A problemática que envolve o critério da novidade e as pipelines explica-se pela relação de dependência que a revalidação de patente estrangeira no ordenamento jurídico pátrio tem com a situação jurídica originária da concessão patentária. Questão essa que ainda não foi aprofundada nas discussões travadas em sede de ação direta de inconstitucionalidade (autos de ADIn 4234 - clique aqui).
Conforme salientou a AGU na defesa do ato impugnado na ADIn, a patente pipeline tem caráter de revalidação e não de concessão de patente originária, porque vinculado ao primeiro depósito do invento no país de origem. Logo, aplica-se à patente pipeline regime jurídico diferenciado daquele a que se sujeitam os inventos nacionais que optarem pelo regime geral de patentes, notadamente com as seguintes especificidades:
i) no pipeline, não há exame técnico, no Brasil, relativo aos requisitos de patenteabilidade, aceitando-se, para tanto, o exame feito no país estrangeiro;
ii) o prazo de vigência da patente pipeline não é igual ao da patente convencional, uma vez que se toma por base aquele remanescente de proteção da patente estrangeira, desde que não ultrapasse 20 anos a partir da data do depósito (prazo previsto no art. 40, da lei 9.279/96), não havendo aplicação, todavia, do prazo mínimo de proteção de 10 anos contados a partir da concessão da patente;
iii) a patente pipeline não possui iter instrutório semelhante ao contemplado nos arts. 31 e 32 da lei 9.279/96.
Vale dizer, no regime da patente pipeline há inúmeras circunstâncias e conseqüências jurídicas que denotam inequivocamente a existência de dependência do pipeline em relação à patente estrangeira. Logo, não se pode pretender exigir para a revalidação os mesmos requisitos materiais da concessão originária.
Ademais, se a tecnologia de nacional ou de residente no país deve atender ao requisito da novidade para merecer registro patentário, também o invento estrangeiro encontra vinculação substancial – legal – para receber a proteção transitória pipeline: o primeiro depósito no exterior, com todos seus requisitos próprios. Tão evidente é essa relação de dependência que a pipeline concedida no Brasil deve ser desconstituída na hipótese de a patente que lhe deu origem ter sido declarada nula. A patente pipeline, se independente daquela que lhe deu origem, seria convertida de mecanismo excepcional em ordinário; de constitucional em inconstitucional.
Nesse sentido, é oportuno lembrar que a lei 9.279/96 teve o condão de corrigir um estado de inconstitucionalidade, visto que, quando vigente o Código de Propriedade Industrial, de 1971 (clique aqui), a vedação à patenteabilidade de medicamentos sacrificava totalmente o direito fundamental à proteção inventiva, consagrado no art. 5º, XXIX CF/88 (clique aqui). Desse modo, a lei nova prestou-se a corrigir tal vício e a regra transitória da patente pipeline compensou, de certo modo, os inventores que, sob a égide da legislação anterior, encontravam óbices, ainda que contrários à CF/88, para proteger seus inventos.
Como se vê, ao contrário do que se defende na ADIn, o domínio público das tecnologias antes da nova Lei de Propriedade Industrial (clique aqui) não guardava amparo constitucional. Em outras palavras, sendo incompatível o antigo Código de 1971 com a CF/88, ao não atribuir proteção jurídica à propriedade inventiva, não há como se cogitar que as invenções teriam caído em domínio público.
De outra parte, no que diz respeito à tese da proibição do retrocesso social sustentada na inicial da ação direta, tem-se como certo que situações de transitoriedade são capazes de legitimar a restrição a direitos fundamentais. A restrição a direitos fundamentais será legítima quando não lhes aniquilar o núcleo essencial e, paralelamente, quando atender aos três sub-princípios da máxima da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Aliás, a regra da transitoriedade torna possível a conciliação da proibição do retrocesso com a segurança jurídica: previsto o prazo de duração da nova regra e sendo ela compatível com o ordenamento jurídico e necessária ao atendimento de uma situação excepcional, transitória, nada terá de ilegítima. No caso da patente pipeline, um dos fundamentos dessa excepcionalidade é, justamente, a proteção de direito fundamental do inventor, bem como da promoção das pesquisas científica e técnica.
Essas e outras considerações sobre o tema foram tecidas em nosso estudo anterior: A repercussão, no regime da patente pipeline, da declaração de nulidade do privilégio originário - clique aqui (publicado na Revista da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual – ABPI 66, set/out. 2003, p. 12-37).
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*Clèmerson Merlin Clève é professor das Faculdades de Direito da UniBrasil e da UFPr. Advogado do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.
*Melina Breckenfeld Reck é professora da Faculdade UniBrasil. Advogada do escritório Clèmerson Merlin Clève - Advogados Associados.