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Direito de mendigar

A partir do dia 16 de julho, data em que começou a viger a lei 11.983/09, a mendicância deixou de ser contravenção penal. A Lei das Contravenções Penais, editada em 1941, no governo de Getúlio Vargas, um ano após o Código Penal, traz uma série de condutas protetivas à pessoa, patrimônio, incolumidade pública, paz pública, fé pública, organização do trabalho, polícia de costumes e administração pública.

4/8/2009


Direito de mendigar

Eudes Quintino de Oliveira Júnior*

A partir do dia 16 de julho, data em que começou a viger a lei 11.983/09 (clique aqui), a mendicância deixou de ser contravenção penal. A Lei das Contravenções Penais (clique aqui), editada em 1941, no governo de Getúlio Vargas, um ano após o CP (clique aqui), traz uma série de condutas protetivas à pessoa, patrimônio, incolumidade pública, paz pública, fé pública, organização do trabalho, polícia de costumes e administração pública. A conduta criminosa, alojada e descrita no CP, ofende bens e interesses de maior relevância. A contravenção penal, por sua vez, cuida de condutas que, embora ainda não sejam consideradas ofensivas, carregam a potencialidade lesiva e podem provocar o recrudescimento do estado considerado perigoso. Seria uma forma de coibir fatos que antecedem e gravitam em torno de outros mais graves, abortando-os.

É interessante notar que a contravenção revogada consumava-se de duas formas: por ociosidade ou cupidez. O legislador penal, desde a época de Getúlio Vargas, sempre se preocupou em conceituar a ociosidade. Tanto é verdade que o documento mais importante que o cidadão deveria trazer consigo era a carteira de trabalho. Nela, além de sua identificação, vinha expresso o vínculo trabalhista, demonstrando a ocupação lícita da pessoa. Ocioso seria, portanto, aquele que, reunindo todas as condições para o trabalho, queda-se inerte, de forma habitual, sem prover sua própria subsistência, mediante uma ocupação que seja considerada lícita. Pode trabalhar, mas não quer. Assim, a indigência e o estado de pobreza não são fatores que obrigatoriamente conduzem à mendicidade. Essa se revela quando a pessoa apela e implora pela caridade pública. A cupidez, segundo Plácido e Silva, nada mais é "do que a cobiça de se obter maiores ganhos, utilizando-se desse meio de pedir ou suplicar auxílios."

O pedinte é figura presencial em nossa sociedade. Muitas vezes vem acompanhado de filhos menores, outras expondo doenças, aleijões ou qualquer outro recurso para enternecer as pessoas e obter a tão desejada esmola que, na realidade, geralmente, é um valor em dinheiro. Há aqueles que optam pela mendicidade temporária como o último recurso de se obter algum ganho para satisfazer suas necessidades, mas há também os aproveitadores, aqueles que fazem da mendicância uma habitualidade, um modo de ganhar a vida, sem ter necessidade de trabalhar, com saúde e condições para tanto. É bem possível que num cruzamento de grande fluxo de veículos, o mendicante consiga obter dos motoristas uma arrecadação bem superior à daquele contratado por um comerciante para distribuir panfletos de propaganda. Um trabalha, o outro arrecada.

O povo brasileiro sabe que a revogação da contravenção penal da mendicância não é fator indicativo de consistentes políticas públicas. O país necessita urgentemente de remar em favor da ordem institucional, propiciar a prosperidade e inclinar-se de acordo com os ventos do clamor popular. Os critérios de inclusão do cidadão no bolsa família ou outras bolsas mais, correspondem igualmente à exclusão dos benefícios sociais alcançados por aqueles que efetivamente ocupam um espaço de trabalho. Trata-se de uma fogueira que poderá perder o controle e espalhar o incêndio por todos os lados. O problema da mendicância não é legal e sim social. Daí, a operação de desmonte de tipos contravencionais em desuso que, somente agora, após 69 anos de vigência, serão abolidos do sistema. Durante esse tempo, o homem, com sobras, já foi e voltou à lua.

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*Advogado, Promotor de Justiça aposentado e Reitor da Unorp





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