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As recentes ações governamentais no combate à pirataria

A pirataria pode ser resumida como a fabricação, oferecimento e comercialização de produtos e serviços com violação a direitos de Propriedade Intelectual, conceito este que abrange tanto os direitos de Propriedade Industrial quanto os Direitos Autorais.

3/1/2005


As recentes ações governamentais no combate à pirataria


Ana Gabriela Gouvêa D. M. Kurtz

Bruno Caldas Aranha*

A pirataria pode ser resumida como a fabricação, oferecimento e comercialização de produtos e serviços com violação a direitos de Propriedade Intelectual, conceito este que abrange tanto os direitos de Propriedade Industrial (marcas, patentes, desenho industrial, indicações geográficas e proteção contra a concorrência desleal) quanto os Direitos Autorais (obras intelectuais, sejam literárias, artísticas ou científicas, oriundas da criação do espírito e expressas em qualquer meio; os direitos conexos dos artistas intérpretes, executantes, dos produtores fonográficos e das empresas de radiodifusão; e software).1

O Governo Brasileiro tem sofrido fortes pressões internacionais para atuar contra a pirataria, que causa prejuízos bilionários para a indústria de todo o mundo, como tem sido amplamente divulgado na mídia, com reflexos na geração de empregos, no recolhimento de impostos e no desenvolvimento de novas tecnologias.

Por esse motivo, o Governo Federal criou, recentemente, o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, que será composto por integrantes do alto escalão do Governo e de entidades representativas da sociedade civil.

Esse conselho foi formado sob a justificativa da inoperância do antigo Comitê Interministerial de Combate à Pirataria, criado pelo governo anterior2 e criticado pelas entidades ligadas aos setores econômicos afetados pela pirataria3. Assim sendo, dentre as atribuições conferidas pelo Decreto no 5.244/2004 ao Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual, podemos destacar:

(i) studo e proposição de medidas e ações destinadas ao enfrentamento da pirataria e ao combate a delitos contra a Propriedade Intelectual no País;

(ii) evantamentos estatísticos com o objetivo de estabelecer mecanismos eficazes de prevenção e repressão da pirataria, bem como criação e manutenção de banco de dados integrado ao Sistema Único de Segurança Pública;

(iii) apoio às medidas necessárias ao combate à pirataria junto aos Estados da Federação;

(iv) proposição de mecanismos de combate à entrada de produtos piratas e do controle de produtos que, mesmo de importação regular, possam vir a se constituir em insumos para a prática de pirataria;

(v) auxílio ao planejamento de operações especiais e investigativas de prevenção e repressão à pirataria, bem como estímulo ao treinamento de agentes públicos envolvidos em operações e processamento de informações relativas à pirataria;

(vi) fomento ou coordenação de campanhas educativas sobre o combate à pirataria e delitos contra a Propriedade Intelectual; e

(vii) estabelecimento de mecanismos de diálogo e colaboração com os Poderes Legislativo e Judiciário, com o propósito de promover ações efetivas de combate à pirataria.

Não obstante à sua inegável importância, destacamos que o Decreto no 5.244/04 apresenta erro conceitual a respeito da pirataria, ao defini-la como violação às leis de Direitos Autorais, quais sejam, as Leis nºs 9.609/98 e 9.610/98. Ora, como mencionado acima, a pirataria não se resume às infrações aos direitos de autor, direitos conexos e software, mas abrange também os direitos de Propriedade Industrial, que compreendem marcas, patentes, desenho industrial e indicações geográficas. Dessa forma, causa-nos preocupação o fato de que o dispositivo legal que formou e regula o novo Conselho ignore os Direitos de Propriedade Industrial, como se a infração aos mesmos não se enquadrasse no conceito de pirataria. Entendemos que essa inclusão deveria ser feita o mais rapidamente possível, para que não prejudique a atuação do Conselho4.

É curioso observar que este aspecto terminológico acaba por refletir problema mais relevante: a disparidade entre a atual proteção legal conferida aos Direitos Autorais frente àquela despendida aos direitos de Propriedade Industrial.

De fato, fazendo-se uma comparação, podemos verificar que a legislação brasileira atual resguarda de forma mais eficiente os Direitos Autorais do que os direitos de Propriedade Industrial. Esta situação provoca um descompasso que não se justifica, tendo em vista a grande afinidade entre ambos.

