Um dia na vida do consumidor
Antonio Pessoa Cardoso*
No ranking mundial, o Brasil se coloca em terceiro lugar entre os que pagam energia mais cara do mundo; vinte e cinco por cento (25%) do que ganha o assalariado são destinados ao pagamento do consumo de energia. Então, ao acender a luz de casa depara com o primeiro transtorno na vida orçamentária.
Os preços da energia são controlados e reajustes autorizados pela ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, atendendo mais aos interesses políticos financeiros, ou de outra ordem menos ética, do que propriamente para cobrir eventuais custos da atividade desenvolvida pela concessionária.
A Câmara dos Deputados instalou, no corrente mês de junho, a CPI da Conta de Luz, com o fim de investigar os critérios usados pela ANEEL para fixar os valores das contas de consumo. É fato que nos últimos dez anos as tarifas quadruplicaram, pois em 1995, o megawatt-hora custava R$ 60,00, em média; no ano de 2006 subiu para R$ 230,00 o que importa no significativo e extorsivo aumento de quase 300%; a inflação, no período, variou em torno de 155%, o salário mínimo foi reajustado em menos de 15%.
As concessionárias de energia, de telefonia, de água, etc., as financeiras, os bancos, os planos de saúde e outros prestadores de serviços públicos fazem verdadeira lavagem cerebral para conquistar maior número de usuários dos produtos que oferecem. Na "caça" ao consumidor oferecem todo tipo de vantagem. As operadoras agraciam o cliente com aparelho, tarifas reduzidas, brindes, além de outros mimos. Vendem facilidades para posterior cobrança de dificuldades.
A agressividade dessas empresas é tamanha que a ANATEL - Agência Nacional de Telecomunicações proibiu o marketing direto ao consumidor, através de ligações de telemarketing e a propaganda nas contas telefônicas. A publicidade desenfreada para promoção dos produtos que jogam no mercado causa consumo além das possibilidades do consumidor, nascendo daí o superindividamento, tão ao gosto dos bancos.
O consumidor, no correr do dia, vai ao banco para depositar, retirar seu dinheiro ou pagar conta; aí é extorquido pelo valor alto das tarifas, pelo apontamento do que não deve, pela oferta de produtos que não pode ter.
O correntista não entende o fato de deixar seu dinheiro guardado com o banqueiro e ainda ter de pagar por prestação de serviços, além de outros lançamentos que nem se sabe do que se trata!
Se o consumidor precisa do telefone, aborrece-se com a realidade, pois nem tira o fone do gancho para fazer ligação e já lhe cobram valores, através da denominada taxa básica; no fim do mês aparece outra esperteza, consubstanciada no chamado pulsos além franquia, ou seja, paga sem ter a discriminação das ligações anotadas neste título. Outras contrariedades com a concessionária de telefone são originadas da enumeração de telefonemas não gerados nessa linha ou do péssimo atendimento dispensado.
Ao deslocar para o supermercado, compra frutas, ciente de que poderá ter problemas com a saúde, em virtude da contaminação dos produtos que adquire, pois o Brasil, em 2008, assumiu o posto de maior consumidor de agrotóxicos do mundo; a expansão de nossa fronteira agrícola, juntamente com o cultivo dos transgênicos, proporciona-nos ingestão, em dose maior, dos agrotóxicos. Há um mínimo tolerável no uso desse veneno; aceita-se 0,2 mg/kg, ou seja, em cada milhão de gramas do alimento, no máximo, 0,2 de grama de resíduo do ingrediente ativo do agrotóxico; o que ultrapassar a este teto implica na proibição de consumo do alimento, porque representa perigo para a saúde.
Mas quem vai controlar a fúria dos inescrupulosos, na busca de lucro fácil da atividade!
E se o cidadão precisar de algum medicamento, não resta dúvida de que estará submetido, mais uma vez, às condições truculentas do mercado; será obrigado a pagar pelo produto que necessita e pelo que sobra, pois é forçado a adquirir caixa lacrada sempre com dose superior à estampada na receita médica. É situação semelhante à taxa básica ou a cobrança antecipada e por tempo mínimo nos estacionamentos.
