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A banalização do dano moral na justiça do trabalho e a necessidade de aplicação "ex officio" da litigância de má-fé

A justiça do trabalho atualmente está abarrotada de ações onde há o pedido de dano moral, porém, a utilização desse instituto está sendo feita de forma equivocada e banalizada, com a única finalidade de auferir renda ilicitamente.

22/7/2009


A banalização do dano moral na justiça do trabalho e a necessidade de aplicação "ex officio" da litigância de má-fé

Marcelo Scomparim*

Introdução

A justiça do trabalho atualmente está abarrotada de ações onde há o pedido de dano moral, porém, a utilização desse instituto está sendo feita de forma equivocada e banalizada, com a única finalidade de auferir renda ilicitamente.

O presente trabalho exporá uma questão que começa a virar necessidade, qual seja a aplicação da litigância de má-fé "ex officio" pelos magistrados quando da compreensão que o pleito de dano moral não passa de mera aventura jurídica.

Será traçado um paralelo entre o meio ambiente do trabalho e os danos morais provenientes do mesmo, contudo, por interpretações equivocadas do que gera o dano moral e, do que é moral, tendo em vista o modismo do pleito e o despreparo dos operadores do direito, bem como aventuras postuladas como forma de auferir renda indevida, sendo necessária a aplicação da multa por litigância de má-fé de ofício, muito embora surjam questões como a restrição do direito de petição e do acesso a justiça que será abordado no decorrer do trabalho.

Aplicação "ex officio" da litigância de má-fé nos pedidos de dano moral:

Como abordado na introdução, atualmente na justiça laboral o pedido de dano moral vem sendo utilizado de maneira exacerbada, desvinculando-se do sentido educacional e punitivo em face do empregador e ressarcitório em face do empregado, pois qualquer interpretação pelo empregado de maneira equivocada do poder diretivo, disciplinar e potestativo do empregador enseja o pedido de dano moral.

O dano moral é a consequência de uma causa constrangedora. O ato constrangedor pode ocorrer por palavras, atos, gestos, posicionamento, dentre outros meios, sendo que todo este modo operacional deve ser direcionado a alguém e deve gerar consequências, porém, o fundamento do hipossuficiente utilizado na justiça do trabalho como forma de garantir o direito a justiça gratuita tem acarretado abusos acerca de pleitos de cunho estritamente pecuniário, como no caso do dano moral, visto que uma improcedência da ação não traria danos ao bolso do suposto lesado, pois o mesmo está amparado pela lei 1.060/50 (clique aqui).

Na justiça laboral, como na vida, a moral está ligada diretamente aos direitos da personalidade, sendo que ambos obtiveram reconhecimento expresso na CF/88 (clique aqui), que os tratou em conjunto, principalmente no inciso X do artigo 5º, que assim dispõe: "X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;"

Vários são os tipos explícitos na Carta Magna acerca dos direitos da personalidade ligados ao dano moral na justiça do trabalho, podendo ser encontrados nos seguintes artigos: art. 5º, caput (direito à vida; direito à liberdade); 5º, V (direito à honra e direito à imagem, lesados por informação, que possibilita o direito à resposta ou direito de retificação, como diz a doutrina italiana, acumulável à indenização pecuniária por dano moral); art. 5º, IX (direito moral de autor, decorrente da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica); art. 5º, X (direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem); art. 5º, XII (direito ao sigilo de correspondências e comunicações); art. 225, § 1º, V (direito à vida, em virtude de produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias).

Na justiça laboral o fundamento do dano moral mais corriqueiro está disposto no artigo 5º, inciso X da Carta Magna, contudo, deve-se verificar o que realmente é a moral e, das análises feitas, referido instituto está ligado à esfera íntima do indivíduo, contudo, o que é moral para alguns não ser imoral para outros, ou seja, há uma grande problemática no que se refere aos julgamentos de moral e, por conseguinte a prestação jurisdicional, pois a moral é algo relativo já que não há um código sobre o assunto.

Acredita-se que a moral tem um caráter prático imediato, visto que faz parte integrante da vida corriqueira da sociedade e dos indivíduos que dela fazem parte, não só pelas regras e normas que regem a nossa existência, dizendo-nos o que devemos ou não fazer, mas diz respeito a um sentimento interno, ao contrário da ética que tem como objetivo fundamental levar a modificações na moral, com aplicação universal, guiando, orientando, racionalmente e do melhor modo a vida humana.

Entretanto, para as dificuldades que possam advir do julgamento acerca da existência ou não do abalo moral cabe ao juiz empregar a ética, que nada mais é que o conjunto de leis provenientes de situações morais que traçaram determinada época e, conforme exemplo o artigo 5º, inciso X da Carta Magna que trouxe questões que podem atingir a moral do indivíduo, mas tal norma é aberta, pois não foi incisiva quanto às atitudes que ensejam o dano.

