteve a decisão da justiça carioca. Casos semelhantes chegam com alguma constância ao Tribunal da Cidadania, como o de um casal que queria continuar com 150 cães em sua residência. A 1ª Seção manteve decisão para remover a matilha para o Centro de Controle de Zoonoses de São Paulo.

O condomínio do edifício Rodrigues Alves, Rio de Janeiro, determinou que a proprietária de um cachorro de pequeno porte retirasse o animal de seu apartamento. A Convenção proibia, mas a proprietária do cão e do apartamento resistia em obedecer. O STJ, 3ª Turma, manteve a decisão do Tribunal do Rio e obrigou a mulher a remover o cachorro de estimação de seu apartamento.

Por essas e outras é que os Juizados Especiais estão desvirtuados, pois de competente para causas de até 20 salários mínimos passou a solucionar demandas de até quarenta salários mínimos; da desnecessidade de advogado, tornou prática corrente a exigência de profissional em todas as causas. Enquanto isto ocorre com o sistema informal, a Justiça Comum avoca para si causas de pequena complexidade, que deveria ser resolvidas pelo sistema informal.

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*Desembargador do TJ/BA





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