Tudo isto, em desrespeito ao acesso gratuito ao medicamento por ser direito constitucional; o que se mostra inconstitucional é a lista do Sistema Único de Saúde, enumerando os medicamentos que deverão ser distribuídos gratuitamente. É que a saúde é dever do Estado e, portanto para se ter saúde necessário o medicamento sem restrição, salvo de ordem médica. Mas, a circunstância exposta é pior, pois além de ter de comprar o produto, ainda assumirá o pagamento do excesso adquirido.
Alguma enfermidade que reclama a busca de emergência hospitalar implica no maior constrangimento da vida do cidadão, pois não receberá autorização para internamento, salvo se submeter à exigência do hospital e depositar alto valor em caução; descabida e impiedosa situação, apesar de a CF/88 (clique aqui) garantir que "a saúde é direito de todos e dever do Estado"; mas, se não for urgência e o enfermo buscar os serviços de saúde da rede pública, terá diante de si extrema complicação. O noticiário dos jornais, com muita frequencia, mostra o descaso dos postos de saúde, anotam os óbitos em plena fila de usuários que ali estavam para atendimento; a situação é tão caótica que simples consulta médica poderá ser marcada para os próximos 30 dias; o contribuinte quer apenas fazer uma consulta, mas vai ter de conviver com a dor no estômago, com a gripe ou com qualquer outra doença até que chegue a data prometida. O adiamento para a consulta é a melhor das hipóteses, pois pode simplesmente receber um não, sob a alegação de que existem muitas pessoas para serem atendidas, ou porque falta médico no plantão. Não tem outro destino que não seja voltar para casa e esperar a morte chegar.
Aliás, já se registrou ocorrência na qual um pobre coitado, atendido num hospital, teve de ser encaminhado para outro, mas morreu na própria ambulância que já se encontrava estacionada na frente do hospital para onde foi deslocado; o motorista estacionou o carro e como ninguém aparecesse para retirar o paciente, saiu, deixou a ambulância trancada e quando retornou o paciente já estava morto.
O fato é verídico e já esbarrou nos tribunais!
Outro serviço precário prestado pelo Estado e reclamado pela sociedade é a segurança pública. O assalto, o tiroteio, a bala perdida, as mortes já se tornaram comuns no dia a dia da população das cidades brasileiras.
A prestação jurisdicional é morosa, falta-lhe estrutura, material humano e as demandas excedem as possibilidades dos magistrados e funcionários. Mas tudo isto não é justificável para negar o direito violado e reclamado pelo cidadão; as leis existem para serem cumpridas e não se justifica a concessão legal de 75 dias de férias/recesso por ano ao magistrado; não se entende a aposentadoria precoce do juiz e do funcionário público de uma maneira geral, mesmo diante do quadro falimentar da previdência social. Toda esta regalia é fruto de leis, contra as quais já se pronunciaram os juízes. A atividade jurisdicional não pode sofrer interrupção, pois a justiça é o pão do povo, como já dizia Bertold Brecht.
A situação é tão desesperadora que até mesmo o sistema dos Juizados Especiais, justiça destinada aos pobres, marca audiências para um, dois anos após a reclamação. Não importa a simplicidade da queixa, um produto com defeito ou a recusa do plano de saúde para autorizar internamento, em qualquer circunstância, terá de esperar a lentidão dos serviços judiciários.
Até os espaços públicos, concedidos a empresários para administrar como estacionamentos nas grandes cidades, constitui atividade na qual o povo é explorado.
Se o cidadão vai de carro a um show ou às compras, terá de estacionar seu automóvel e, em alguns casos, pagar antecipadamente; a exploração inicia-se por aí e prossegue com o próprio preço do serviço; a empresa permissionária não assume por eventuais danos ou furto de objetos no carro estacionado sob seus cuidados; o comprovante recebido presta-se somente para mostrar que o serviço foi pago, pois as empresas não assumem responsabilidade por nada, apesar de decisões judiciais em contrário.