Entretanto, em algumas oportunidades o dano moral alegado sequer está ligado à intimidade da pessoa, ou melhor, sequer gerou abalo no íntimo do individuo, não ferindo o direito a personalidade. Nesses casos a única sanção aplicada aos litigantes é a decretação de improcedência do pleito, porém, esta fato não obstaculiza o uso indevido do instituto.

Isto porque para ocorrer o dano como bem esclarece Hans Albrecht Fischer1, já no início do século: "Não se pode restringir, com efeito, a noção de dano ao só prejuízo material. Na acepção corrente, testifica-o o Evangelho de São Mateus, que se refere ao dano da alma. Na linguagem das leis, mostra-o o Código prussiano, que define dano como "a lesão ou ofensa que o homem sofre no seu corpo, liberdade, honra ou patrimônio."

Em que pese o fato dos defensores constitucionais do acesso a justiça (CF/88, art. 5º, inciso XXXV), do direito de petição (CF/88, art. 5º XXXIV), estes não podem ser utilizados para impedir as aplicações de sanções, pois a má-fé oriunda de pleitos equivocados é causa do descumprimento do princípio da razoabilidade na duração do processo (artigo 5º LXXVII da CF/88), pois os indivíduos que realmente necessitam de uma prestação jurisdicional tem o desfecho das suas ações prolongadas no tempo.

Para situações acima descritas e, para não tornar a letra da lei morta, já que a lei 9.668, de 23/6/98 (clique aqui), estabeleceu nova redação para o art. 18 do CPC (clique aqui), dispondo que: "Art. 18. O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu mais os honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou.", é necessária uma sanção pecuniária acerca da litigância de má-fé quando não há qualquer dano moral alegado, sendo esta feita pelo próprio magistrado.

É claro que no julgado acerca da aplicação ou não da multa de litigância de má-fé, haverá por parte dos magistrados um julgamento eminentemente subjetivista, porém, o mesmo deve sempre fundamentar sua decisão, conforme mandamentos constitucionais contidos nos arts. 5º, incisos LIV, LV e XXXV; 37, caput, e 93, inc. IX, da Carta Magna de 1988, bem como das regras dos arts. 458, inc. II, e 165 do CPC.

Como é sabido, em qualquer decisão do Poder Judiciário há necessidade de fundamentação, sob pena de prejuízo à defesa dos sujeitos de direitos, que não terá meios de saber a causa que motivou a sua condenação e a consequente imposição de sanção pelo Estado-juiz, até para utilização do princípio "duo process of law", da inafastabilidade da jurisdição, da ampla defesa, da publicidade dos atos administrativos, do direito de petição, acesso a justiça e da motivação.

Sobre o tema o brilhante doutrinador Nelson Nery Junior2 assim concluiu:

A motivação da sentença pode ser analisada por vários aspectos que vão desde a necessidade de comunicação judicial, exercício de lógica e atividade intelectual do juiz, até sua submissão, como ato processual, ao estado de direito e às garantias constitucionais estampadas no art. 5º, CF/88, trazendo consequentemente à exigência de imparcialidade do juiz, a publicidade das decisões judiciais, a legalidade da mesma decisão, passando pelo princípio constitucional da independência jurídica do magistrado, que pode decidir de acordo com sua livre convicção, desde que motive as razões de seu convencimento (princípio do livre convencimento motivado).

Desta forma, o juiz não está atrelado ao conjunto de provas para julgar, mas há uma convicção motivada, sendo que a aplicação da pena de multa, advinda da litigância de má-fé, sempre esteve, está e estará conectada a um subjetivismo pelo magistrado da peculiar situação que se lhe coloca em exame e reverterá para o empregado o intuito do dano moral em face do empregador, qual seja aplicar sanção como forma educativa e punitiva quanto às aventuras jurídicas

Entretanto, em que pese à motivação da aplicação estar pautado no subjetivismo do magistrado, o mesmo tem que se ater há alguns elementos objetivos com relação à aplicabilidade do instituto em estudo, pois para configuração da litigância de má-fé há necessidade, entre outras condutas, de alterar a verdade dos fatos, proceder de modo temerário e provocar incidentes manifestamente infundados, sendo que alguns requisitos objetivos devem ser conjugados na análise do subjetivismo do juiz

O primeiro é o enquadramento da conduta do litigante numa das situações tipificadas nos incisos do art. 17 do CPC, sendo que o rol disposto no artigo em comento é taxativo, conforme novamente elucida o jurista Nelson Nery Júnior3: "4. Rol taxativo. As hipóteses de caracterização objetiva de litigância de má-fé estão arroladas em numerus clausus, taxativamente, na norma ora comentada, não comportando ampliação (...)".

