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Breves considerações sobre a privatização dos presídios brasileiros

Muito se discute acerca das alternativas para solucionar os problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro com o fito de atingir o principal objetivo da execução penal, qual seja: a ressocialização do condenado.

31/8/2009


Breves considerações sobre a privatização dos presídios brasileiros

Christiany Pegorari Conte*

1. Noções Introdutórias

Muito se discute acerca das alternativas para solucionar os problemas enfrentados pelo sistema penitenciário brasileiro com o fito de atingir o principal objetivo da execução penal, qual seja: a ressocialização do condenado.

Dentre as principais dificuldades enfrentadas pela execução penal hoje destacamos: a superpopulação carcerária e o desrespeito aos direitos humanos em face de um cumprimento de pena indigno e degradante.

A superpopulação e a precariedade das instituições carcerárias acarretam em dificuldades na efetivação da pena e, principalmente, na ressocialização do condenado, bem como afastam a execução penal dos princípios e regras da individualização, personalidade e proporcionalidade da pena, dentre outros.

O crescimento acelerado do número de presos não foi acompanhado na mesma velocidade pela quantidade de vagas criadas, fato que se verifica pelo déficit de vagas necessárias para atender a demanda de condenados.

As celas estão, cada vez mais, lotadas e não atendem aos requisitos mínimos de dignidade assegurados pela Constituição Federal (art. 1º, III) e pela própria Lei de Execução Penal (lei 7.210/84 - clique aqui), conforme se verifica dos dispositivos citados, in verbis, abaixo:

Art. 12. A assistência material ao preso e ao internado consistirá no fornecimento de alimentação, vestuário e instalações higiênicas.

Art. 83. O estabelecimento penal, conforme a sua natureza deverá contar em suas dependências com áreas e serviços destinados a dar assistência, educação, trabalho, recreação e prática esportiva.

Art. 85. O estabelecimento penal deverá ter lotação compatível com a sua estrutura e finalidade. Parágrafo único. O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária determinará o limite máximo de capacidade do estabelecimento, atendendo a sua natureza e peculiaridades.

Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.

Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:

a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;

b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).

Tudo isso, ao longo dos anos, colocou o sistema carcerário brasileiro à beira de um colapso e, consequentemente, passou a exigir a tomada de medidas rápidas e eficazes.

Em 2005, o sistema prisional de São Paulo registrou 27 rebeliões em todo o Estado de São Paulo. Somente nos três primeiros meses de 2006, este número chegou a 31, ultrapassando a maior mobilização das facções criminosas que controlam as cadeias e penitenciárias, realizada em 2001, quando 29 presídios registraram rebeliões.

Ao todo, são 144 unidades prisionais em São Paulo, das quais 74 penitenciárias, três unidades de segurança máxima e 32 Centros de Detenção Provisória - CDP, que possuem menos infraestrutura.1

Os dados apresentados acima são de 2006, pois a Secretaria de Administração Penitenciária não divulga dados posteriores, conforme explica Alessandra Teixeira, presidente da comissão de sistema prisional do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais2:

Existe um problema de transparência na Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo. A advogada e pesquisadora acusa o órgão de não divulgar dados completos sobre as prisões paulistas desde o final de 2006, ano em que o Estado se viu refém de uma onda de ataques orquestrados pela organização criminosa PCC. "A secretaria não divulga o número de presos no Estado, nem o número de agentes que trabalham em cada penitenciária. Hoje, alega que é um motivo de segurança." A Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo nega as acusações. O órgão afirma que todos os dados sobre o sistema prisional estadual são atualizados semanalmente e estão disponíveis na internet, e que apenas o número de agentes por unidade é sigiloso, por motivos de segurança. A reportagem do UOL Notícias encontrou o site da secretaria fora do ar na tarde de quinta-feira (9). Alessandra também reclama que os números de rebeliões e de mortes dentro das prisões não são divulgados. Questionada, a assessoria de imprensa da secretaria reafirmou que os dados disponibilizados para consulta pública são divulgados somente pelo site. A exceção é o número de mortes dentro das prisões, que tem de ser pedido à Coordenadoria de Saúde e, por isso, deve ser solicitado por e-mail.

