Migalhas de Peso

Homenagem - Clineu de Mello Almada

Não experimentei dor maior em minha vida do que a que sinto desde o final da tarde daquele domingo, dia 7 de junho passado, quando o senhor, repentinamente, nos deixou.

3/8/2009


Homenagem - Clineu de Mello Almada

Renato de Mello Almada*

Querido pai,

Não experimentei dor maior em minha vida do que a que sinto desde o final da tarde daquele domingo, dia 7 de junho passado, quando o senhor, repentinamente, nos deixou.

Pela primeira vez, nesses meus trinta e oito anos de vida, passaremos a comemoração do “dia dos pais” sem trocarmos presentes e o mais importante, sem nos darmos aquele apertado abraço e carinhoso beijo. Digo-lhe, de antemão, que não será nada fácil esse dia.

Aliás, todos os dias, por mais que nossa fé nos acalente, tem sido de uma experiência nova, um misto de muita saudade e orgulho por ter com o senhor convivido. Suas lições foram muitas!

Tenho que lhe confessar que em meio a toda essa saudade, onde as lágrimas se fazem presentes na maior parte do dia, eu, mamãe e meus irmãos, todos, indubitavelmente, sentimos cada vez mais forte a sua presença. Só é triste não poder abraça-lo, trocar carícias e bater aquele gostoso papo diário. Mas Deus assim quis e, como cristãos, temos que aceitar seus desígnios.

Por falar em lições, querido pai, o senhor realmente foi um mestre. É impressionante, embora sem nenhuma novidade, o quanto sua pessoa deixou marcas de ensinamentos assimilados por muitos, sejam por pessoas próximas; sejam por pessoas que conviveram com o senhor em algum momento de sua vida neste mundo.

Já durante o seu velório, quando centenas de pessoas se reuniram nas dependências da Igreja Presbiteriana de Itapetininga, muitos vieram até nós para confidenciar os seus feitos. Inclusive, lá estiveram presentes alguns de seus companheiros de “Tiro de Guerra”. Estes, emocionados, lembravam que era costumeira a sua benevolência para com os amigos. Todas as vezes que haviam instruções mais pesadas, para saciar a fome, era costume de vocês trazerem sanduíches, na maioria das vezes de “mortadela”. E o senhor, nessas ocasiões, sempre dividia o seu com os colegas que não tinham condições financeiras de trazer o alimento de suas casas.

Essas confissões nos enchem de orgulho, pois são prova viva de que os ensinamentos que sempre procurou nos passar eram, realmente, praticados pelo senhor.

Muito provavelmente por isso, desde aquele domingo em que o senhor passou a caminhar do outro lado da vida, muitas foram as manifestações oriundas de vários funcionários que com o senhor trabalharam, bem assim de pessoas ligadas às diversas associações de fundo social com as quais o senhor contribuía, ou mesmo de pessoas até então por nós desconhecidas, todas, como se uma só voz existisse, ressaltando a sua bondade; a sua honestidade; a sua ética; a sua preocupação em ajudar o próximo; e, a sua fé.

E hoje, revendo todos aqueles seus pertences pessoais, as infindáveis placas de homenagens recebidas ao longo de sua vida, os jornais de diversas cidades por onde passou e, por último, a carta que o senhor nos deixou contendo todas as instruções para quando o dia de sua ausência física chegasse, pude dimensionar, com exatidão, a sua imensa grandeza.

Pai, vamos rememorar alguns pontos de sua gloriosa trajetória nesta vida. Nascido em uma família de cristãos, desde cedo assimilou a lição de vida de seus pais, meus saudosos avôs, sempre praticando a fé.

Tornou-se bacharel em Direito pela Universidade Federal do Paraná, tendo, naquela ocasião, conquistado não só os prêmios referentes ao curso de Direito, como também o de melhor formando de todos os cursos daquela prestigiada Universidade.

Retornando a nossa Itapetininga, despontou como jovem e talentoso advogado. Foi Procurador Jurídico do Departamento de Estradas de Rodagem, sendo responsável pelos processos de várias desapropriações necessárias para a construção e continuidade de diversas rodovias da região. Ainda muito jovem foi nomeado Secretário Jurídico da Prefeitura de Itapetininga.

O senso de justiça sempre correu em suas veias. Em razão disso, nada obstante o sucesso alcançado na advocacia, decidiu ir a busca de outro objetivo, a magistratura. Depois de sacrificados estudos, superando dificuldades, contando sempre com a compreensão e apoio da mamãe, atingiu o senhor mais um êxito em sua vida, sendo aprovado no concurso de ingresso à carreira da magistratura paulista.