Na sequência, o segundo requisito objetivo é o prejuízo à parte adversa em virtude da ação do litigante, sem o qual não há como apurar o quantum indenizável a que se refere o art. 18 do CPC. Sobre o tema se posicionou o STJ: "A conduta temerária em incidente ou ato processual, a par do elemento subjetivo, verificado no dolo ou culpa grave, pressupõe elemento objetivo, consubstanciado no prejuízo causado à parte adversa" (STJ - 1ª Turma - REsp 21.549-7-SP - clique aqui - Rel. Min. Humberto Gomes de Barros - DJ 8/11/93, p. 23.520).

O prejuízo relatado no segundo requisito é o previsto no artigo 16 do CPC que se refere às perdas e danos, tendo o juiz a partir desse momento a faculdade discricionária de fixar, desde logo, o valor da multa, que, no entanto, não poderá exceder a 1% sobre o valor da causa, conforme a nova redação do art. 18 do CPC, salvo nos casos em que a parte demonstrar prejuízos indenizáveis maiores, em ação de liquidação por arbitramento.

Como a própria interpretação do artigo 18 do CPC e seus parágrafos, poderá o juiz fixar o valor de 1% referente a multa por litigância, além da possibilidade de aplicação da indenização, sendo que esta ficou estipulada até o limite de 20% do valor da causa, porém, pode haver prejuízo maior do que 20%, pelos atos do litigante malicioso, conforme novamente ensina o doutrinador Nelson Nery Junior4: "(...) Havendo prejuízo, qualquer que seja o seu montante, deve ser indenizado integralmente pelo causador do dano. Entender-se o contrário é permitir que, pelo comportamento malicioso da parte, haja lesão a direito de outrem não inteiramente reparável, o que se nos afigura motivo de empobrecimento indevido da parte inocente, escopo que, por certo, não é perseguido pelo direito processual civil".

Pelo demonstrado, o mecanismo apto a reduzir ações infundadas deve ser a aplicação de todas as penalidades oriundas da má-fé, sendo estas proferidas de ofício pelos magistrados quando concluírem que tal pleito não passa de uma aventura jurídica.

Conclusão:

Pelo analisado de forma sistemática acerca do direito de petição, acesso a justiça, razoabilidade nas prestações jurisdicionais, concluí-se que o instituto do dano moral é algo necessário, pois a respeitabilidade na prestação dos serviços e um meio ambiente de trabalho equilibrado são necessários para dignidade da pessoa humana.

Contudo, vislumbra-se que muitos pleitos acerca da ocorrência do dano moral nada mais são de que modismo e aventuras jurídicas com o fito de auferir renda "fácil", já que qualquer ação mais ríspida do empregador dentro do poder diretivo e potestativo podem gerar dano moral inexistente.

Assim, uma vez verificado pelo juiz que não restou provado o dano, além do intuito dissimulador do interessado, caberá ao julgador "ex officio" aplicar a sanção por litigância de má-fé, com o intuito educacional para com o suposto lesado e reparatório para o suposto causador do dano, cujo objetivo é realmente resgatar a essência do instituto e desafogar o judiciário de aventuras jurídicas que inviabilizam uma prestação jurisdicional célere conforme artigo 5º, inciso LXXVII da Carta Magna.

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Bibliografia:

BELTRÃO, Antonio F.G.Manual de direito ambiental.São Paulo:Método,2008.

JUNIOR, Nelson Nery. Princípios de Processo Civil na Constituição Federal, RT, 4ª edição, 2004.

JUNIOR, Nelson Nery, NERY, Rosa Maria Andrade, CPC Comentado, RT, 3ª edição, 1999

JUNIOR, Nelson Nery. Atualidades sobre o Processo Civil, RT, 2ª edição, 1996.

Lei 6.938/81 dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providencias.

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1 Trad. CORREIA, Antonio Arruda Ferrer. In "Reparação dos Danos no Direito Civil", São Paulo, 1938, p. 9, nota 5)

2 JUNIOR, Nelson Nery. Princípios de Processo Civil na Constituição Federal, RT, 4ª edição, pp. 170/171

3 JUNIOR, Nelson Nery Junior e Rosa Maria Andrade Nery, CPC Comentado, RT, 3ª edição, p. 288, 2ª coluna

4 JUNIOR, Nelson Nery Junior. Atualidades sobre o Processo Civil, RT, 2ª edição, pp.32/33.

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*Advogado do escritório Tostes & Coimbra Advogados

 

 

 

 

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