De acordo com a secretaria, atualmente há cerca de 95 mil vagas nas unidades prisionais do Estado. O número de presos chega a cerca de 148 mil.

O órgão também contabiliza a ocorrência de 91 rebeliões em 2006, nenhuma em 2007 e três em 2008. Porém, uma busca rápida revela que foram noticiadas pelo menos quatro rebeliões e tumultos nas prisões do Estado em 2007 e oito em 2008.

Em 2007 foram noticiadas ocorrências no CDP (Centro de detenção Provisória) de Guarulhos, em São José dos Campos e nas penitenciárias de Tremembé e Riolândia.

Em 2008, há notícias de tumultos e rebeliões na Penitenciária 2 de Potim, na cadeia pública de Pitangueiras, nos CDPs de Osasco e Ribeirão Preto, e nas penitenciárias de Martinópolis, Tremembé e Iaras.

E, embora o governo do Estado tenha projetos de construção de novas penitenciárias, ainda estamos aquém do necessário para a resolução dos problemas que envolvem o sistema penitenciário tanto em âmbito estadual, quanto nacional.

Com a finalidade de minimizar a crise da qual padece o sistema punitivo, várias propostas surgem, tais como: a construção de novos presídios; a realização de políticas públicas eficazes que trabalhem com a prevenção e repressão da prática delitiva; a utilização de instrumentos de execução penal, tais como a progressão de regime, liberdade condicional, remição e a suspensão condicional da pena (sursis), com o escopo de desafogar o sistema carcerário; a implantação de um sistema eficaz de laborterapia ou oficinas de trabalho para os presos; a aplicação de penas alternativas; a adoção de sistemas de monitoramento eletrônico para cumprimento da pena3 e, por fim, a privatização dos presídios, no modelo de contrato chamado PPP (parceria público-privada), que suscita uma discussão mais aprofundada.

2. Parcerias público-privadas

A idéia de parceria entre os entes privados e públicos surge de um modelo neoliberal que já vem sendo adotado pela maioria dos países, desde a década de 80, substanciado numa certa abstenção do Estado e na consequente delegação de diversas atividades à iniciativa privada. Os EUA foram os primeiros a adotarem as parcerias público-privadas para a melhoria na prestação dos serviços públicos no setor prisional e redução dos gastos públicos:

No modelo norte-americano, a privatização das prisões era o gênero do qual eram espécies três modelos:

1)Arrendamento das prisões;

2)Administração privada das penitenciárias;

3)Contratação de serviços específicos com particulares.

No modelo de arrendamento, as empresas privadas financiavam e construíam as prisões e depois a arrendavam-na ao governo federal, sendo que depois de um determinado tempo sua propriedade passava ao Estado. Já no modelo de administração privada, a iniciativa privada tanto construía como administrava as prisões. O terceiro modelo consistia na contratação de empresas privadas para a execução de determinados serviços. Era essencialmente uma terceirização. O Estado fazia um contrato com o particular que abrigava, alimentava e vestia os presos, tendo como contraprestação o seu trabalho. Em todos esses modelos o preso era tido como terceiro beneficiário do contrato realizado entre o poder público e a empresa particular, sendo que ele poderia compelir juridicamente o empresário a cumprir com as obrigações estabelecidas no referido contrato.4

Alguns países da Europa também adotam sistemas semelhantes. Na França, por exemplo, há um sistema de cogestão, no tocante ao gerenciamento e administração do estabelecimento prisional, entre a empresa privada e o poder público.

Na Grã-Bretanha e na Austrália, tal como nos EUA, as atividades são inteiramente administradas por empresas privadas, inclusive os sistemas de vigilância de presos.