No Centro de Convenções de Salvador, por exemplo, paga-se antecipadamente pelo estacionamento; no aeroporto internacional de Salvador o pagamento mínimo é de R$ 4,00 independentemente do tempo de uso, desde que não ultrapasse a quatro horas; passado este limite, desembolsa-se mais R$ 2,00 por cada hora. Semelhante é a exigência de consumo mínimo em certos ambientes ou a taxa básica de assinatura cobrada pela empresas telefônicas.
Normalmente a pessoa vai ao aeroporto apanhar ou levar alguém e dificilmente permanece ali por mais de uma hora; todavia, com a aprovação dos governantes, as empresas exigem pagamento de um mínimo de quatro horas, como se deixasse o carro no estacionamento por este mínimo de tempo. O resultado é que as permissionárias se locupletam indevidamente.
Divaguemos um pouco sobre os preços dos combustíveis, produto necessário para a movimentação do consumidor, principalmente nas grandes cidades. Em cada 800 ml de gasolina vendida pela Petrobrás, que custa R$ 0,80, há 200 ml de álcool, ao custo de R$ 0,20; os impostos que incidem sobre o produto são CIDE – PIS/COFINS no valor de R$ 0,44, ICMS, R$ 0,64; o lucro da distribuidora é de apenas R$ 0,08, do posto R$ 0,25 e o frete do combustível fica em R$ 0,02. Conclui-se que o litro custa R$ 1,35, sem impostos e sobe para R$ 2,43 com impostos, mas é vendida para o consumidor tolo por preço médio de R$ 2,70. Isto sem contar com a mistura de solvente, de óleo diesel, dentre outras, à gasolina.
E o pior é que a Petrobras, transformada em cabide de emprego para o partido que governa o país, não acompanha os custos do preço do petróleo para fixar o valor da gasolina ou do óleo; o produto sobe ou desce e a gasolina, o óleo continuam com os mesmos preços; um ano atrás, o barril no mercado custava o dobro do preço de hoje, mas nem por isto o valor do litro de gasolina diminuiu. E sabe-se que a Petrobras é uma das maiores empresas do mundo.
Como se apontou acima, os grandes aborrecimentos ocorrem, quando o cidadão necessita dos serviços públicos, em qualquer área, seja federal, estadual ou municipal, em qualquer nível, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário. A burocracia enerva o cidadão, o despreparo e o mau tratamento dos funcionários o desespera e a corrupção deixa-o sem rumo.
A coletividade visualiza o Estado como opressor e isto se mostra incompatível com a democracia, mas real nos tempos presentes; é certo que todos têm o dever de pagar impostos, mas correta também a afirmação de que os governantes só se legitimam no Poder se garantir o Pacto Social, aplicando os recursos arrecadados com eficiência e em benefício do povo. O que se vê é a cobrança de altos tributos e, em certos momentos indevidos, seguido de má aplicação do dinheiro, responsável pela precariedade de todos os serviços públicos. Na verdade, os tributos contribuem para o enriquecimento ilícito dos governantes, empobrecendo o contribuinte brasileiro; prestam-se mais para financiar as publicidades desenfreadas do governante de plantão, as farras palacianas, as viagens e o lazer dos homens públicos do que mesmo para aplicação nos serviços de saúde, educação, justiça, segurança, habitação, etc. O brasileiro, como já se disse, trabalha quatro meses só para pagar impostos, o que corresponde a 38% do que ganha somente para financiar os prazeres dos governantes.
O lamentável de tudo isto é que a indignação do brasileiro é limitada e a própria justiça é pouco acionada para regularizar tais situações, pois o Estado é quem mais utiliza os serviços judiciários.
O atual Presidente da República já proclamou que melhor repassar o dinheiro para os pobres do que diminuir impostos!
E o que fazemos!
Se muito um protesto isolado; o boicote, arma principal do consumidor é pouco usado no Brasil, porque ficamos perplexos, sem ação, calejados e sem se indignar mais com nada. Aceitamos a corrupção e assumimos a condição de bobos da Corte.
Há evidente falta de escrúpulos no homem público, seguida de inexplicável aceitação por parte do cidadão; os escândalos são contínuos e dificilmente há punição.
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*Desembargador do TJ/BA