Como exemplo dessa disparidade, destacamos, no âmbito penal, a promulgação da Lei 10.695/03, que reformulou o tratamento legal dado aos crimes contra os Direitos Autorais. Estas mudanças podem ser resumidas da seguinte forma: (i) aumento das penalidades aplicadas à prática desses crimes; e (ii) mecanismos mais eficientes para seu combate.

Nesse sentido, a pena mínima para o crime de violação ao direito de autor ou conexo, conceituado como a reprodução não autorizada, total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, foi aumentada para 2 (dois) anos de reclusão. Assim sendo, a violação ao Direito de Autor deixou de ser um crime de menor potencial ofensivo, como previsto pela Lei no 9.099/95, o que, em termos práticos, significa dizer que os infratores não são mais julgados pelos Juizados Especiais Criminais e tiveram uma série de benefícios legais suprimidos.

Entre estes benefícios previstos na Lei no 9.099/95, citamos a transação penal, instituto pelo qual pode haver a condenação do indivíduo ao pagamento de determinado número de cestas básicas ou à prestação de serviços comunitários, por exemplo. Este benefício só pode ser concedido aos réus primários e com bons antecedentes, que, mesmo com a aplicação do referido instituto, nem chegam a perder a sua primariedade e podem, inclusive, utilizar-se do mesmo benefício após 5 anos.

Outro fato importante é que a nova legislação autoral acompanhou o desenvolvimento tecnológico, ao tipificar como crime o oferecimento ao público, com intuito de lucro e sem autorização do titular, por meio de cabo, fibra ótica, satélites, ondas ou qualquer outro sistema que permita a seleção de obra ou produção para o seu recebimento em tempo e lugar previamente determinados pelo demandante.

Dentre outras medidas importantes, possibilita à autoridade policial apreender a totalidade dos bens ilicitamente produzidos, assim como todo o equipamento, material e suportes utilizados para a sua fabricação, para perícia posterior. E, caso a vítima requeira e o juiz autorize, permite a destruição de toda a produção apreendida nos casos em que não houver impugnação quanto à sua ilicitude ou quando não se puder determinar o autor da infração, ressalvando-se apenas a preservação do corpo de delito.

A eficiência deste novo regulamento pode ser verificada pela recente prisão em flagrante do responsável por site que oferecia, em troca de uma assinatura mensal, o acesso e download de mais de 6.000 (sei mil) fonogramas e 250 (duzentos e cinqüenta) álbuns completos de compositores e cantores famosos. Com o apoio de entidade que atua no combate à pirataria no mercado fonográfico, o Ministério Público e a Polícia Civil do Estado do Paraná detiveram o infrator e apreenderam em sua casa reproduções irregulares de Compact Discs (CD's) e equipamentos utilizados para sua fabricação. Após o pagamento de uma fiança no valor de 20 (vinte) salários mínimos, espera-se que o seu julgamento ocorra no início do próximo ano. O próximo passo desses agentes será buscar a punição da empresa que hospedava o referido site e também dos seus próprios assinantes.

Contudo, no que se refere à Propriedade Industrial, as reformas acima mencionadas ainda não foram efetuadas, e os crimes nessa esfera ainda são considerados de menor potencial ofensivo, sujeitos aos Juizados Especiais Criminais, uma vez que as penas variam entre 1 (um) a 3 (três) meses ou entre 3 (três) meses e 1 (um) ano, o que serve, indiretamente, como um estímulo para os ‘piratas’.

Além disso, a busca e apreensão dos bens produzidos em infração a marcas e patentes, juntamente com os equipamentos e materiais utilizados para sua fabricação, depende de perícia prévia, a ser autorizada pelo juiz. Na prática, verificou-se que a apreensão policial que vem sendo utilizada nos crimes contra os Direitos Autorais é mais eficiente e deveria ser aplicada também nos casos que envolvam infrações a direitos de Propriedade Industrial. A legislação de Direitos Autorais facilita, ainda, a destruição do material contrafeito.

Consideramos, neste sentido, que uma importante medida a ser implementada para ampliar a proteção aos direitos de Propriedade Industrial em âmbito federal, seria a aprovação do Projeto de Lei no 11/01. Este projeto, ao seguir a mesma linha adotada pela Lei 10.695/03, estenderia aos direitos de Propriedade Industrial as medidas implementadas por este último diploma aos Direitos Autorais, como aumento das penas e medidas de combate mais eficientes.