As prisões constituem um mercado extremamente atraente para os grupos privados, visto que a população carcerária não pára de crescer em todos os países do globo.5

A diretora nacional do Serviço Penitenciário Federal Argentino, Amália Rosa Toro, defende a parceria do poder público com a iniciativa privada na América do Sul para a realização de alguns serviços nas penitenciárias, sem que o controle total saia das mãos do Estado. Na Argentina, a terceirização ocorreu nos setores de limpeza, alimentação e na educação, que não demandam mais gastos para o Estado. Há convênio para 60 mil presos na área da educação nos níveis primário, secundário e universitário, além de cursos profissionalizantes de informática e agropecuária. A privatização nas prisões é feita apenas em serviços de apoio. O controle na parte de segurança é de total responsabilidade do Estado. Na Argentina, a privatização da educação nos presídios federais e nas províncias iniciou em 1980. O serviço de limpeza e alimentação a partir de 1990, sem nenhum custo para o Estado. O Estado terá que buscar investimentos privados para proporcionar melhores condições de trabalho e educação aos apenados. Os resultados são excelentes, pois houve uma reinserção social do preso que acabou estudando, realizando cursos técnicos e houve benefício para a família com a geração de renda.

Como na Argentina, a privatização de alguns serviços ocorre na Bélgica, Espanha, Itália, e México com os presos atuando na confecção de uniformes, carpintaria, agropecuária, fabricação de produtos alimentícios como queijos, doce de leite e frutas.6

3. Parcerias Público-Privadas para os Presídios Brasileiros

A Administração pode prestar serviços públicos diretamente, ou através de delegados (concessionárias e permissionárias), sempre através de licitação conforme o art. 175 da CF/88 (clique aqui), regulamentado pela lei 8.987/95 (clique aqui), in verbis:

Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único - A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.

As PPP’s constituem contratos de colaboração entre o Estado e o particular, por meio dos quais, nos termos estabelecidos em cada caso, o ente privado participa da implantação e do desenvolvimento de obra, serviço ou empreendimento público, bem como da exploração e da gestão das atividades dele decorrentes, cabendo-lhe contribuir com recursos financeiros, materiais e humanos e sendo remunerado, segundo o seu desempenho na execução das atividades contratadas. (lei 14.868/03 - clique aqui).

Trata-se de regime jurídico aplicável a determinadas concessões de obras ou de serviços públicos7, vale dizer, constitui contrato administrativo de concessão (especial).

Nas PPP’s, o Parceiro Privado contribui com recursos e gestão, enquanto que o Parceiro Público promove a satisfação do interesse público, garantindo o funcionamento da infraestrutura e serviços públicos que dependem de recursos orçamentários indisponíveis, tendo em vista que os investimentos em infraestrutura são cada vez mais onerosos.

Assim, as PPP’s reduzem custos de infraestrutura, fomentam investimentos privados e diminuem despesas públicas.

Vale lembrar, outrossim, que duas situações não se encontravam solucionadas na legislação das concessões e que ensejou a elaboração da lei 11.079/04 (clique aqui), quais sejam:

1. Serviços públicos em que os usuários poderiam pagar uma determinada tarifa, mas não tinham condições de arcar com o pagamento do valor necessário para assegurar a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da concessionária, havendo a necessidade de subsídios. Ex. transporte de massa, como metrô, saneamento e fornecimento de água;

2. Serviços públicos que, por sua natureza ou por força de lei, são de responsabilidade exclusiva do Estado, neste último, se enquadra a situação dos presídios.

