André Franco Montoro Filho*
A explicação para a coexistência de corrupção, impunidade e regimes autoritários é que não existem freios ou contrapesos para controlar os abusos dos governantes, que, assim, exercem um poder absoluto. Já se afirmou que o poder corrompe, mas o poder absoluto corrompe absolutamente.
O remédio utilizado para combater a corrupção foi a democracia e a liberdade. Em regimes democráticos, o poder político é controlado por leis e instituições e, mais importante, sujeito a cobranças populares. Com isso, o espaço para malversação do patrimônio público foi reduzido e culpados puderam ser punidos, Mas e o Brasil? A CF (clique aqui), em seu artigo 1º, dispõe que o Brasil é um Estado democrático de Direito e, a seguir, arrola os direitos e as garantias individuais, coletivas e sociais.
Ora, esses preceitos têm sido observados. Realizamos eleições livres e periódicas, existe independência do Poder Judiciário, liberdade de imprensa, de opinião e de organização política. Com as limitações impostas pelas mazelas da natureza humana, é certo que no Brasil existe liberdade e democracia.
No entanto, frustrando a esperança de tantos que lutamos pela redemocratização, a percepção de corrupção e a sensação de impunidade no setor público perduram, se é que não aumentaram. O que deu errado?
O parágrafo único do artigo 1º da CF determina:
"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição".
Formalmente, esse comando é observado. A população que elege seus representantes. Em relação ao Executivo, não apenas formalmente mas também efetivamente, a sensação popular é a de que é o povo que escolhe o presidente, governador ou prefeito. Assim como escolhe, o eleitor acompanha, cobra e pune ou recompensa por meio do voto.
Levando em conta as inevitáveis imperfeições de processos sociais de massa e o estágio de desenvolvimento do Brasil, acredito que, para o Poder Executivo, o referido parágrafo único de fato reflete nossa realidade. Esperamos que a continuidade da prática eleitoral aperfeiçoe o processo de escolha dos governantes.
Entretanto, no caso do Legislativo a realidade é bem diferente. Via de regra não existe, para a maioria da população, a sensação de que o Parlamentar federal, estadual ou mesmo o municipal seja seu representante político, ou seja, aquele que exerce o poder em seu nome e deveria ter sua atividade acompanhada e ser cobrado, punido ou recompensado pelo voto.
A maioria dos eleitores nem se lembra em quem votou. A relação de representação política é quase inexistente. O que vigora é uma relação clientelista entre o eleitor e o candidato. O parlamentar é visto como se fosse um despachante que resolve problemas e atende a reivindicações particulares, nem sempre legítimas.
É nessa perspectiva que devem ser entendidas manifestações de parlamentares que afirmaram não se importar com a opinião pública. Eles acreditam que não serão julgados por seus eleitores pelas atitudes éticas ou políticas, mas por sua capacidade de atender às demandas particulares ou locais, como vaga em creche, apoio ao clube de futebol, emprego público, estradas vicinais, postos de saúde etc.
Enquanto essa realidade perdurar, será muito difícil reduzir a impunidade que grassa no Brasil. Para mudar, são necessárias alterações no sistema de votação das eleições proporcionais que estimulem uma relação de representatividade política entre o eleitor e o eleito, como a adoção do voto distrital, pois esse mecanismo promove uma aproximação do candidato com a população.
Mas não devemos ficar parados esperando que os políticos resolvam o problema. Essas mudanças podem ser apressadas com a conscientização de cada cidadão de sua responsabilidade ética e política. A culpa não é só dos políticos. Rogério Ceni tem razão.
É tarefa de todos nós.
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*Professor titular da FEA-USP e presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial - ETCO
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