Como bem gostava de contar, nessa ocasião, com o ingresso na magistratura, teve o senhor uma significativa perda em seus rendimentos mensais, pois a advocacia lhe proporcionava um ganho bem superior ao salário de um juiz. Mas a sua vocação era essa!

Foi juiz como poucos! Passou por diversas comarcas, notadamente, Piracicaba, Salto, Orlândia, Santos e finalmente São Paulo. Em todas elas, conforme hoje rememoramos ao ler os jornais da época, teve o senhor destacada passagem, não só por seus altos conhecimentos jurídicos, mas acima de tudo pelo trabalho social realizado com a comunidade, procurando sempre trazer o jovem para perto de suas respectivas famílias, fazendo-os participar de atividades diversas, para que afastassem da criminalidade ou recuperassem das delinqüências.

Já naquela época, como registra alguns jornais das décadas de 70 e 80, com bravura, o senhor defendia questões que ainda hoje são discutidas, como as relativas à maioridade penal e a necessidade de um plano governamental eficiente no que diz respeito ao cuidados com os jovens infratores e, principalmente, de prevenção em relação aos jovens, para que novos delinqüentes não surgissem. Sempre pregou a necessidade de essa obra ser construída tendo como alicerces o Estado, a sociedade no seu todo e a família em particular.

Inúmeras foram suas visitas e palestras em escolas públicas ou particulares; em centros comunitários; em associações beneficentes; igrejas etc. Com a companhia da mamãe, sempre com a intenção da integração da sociedade, desenvolveu vários projetos sociais, como a formação de coral com a juventude da cidade onde trabalhava e outros tantos.

Não tenho dúvidas de que esse trabalho foi o responsável pelas diversas condecorações e homenagens que recebeu em cada uma das comarcas onde judicou. E a lição foi tão boa, que no seu falecimento, muitos dos cidadãos daquela época se mostraram presentes, relembrando justamente o trabalho do homem Clineu de Mello Almada que, em parte, se confundia com o do juiz Clineu de Mello Almada.

E é justamente essa inversão de posição que mais nos enche de orgulho, querido pai. Passados alguns bons anos de sua aposentadoria como magistrado, em que pese à insistência de o Presidente do Tribunal de Justiça daquela época em remove-lo da idéia, o senhor continuou a ser respeitado e admirado por tantos quantos conviveram com o senhor. Em outras palavras, o homem Clineu de Mello Almada superou o juiz Clineu, pois o espírito que deve sempre guiar a justiça, no caso, sempre foi próprio do homem Clineu.

Após a magistratura e antes de retornar à advocacia, foi ainda o senhor Secretário Jurídico do Município do Guarujá.

Em um momento em que, uma vez mais, o nosso país se vê em meio ao total desprestígio de princípios morais e éticos, onde a honestidade e a verdadeira preocupação com o social são relegadas pela maioria de nossos políticos a último plano, impossível se torna deixar de fazer certas comparações.

Não sei se o seu nome será emprestado a ruas, praças, avenidas, prédios públicos ou coisas tais, pois isso não depende da vontade de todas essas pessoas que acima comento, mas certo é que ele, independentemente disso, será sempre lembrado por aqueles que com o senhor conviveram e que foram testemunha de seu trabalho e dedicação.

Por isso, amado pai, sou obrigado a discordar do senhor em um ponto. O senhor nunca foi pobre e jamais nos decepcionou. Digo-lhe isso, pois naquela carta que o senhor nos deixou, dando conta de como deveríamos agir no caso de seu falecimento – como sempre querendo nos poupar trabalho - , após fazer menção à localização das escrituras “dos poucos imóveis que possuo”, finalizou com os seguintes dizeres: “Desculpem a decepção que lhes causei. Nasci pobre! Vivi pobre! Morri pobre! As duas últimas situações devido à minha HONESTIDADE”.

Ao contrário, querido pai, em vida, o senhor construiu um inabalável império, que por nós será mantido. O império do amor, da fé, do trabalho, da honestidade, da moral, da ética, o de ser justo e o de fazer justiça na forma mais abrangente da palavra.

E a riqueza maior que o senhor nos deu foi o privilégio de sermos seus filhos e com o senhor convivido, ontem, hoje e sempre!

Posso afirmar, sem medo de errar, que no alto de sua simplicidade e generosidade, o senhor se tornou um exemplo a ser seguido pelos homens que cultivam o bem, sem apegos a cargos ou coisas mais...

Com muito amor e saudades,

Seu filho Renato.

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*Sócio do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados









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