A primeira observação a ser feita, quando tratamos do tema em epígrafe, é a utilização inadequada da expressão "privatização dos presídios", pois a proposta, conforme explica o secretário de Defesa Social de Minas Gerais, Maurício Campos Júnior, é de parceria entre o ente privado e o Estado:

"Não é privatização, nem terceirização. É parceria. É uma concessão administrativa pelo prazo de 27 anos, onde há uma coparticipação na gestão da unidade prisional", diz Campos. "A segurança externa e a disciplina interna são do Estado, e o Estado não abre mão delas." Para o secretário, até mesmo funções cotidianas como limpeza e alimentação poderiam ser executadas pela iniciativa privada. "Nada disso deveria ser exclusivo do Estado", afirma.8

Dois Estados brasileiros já iniciaram processos para a construção de presídios em parceria com a iniciativa privada.

Em Minas Gerais e Pernambuco, os contratos de PPP preveem que o consórcio vencedor de licitação tem de fazer o projeto, construir o complexo prisional e se responsabilizar pela gestão do presídio quando a unidade entrar em operação. O Estado, por sua vez, fica responsável pela segurança das muralhas, o transporte dos detentos e a diretoria da prisão.

Os defensores da parceria argumentam que não se trata de privatizar presídios, mas de dar mais agilidade aos investimentos na área. Afirma, mais uma vez, o secretário de Defesa Social de Minas Gerais, Maurício Campos Júnior:

(...) a parceria entre Estado e iniciativa privada "aumenta a capacidade do Estado de fornecer vagas"."Ela [a parceria] permite a injeção de recursos da ordem de R$ 200 milhões na fase de construção com a disponibilização de vagas em curto prazo, o que não se conseguiria com o dinheiro do Tesouro", argumenta o secretário.9

No dia 16 de junho, o governador mineiro, Aécio Neves (PSDB), assinou contrato com o Consórcio GPA - Gestores Prisionais Associados, formado por cinco empresas dos ramos de construção, segurança e serviços) para a construção e gestão do complexo prisional de Ribeirão das Neves, na região metropolitana de Minas Gerais. O consórcio também elabora um estudo de viabilidade de uma prisão semelhante para o governo do Rio Grande do Sul. A estimativa é de que as 3.040 vagas do complexo de Ribeirão das Neves estejam disponíveis depois de 18 meses do início da construção.10

Em Pernambuco, o projeto em PPP do Centro Integrado de Ressocialização - CIR de Itaquitinga já foi licitado e homologado. O Consórcio Reintegra Brasil, ganhador da licitação para construir e fazer a gestão das cerca de 3.000 vagas do futuro complexo prisional, espera um empréstimo de R$ 260 milhões do Banco do Nordeste para assinar o contrato com o governo estadual.

Segundo Sílvio Bompastor, presidente do Comitê Gestor de Parceria Público-Privada no Estado:

(...) a iniciativa privada será remunerada como prestadora de serviços quando as vagas começarem a ser preenchidas. O consórcio é composto por três empresas, uma delas responsável pela cogestão de presídios baianos. Silvio Bompastor também não considera que se trate de "privatização", pois os cargos de diretor-geral, diretor de segurança e de administração serão públicos. "Por exemplo, no caso da comida. A iniciativa privada será responsável por fazer e servir a comida aos detentos. Mas é o diretor do presídio que vai gerir se a comida está boa, se está sendo servida corretamente", diz.11

Os projetos, mineiro e pernambucano, são semelhantes: os complexos terão pavilhões para presos do regime fechado e do semi-aberto, o investimento na fase de construção será inteiramente da iniciativa privada, e estão previstos cinco anos para que os gastos da fase inicial sejam amortizados. A concessão de Ribeirão das Neves será de 27 anos. A de Itaquitinga, de 30.

No Rio Grande do Sul, onde juízes tomaram recentemente medidas controversas contra a superlotação de presídios, como o rodízio de presos, também poderá ganhar uma penitenciária por PPP. O consórcio mineiro GPA está autorizado, desde o dia 17 de junho, a tocar o estudo de viabilidade do projeto e tem até outubro para entregar o estudo pronto ao governo gaúcho.

