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Oitiva informal da criança no Direito de Família

A relação que existe entre o Direito e a prova tem natureza essencialmente interdisciplinar e objetiva efetivar um resultado prático no processo jurisdicional, sob o crivo do contraditório, a fim de dar azo às decisões judiciais, que não se limitam à averiguação de fatos e pretendem a obtenção de uma tutela jurisdicional justa, pelo que o direito à prova constitui um direito fundamental implícito (art. 5º, § 2º, CRFB), decorrente dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça.

13/7/2009


Oitiva informal da criança no Direito de Família

Tânia da Silva Pereira*

Roberta Tupinambá*

A relação que existe entre o Direito e a prova tem natureza essencialmente interdisciplinar e objetiva efetivar um resultado prático no processo jurisdicional, sob o crivo do contraditório, a fim de dar azo às decisões judiciais, que não se limitam à averiguação de fatos e pretendem a obtenção de uma tutela jurisdicional justa, pelo que o direito à prova constitui um direito fundamental implícito (art. 5º, § 2º, CF/88 - clique aqui), decorrente dos direitos fundamentais ao contraditório e ao acesso à justiça.

Contudo, muito ainda se discute sobre os meios e os limites das provas, sobretudo porque as ações de procedimento comum (sumário ou ordinário) – típicas das ações que tramitam nos juízos de família – implicam a necessidade de formação da convicção do juiz em grau máximo, pois se cuida de cognição exauriente; valendo ressaltar, todavia, que o juiz, na busca da verdade em que se funda a ação ou a defesa (art. 332, CPC - clique aqui) tem poderes inclusive instrutórios (art. 131, CPC) e é livre para apreciar a prova e formar sua convicção, que, contudo, condiciona-se (e por ser condicionada há de ser sempre motivada):

a) aos fatos nos quais se funda a relação jurídica;

b) às provas destes fatos colhidas no processo;

c) às regras legais de prova e às máximas de experiência; e

d) à racionalidade1.

Com efeito. O direito processual civil assegura a liberdade dos meios de prova (art. 332, CPC), mas também constituem meio de prova atípica. Nesse contexto, tendo em vista ser pacífico na Doutrina e na Jurisprudência pátria o reconhecimento das crianças como sujeitos de direitos (art. 227, CF/88), ativos em suas respectivas esferas jurídicas, tornando-se transparente o direito da criança à palavra – tudo a ensejar a legalidade, a idoneidade e a moralidade da oitiva da criança como meio de prova atípica, mas que, por se tratar justamente de uma prova atípica, submete-se a outros limites, como a habilidade da oitiva da criança de provar a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa e a não–exigência da criança relatar situações que são devassadoras ao seu aparelho psíquico.

Acontece que a disciplina da oitiva da criança está à margem da maioria dos estudos doutrinários, em que pese sua utilização ser frequente e reiterada nos juízos de família, sendo realizada tanto formal, quanto informalmente e fazendo imperiosa, pois, a discussão da sua legalidade e dos limites que lhe devem ser impostos.

A priori, frise-se que a prova pericial consistente no estudo psicológico das partes, em que a criança é ouvida pela psicóloga, constitui meio de prova típico (arts. 420 a 439, CPC), sendo meio atípico de prova a oitiva da criança (formal ou informal) pura e simples, realizada fora de uma perícia psicológica.

Na hipótese de oitiva formal da criança, parece que este meio de prova atípico atende a todos os requisitos que lhe são impostos, pois:

a) em juízo conta com a presença de um psicólogo - para decifrar a palavra da criança e traduzir a verdade de seu depoimento/testemunho;

b) o depoimento da criança em juízo é levada a termo, o que permite que esta prova seja submetida ao crivo do contraditório, atendendo-se ao princípio do devido processo legal; e

c) conta com a presença dos advogados, o que guarda atenção ao princípio da ampla defesa.

Na hipótese de oitiva informal da criança, costumeira e corriqueiramente realizada nos juízos de família, em que a criança, desacompanhada de advogado ou assistente técnico, é ouvida pelo juiz e pelo ilustre membro do ministério público, sem que seu depoimento/testemunho seja levado a termo, cuida-se de meio de prova atípica que parece não superar todos os requisitos que lhe são impostos. Neste caso não se propicia às partes nenhuma segurança quando à sua habilidade de provar a verdade dos fatos, até porque a organização psíquica da criança afigura-se incompleta, recomendando-se a participação de peritos em psicologia como coadjuvantes do juiz, seja para vencer o estado inicial de inibição da criança, seja para conseguir tornar sincera a narração da criança. Nesta abordagem também não guarda respeito a uma séria de princípios norteadores da teoria geral das provas, pois viola-se frontalmente o princípio da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/88), e prejudica-se o contraditório (art. 5º, LV, CF/88) e, por conseguinte, o do devido processo legal (art. 5º, LIII, CF/88).

Diante disso, é notória a inadequação da oitiva informal da criança como meio de prova atípica, pois põe tanto a criança, quanto o juiz, em risco – a criança em risco de sofrer danos e o juiz em risco de inutilizar uma prova, eis que não colhida adequadamente; sendo que ainda confere à criança menos garantias do que aos adultos, que em depoimento pessoal ou testemunhal contam com a presença dos advogados podem fazer uso do direito ao silêncio, etc, e sendo que contraria a orientação da psicologia moderna, que aconselha o preparo de todo um setting para a oitiva informal da criança – o que não se adequa à realidade dos Juízos de Família.

Diante do exposto, a oitiva informal deve limitar-se aos seguintes requisitos:

a) permitir a presença de advogados (para que se atenda à ampla defesa e à prerrogativa dos advogados de acompanharem todos os atos processuais, assegurada em lei federal) e

b) colocar o depoimento/testemunho da criança em termos (para que se viabilize o contraditório, atendo-se, em última análise, ao princípio do devido processo legal); sob pena de se inutilizar o valor desta prova e ainda sujeitar a criança a danos de graves proporções.

De qualquer sorte, é certo que este tema, marginalizado pela doutrina e pela jurisprudência pátrias, requer a máxima atenção dos juristas, pois como a palavra da criança não tem a mesma credibilidade da de um adulto e ante à vulnerabilidade da criança, as crianças acabam virando poeira que se joga para debaixo do tapete. Por não possuírem discernimento necessário para se rebelarem quando vítimas de algum excesso, calam-se quietas, mesmo que isso implique a sujeição das mesmas a danos imensuráveis, o que não pode ser admitido, sobretudo se considerada a doutrina da proteção integral (art. 227, CRFB).

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1 DIDIER JR., Fredie, Curso de Direito Processual Civil. Salvador: Podivm, 2009, p. 40.

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*Advogadas do escritório Advocacia Professor Caio Mário da Silva Pereira




 

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