Já sob o aspecto cível, a legislação concernente aos Direitos Autorais também pode ser considerada como um modelo a ser seguido para a proteção aos direitos de Propriedade Industrial. O artigo 103 da Lei 9.610/98, ao estabelecer os critérios para a indenização ao titular dos Direitos Autorais violados por edição ilegal, impõe o pagamento pelo infrator do valor de 3.000 (três mil) exemplares, caso não seja possível verificar a quantidade das obras contrafeitas.

Esta disposição legal é considerada pelas entidades de combate à violação dos Direitos Autorais como um dos principais fatores responsáveis pela queda da pirataria de software no Brasil, por exemplo. Na contramão do crescimento ocorrido em outros setores, houve uma diminuição do percentual de softwares pirateados no país de 77% (senta e sete por cento) em 1994 para 55% (cinqüenta e cinco por cento) em 2002. Apesar de ainda elevado, o percentual atual é muito menor se comparado com outros países da América Latina e da Ásia.

Assim sendo, seria interessante que existisse regra similar para a fixação de indenizações no caso de violação aos direitos de Propriedade Industrial em que não se tenha como apurar com exatidão a quantidade de produtos ilegais.

Neste sentido, consideramos da maior relevância a aprovação do Projeto de Lei no 7.066/02, que propõe modificações nos artigos da Lei da Propriedade Industrial (9.279/96) que dispõem sobre a indenização cível. De acordo com o projeto, caso não se conheça a exata extensão das perdas e danos originados pela violação de direitos da Propriedade Industrial, pagará o autor da violação o valor correspondente a 3.000 (três mil) unidades de cada bem produzido ou serviço prestado com utilização do direito violado, além das unidades apreendidas.

Conclusão

A criação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual aparece como mais uma medida governamental no sentido de coibir a prática ilegal e nociva da pirataria. Entretanto, logo na definição do conceito de pirataria, reflete o tratamento diferenciado conferido aos Direitos Autorais frente aos direitos de Propriedade Industrial. Assim, no âmbito legal, entendemos ser recomendável efetuar-se a harmonização da proteção conferida a ambos os direitos de Propriedade Intelectual, os Direitos Autorais e os direitos de Propriedade Industrial, através da aprovação dos Projetos de Lei nos 11/02 e 7.066/02.

Em todo caso, independentemente da aprovação dos Projetos de Lei acima mencionados, entendemos que o ordenamento jurídico nacional contém os dispositivos legais necessários para um combate efetivo à pirataria, incluindo a possibilidade de apreensão pelas autoridades alfandegárias, de ofício ou a requerimento do interessado, dos produtos contrafeitos, cuja grande maioria é fabricada no exterior.

É uma questão, principalmente, de vontade política, para que haja a convergência de esforços entre as polícias, as autoridades alfandegárias, a Justiça e o próprio Congresso.
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1 Enquanto os direitos de Propriedade Industrial, no Brasil, estão protegidos pela Lei Federal 9.279 de 1996, os Direitos Autorais os são pelas Leis nos 9.609 e 9.610, ambas de 1998.

2 Decreto de 13 de março de 2001 (sem número).

3 Especulou-se que a criação do novo conselho veio em resposta à pressão gerada pela segunda inclusão consecutiva do Brasil por parte do USTR – United States Trade Representative (Escritório de Comércio da Casa Branca) na Priority Watch List (lista de observação prioritária). Esta indicação poderia ocasionar como punição a revisão pelos EUA do Sistema Geral de Preferências, criado pela UNCTAD - Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento em 1968, pelo qual os países desenvolvidos concedem reduções parciais ou totais de tarifas de importação a países em desenvolvimento ou sub-desenvolvidos, sobre determinadas mercadorias. Segundo estatísticas oficiais, os produtos brasileiros beneficiados pelo Sistema Geral de Preferências e exportados aos EUA geraram US$ 2 bilhões em divisas.

4 É verdade que o conceito de pirataria do atual decreto é mais abrangente do que o daquele que instituiu o extinto Comitê Interministerial de Combate à Pirataria. O decreto revogado apresentava como pirataria apenas a violação ao direito autoral de que trata a Lei no 9.610 de 1998, excluindo a violação dos direitos relacionados ao software.

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* Advogados do escritório Pinheiro Neto Advogados

* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

© 2005. Direitos Autorais reservados a PINHEIRO NETO ADVOGADOS









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