Segundo a Secretaria de Planejamento e Gestão do governo Yeda Crusius (PSDB):

(...) ainda que as empresas integrantes sejam as mesmas de Minas Gerais, só será possível saber qual o modelo proposto quando o estudo estiver pronto. "Cada Estado possui suas peculiaridades", informou, por meio de nota. Por enquanto, o Estado ganha uma "ferramenta de mobilização para melhorar o sistema penitenciário".

Em São Paulo também foram realizados estudos. Um deles foi executado pela FIESP - Federação da Indústria do Estado de São Paulo, concluído e entregue ao governo de José Serra (PSDB) em março. O outro está por conta do Comitê Gestor de Parceria Público-Privada estadual, ligado à Secretaria de Economia e Planejamento.

A Secretaria de Planejamento informou que o tema da PPP para um novo presídio paulista continua em estudo, mas, devido a questões jurídicas, ainda não foi decidido se um projeto do tipo é viável. No entanto, a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado afirma não existir projeto algum de parceria público-privada dentro do órgão.

As parcerias público-privadas constituem alternativa interessante para a mitigação das deficiências existentes no sistema penitenciário nacional, no entanto, tem sido contestada.

Em 2007, a Justiça Federal obrigou o governo do Ceará a retomar a gestão de três unidades prisionais então administradas pela Companhia Nacional de Administração Prisional - a Penitenciária Industrial Regional de Sobral, a Penitenciária Industrial Regional do Cariri e o Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira. O juiz Marcus Vinícius Parente Rebouças entendeu que a gestão das prisões é tarefa exclusiva da administração pública, que não ser delegada à iniciativa privada.12

Para a advogada e pesquisadora Alessandra Teixeira, presidente da comissão sobre sistema prisional do IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, as prisões regidas pelo sistema de PPP são ilegais e inconstitucionais: Criam-se manobras jurídicas para viabilizar essas prisões, mas, à luz do direito, elas ferem a Constituição. O Estado tem a obrigação de garantir as condições para que o condenado cumpra sua pena.13

No mesmo sentido, Laurindo Dias Minhoto, professor da Escola de Direito da FGV-SP - Fundação Getúlio Vargas e ex-conselheiro do CNPCP - Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, ligado ao Ministério da Justiça, afirma que:

O principal problema da presença da iniciativa privada é alimentar o interesse econômico, em vez de estimular a eficiência da gestão. "Neste tipo de experiência, você reforça a crença em uma política criminal equivocada -de que quanto mais prisões, melhor para o combate ao crime", diz Minhoto, autor de um estudo sobre as prisões administradas em regime de PPP nos Estados Unidos e na Inglaterra. Para ele, o modelo não tem sido bem-sucedido. "[O modelo] não significa uma redução de custos, então o contribuinte não sai ganhando. Além disso, as distorções que afetam os estabelecimentos públicos também aparecem nos estabelecimentos privados."

Ainda segundo o professor, os maus-tratos aos detentos, as condições ruins de encarceramento, o quadro de pessoal pouco qualificado, a corrupção, as fugas e a entrada ilegal de drogas nos presídios estão presentes tanto nos estabelecimentos públicos quanto nos privados.14

Luiz Tarcísio Teixeira Ferreira, professor de direito constitucional da PUC/SP - Pontifícia Universidade Católica e especialista em direito do Estado:

Não é contra a gestão privada dos presídios, mas avalia que a utilização da lei de PPP no sistema penitenciário desrespeita a Constituição Federal.

O ex-secretário de Negócios Jurídicos de São Paulo diz que o modelo de PPP estipula um período de gestão do parceiro privado semelhante ao da concessão, que permite à iniciativa privada explorar um serviço público de forma a ser remunerada pelas tarifas pagas pelos usuários. É o que acontece com as estradas e os serviços de telefonia. No caso das prisões, como quem paga a conta é o Estado, diz Ferreira, o contrato deveria ser de prestação de serviços - que tem duração máxima de cinco anos, período muito menor do que os 30 anos que o consórcio Reintegra Brasil terá para administrar o complexo de Itaquitinga, em Pernambuco. "Estão usando a figura da concessão para fazer contratos de até 35 anos, mas isso não é uma concessão. Esse modelo é inconstitucional e dá à iniciativa privada uma série de garantias de pagamento que o credor comum do Estado não tem", afirma. De acordo com o professor, a lei de PPP permite que o credor seja pago pelo Estado sem entrar na fila dos precatórios junto com quem, por exemplo, vence uma causa trabalhista. "Ele é um credor absolutamente privilegiado."15

Na Bahia, onde também foram feitas experiências com gestão privada no sistema penitenciário, o modelo difere daquele adotado por Minas Gerais e Pernambuco justamente por fixar contratos curtos, de até cinco anos.

A Bahia mantém cinco unidades prisionais em cogestão com a iniciativa privada.

A experiência teve início no último governo de Paulo Souto (DEM) e, segundo a assessoria de imprensa da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, não é considerado ideal pelo atual governo de Jaques Wagner (PT). De acordo com o superintendente de Assuntos Penais da Bahia, Isidoro Orge, os conjuntos penais de Juazeiro, Serrinha, Valença, Lauro de Freitas e Itabuna têm contratos de concessão de até cinco anos e já existiam antes de o modelo de cogestão ser adotado.16

O Paraná teve uma experiência de terceirização nos presídios estaduais semelhante à baiana. Seis unidades funcionaram neste regime entre 1999 e 2006, iniciado durante o governo de Jaime Lerner (DEM).

Segundo a Secretaria de Justiça, a experiência aconteceu nas casas de custódia de Curitiba e Londrina e nas penitenciárias estaduais de Piraquara, Guarapuava, Foz do Iguaçu e Cascavel.

Os contratos de concessão foram cumpridos integralmente até o vencimento de cada um, entre maio e agosto de 2006. Depois, as seis unidades voltaram ao controle do governo paranaense.

Mas, não há informação por parte da Secretaria de Justiça se houve algum interesse da administração do governador Roberto Requião (PMDB) em retomar o projeto.17

O grande entrave apontado por aqueles que se posicionam contra as parcerias público-privadas no sistema penitenciário é o caráter jurisdicional de que se reveste a execução no Brasil, constituindo-se, portanto, em atividade exclusiva do Estado e indelegável por meio de contrato administrativo nos moldes retro explanados.

Na doutrina há duas posições sobre a natureza jurídica da execução penal, conforme nos explica Julio Fabbrini Mirabete:

De um lado, juristas alemães, principalmente, sustentam a jurisdicionalidade da execução penal (...). De outro, os processualistas italianos e franceses, de modo geral, entendem que a execução penal é uma atividade prevalentemente administrativa, dotada, no entanto, de jurisdicionalidade episódica (como nos incidentes de execução nos quais o juiz é obrigado a intervir, não somente para fiscalizar, mas também para decidir os conflitos efetivos entre a pretensão do Estado e o direito do condenado).18

O Art. 2º da LEP adotou a primeira orientação: A jurisdição penal dos Juízes ou Tribunais da Justiça ordinária, em todo o Território Nacional, será exercida, no processo de execução, na conformidade desta Lei e do Código de Processo Penal. Portanto, a parceria público-privada somente seria possível em relação a atividades extrajudiciais da administração no curso da execução penal, quais sejam: o fornecimento de comida, roupas, hotelaria, limpeza, sistema de vigilância, etc. A função jurisdicional, de natureza indelegável, permaneceria nas mãos do Estado, por meio do juízo da execução, cabendo exclusivamente a ele determinar o período de encarceramento do preso, além de seus direitos e seus deveres.19 E, ainda assim, as atividades exercidas pela entidade privada devem ser fiscalizadas pelo Estado.

O art.34 da lei 7.210/84 prevê, ainda:

Art. 34. O trabalho poderá ser gerenciado por fundação, ou empresa pública, com autonomia administrativa, e terá por objetivo a formação profissional do condenado.

§ 1º Nessa hipótese, incumbirá à entidade gerenciadora promover e supervisionar a produção, com critérios e métodos empresariais, encarregar-se de sua comercialização, bem como suportar despesas, inclusive pagamento de remuneração adequada.

§ 2º Os governos federal, estadual e municipal poderão celebrar convênio com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho referentes a setores de apoio dos presídios.

O dispositivo acima, ao mesmo tempo em que indica como função de empresas ou fundações públicas o gerenciamento do trabalho nas prisões (o que estaria vedado para empresas privadas). Permite, por outro lado, a celebração de convênios com a iniciativa privada, para implantação de oficinas de trabalho (abrindo precedente para a parceria).

Outra crítica feita às parcerias público-privadas é: a desvirtualização da finalidade da pena, pois, mais do que ressocializar, a pena passaria somente a atender os interesses de grupos econômicos privados (que visam à obtenção de lucro), acarretando em uso inapropriado da execução para exploração de mão-de-obra prisional a menor custo, tal como já ocorre em alguns países:

Vários escândalos já vieram à tona, como o da Wackenhut Corrections Corporation - WCC, primeira empresa mundial de gerenciamento de prisões privadas, que foi acusada, em 2000, de maus-tratos contra presidiários de Jena, na Louisiana. Segundo o relatório da promotoria, nesta prisão privada, com capacidade para 276 condenados, os presos eram tratados "como animais de quatro patas, andando descalços, com roupa suja e devendo com freqüência lutar para comer". Mal pagos, os guardas nem sempre recebiam treinamento adequado.20

Por outro lado, para alguns, a terceirização de certas atividades pode garantir ao preso a possibilidade de melhor reinserção social através: da ocupação de seu tempo ocioso com educação e trabalho, o que além de qualificá-lo profissionalmente, também se reverteria numa fonte de renda para auxílio próprio e de sua família, e também do ressarcimento aos prejuízos ocasionados em razão de seu crime.21

4. Considerações Finais

Quase todos os países têm adotado o sistema de privatização ou de parcerias entre o poder público e empresas privadas, com o escopo de reduzir os gastos da administração pública com a execução penal e solucionar os problemas relacionados ao sistema carcerário.

A adoção da parceria público-privada incita debates acerca de sua viabilidade no sistema jurídico brasileiro, tendo em vista o caráter jurisdicional da execução, bem como de seus efeitos em relação ao condenado, sobretudo no tocante à sua dignidade e ressocialização.

Não podemos negar que a parceria público-privada se apresenta como uma alternativa bastante interessante, dentre um leque de medidas possíveis e necessárias que devem ser tomadas para modificar o quadro lastimável em que se encontra a execução penal no Brasil.

Por fim, vale lembrar, mais uma vez, que o objetivo da execução é propiciar um cumprimento de pena digno que, ao final, garanta a ressocialização do individuo, o que não tem sido verificado nos moldes do sistema atual, daí a necessidade de discussão acerca do tema em epígrafe.

5. Bibliografia

ASSIS, Rafael Damaceno de. Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das Penas. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

D'URSO, Luiz Flávio Borges. Privatização de Presídios. Revista Consulex. Ano III, n. 31, p. 44-46, Jul. 1999.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11ªedição. São Paulo: Atlas, 2007.

MELLO, Celso Antonio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: editora Malheiros, 2004.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: editora Malheiros, 2008.

NEVES, Aécio. PPP’s: caminho para retomar investimentos. Jornal Folha de São Paulo. Caderno Opinião, 27/10/05.

OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. A arbitragem e as parcerias público-privadas. Revista de Arbitragem e Mediação, n. 12, Ano 4, jan./mar., São Paulo: editora Revista dos Tribunais, 2005.

Estados investem em presídios com parceria privada; modelo desperta polêmica. UOL Notícias – Cotidiano, 13/7/09.

Presídios com parcerias público-privadas são ilegais, dizem críticos.

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1 Dados disponíveis em: (clique aqui). Acesso em: 08.07.09.

2 Falta transparência à administração penitenciária paulista, diz pesquisadora. In: Notícias UOL – cotidiano.

3 Por sistemas de monitoramento eletrônico entende-se o emprego de descobertas tecnológicas voltadas a programas de novos estilos de punição e vigilância do delinqüente. Assim, se permite que a função deletéria da prisão dê ensejo à explicitação de soluções integradoras, que permitem a reintegração do indivíduo à sociedade, bem como uma melhor individualização da pena. In: OLIVEIRA, Edmundo. Direito Penal do Futuro – A Prisão Virtual. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 8. A autora também pesquisa e profere palestras sobre o tema e em breve publicará artigo a respeito dos sistemas de monitoramento eletrônico.

4 ASSIS,Rafael Damaceno de.Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada.

5 Nos Estados Unidos, ela bate todos os recordes, com uma taxa de encarceramento de 686 para 100.000 habitantes em 2003. Na Grã-Bretanha, existem 135 detentos para 100.000 habitantes, assim como em Portugal; na Espanha, são 125 presidiários para 100.000; na Itália, 100 para 100.000; na Holanda, 93 para 100.000; na Bélgica, 85 para 100.000. Embora, na França, esta proporção esteja entre as mais baixas (99 para 100.000 habitantes em 2003), o número de presos aumentou em 32 % desde 1990. Em 1° de julho de 2003, ele totalizava 63.652, ou seja, 2.689 a mais que um ano antes, sem que tenha havido alteração no número de vagas (48.600). Nunca a taxa média de ocupação foi tão alta: 128,3 %. In: WACQUANT, Loïc. Privatização dos Presídios. Le Monde Diplomatique. Set./04.

6 Parceria privada é ideal para gestão de presídios. Jornal do Comércio / Geral/Página: 22.

7 Concessão de Serviços Públicos – é um contrato administrativo pelo qual o poder público delega à outrem a prestação de um serviço público para que este o execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, garantida a devida remuneração (tarifas ou, como no caso de concessões de rádio e televisão, o concessionário se remunera pela divulgação de mensagens publicitárias cobradas dos anunciantes) e sob normas e controle do Estado. Ex. Eletropaulo, Embratel, a via oeste, Autoban, nova Dutra – é atribuída a pessoas jurídica ou consórcios de empresas e pressupõe um contrato de longa duração com altos investimentos. – se o contratado não deu causa à rescisão fará jus à indenização (encampação/resgate – conveniência e oportunidade).

8 Estados investem em presídios com parceria privada; modelo desperta polêmica. UOL Notícias – Cotidiano, 13.07.09.

9 Ibidem.

10 Ibidem.

11 Ibidem.

12 Presídios com parcerias público-privadas são ilegais, dizem críticos.

13 Ibidem.

14 Ibidem.

15 Ibidem.

16 Ibidem.

17 Ibidem.

18 MIRABETE, Julio Fabbrini. Execução Penal. 11ªedição. São Paulo: Atlas, 2007.

19 ASSIS, Rafael Damaceno de. Privatização de prisões e adoção de um modelo de gestão privatizada.

20 Patrice de Beer, A justiça americana intenta processo contra o principal operador de prisões privadas, Le Monde, 3 de abril de 2000.

21 Ibidem.

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*Advogada. Professora de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Zumbi dos Palmares. Professora do curso de pós-graduação em Direito Eletrônico da FMU - Faculdades Metropolitanas Unidas


 

 

 

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