O PL 3.829/97 - Estabilidade provisória no emprego do marido ou companheiro da gestante – alguns pontos controvertidos
Alencar da Silva Campos*
Este protecionismo fora criado em uma época em que a maioria das pessoas não dispunha de tanto conhecimento como ocorre nos dias atuais. Por isso, invariavelmente temos observado a tentativa de se alterar, ou ao menos flexibilizar, as formas de negociações entre empregados e empregadores, permitindo assim que estes possam diminuir seus gastos com suas folhas de pagamento, dando, em contrapartida, outros benefícios aos empregados.
Não obstante as inúmeras súplicas da classe empregadora por mudanças na legislação laboral, o que vemos é a sua manutenção quase que irretocável, escondendo-se nossos legisladores atrás do "manto" do protecionismo ao hipossuficiente.
E é com base nesse protecionismo, e sob a fundamentação de proteção ao trabalho nesta tão falada época de crise, que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o PL 3.829 de 1997 (clique aqui), que prevê a criação da estabilidade provisória no emprego ao marido ou companheiro da gestante.
Referido PL mereceria, sem sombra de dúvidas, total apoio de toda sociedade, haja vista os índices de desemprego existentes em todo o país, bem como sua evolução no mundo. Contudo, da forma como aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados, merece ele algumas críticas.
Com efeito, o artigo primeiro do PL em comento dispõe que fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa do trabalhador cuja esposa ou companheira estiver grávida, durante o período de 12 meses, contados a partir da concepção presumida.
Já o artigo segundo do mesmo PL prevê a aplicação de multa equivalente a 18 meses de remuneração do empregado, ao empregador que descumprir com a determinação contida no artigo primeiro, sem prejuízo da aplicação das demais sanções previstas na legislação vigente.
A primeira observação a ser feita quanto ao PL em estudo diz respeito justamente ao valor da multa aplicada e também à possível interpretação dúbia quanto ao beneficiário desta multa.
Conforme podemos observar, o legislador pretende garantir ao empregado marido ou companheiro da gestante uma estabilidade no emprego de 12 meses, contudo, prevê a aplicação de uma multa equivalente a 18 meses de salário do empregado. Ou seja, a multa a ser aplicada supera o período de estabilidade, fato, no mínimo, estranho.
Além disso, em momento algum o legislador informa se referida multa será aplicada em favor do empregado ou se se trata apenas de multa administrativa, revertendo-se aos cofres públicos, fator que, ao meu ver, é de suma importância.
Com efeito, ainda que a multa seja meramente administrativa, o empregador será duplamente penalizado, pois além de ter que indenizar o empregado pelo período estabilitário no caso de rescisão contratual sem justa causa, pagará, também, a multa prevista.
Lado outro, caso a multa reverta-se em favor do trabalhador, o PL estará legalizando o enriquecimento sem causa. Melhor explicando. A estabilidade prevista em referido PL prevê uma estabilidade ao empregado marido ou companheiro de gestante por um período de 12 meses, a contar da data da concepção.
Portanto, entendeu o legislador que se o marido ou companheiro da mulher grávida permanecer no emprego por um período de 12 meses conseguirá manter sua família com o mínimo de dignidade. Assim, nada há que justifique a aplicação de multa equivalente a 18 meses de salário do empregado, quando o próprio legislador admite ser suficiente à mantença digna da família a remuneração por 12 meses.
Desta forma, ao prever uma indenização maior do que o período estabilitário previsto na lei, o legislador, como dito acima, estará legalizando o enriquecimento sem causa. E não é só. A leitura da parte final do artigo, segundo do PL em estudo, deixa ainda a possibilidade de, em caso da multa ser aplicada em favor do empregado, o mesmo ser duplamente beneficiado, ao dispor que o empregador ficará sujeito, ainda, às demais cominações previstas na legislação vigente.
Multa, como sabemos, nada mais é do que uma penalidade àquele que deixa de cumprir algo a que estava obrigado, seja por força do contrato, seja por força de lei. Assim, poderá surgir o entendimento de que, além da multa prevista, ou seja, além da penalidade aplicada pelo descumprimento da norma, o empregador fique obrigado, ainda, a indenizar o empregado demitido pelo período estabilitário, haja vista a disposição contida na parte final do artigo segundo (demais cominações previstas na legislação vigente).
Outra situação conflitante iremos enfrentar naqueles casos de rescisões de contratos de trabalho em que o período da estabilidade estiver prestes a terminar, caso o PL 3.829/97 entre em vigor nos termos em que se encontra.
Exceção feita à estabilidade do dirigente sindical durante o cumprimento do mandato2, nos demais casos de estabilidade hoje previstos basta ao empregador indenizar o empregado pelo tempo restante da estabilidade para proceder à rescisão contratual sem justa causa. Podemos aqui citar o seguinte exemplo : caso um empregado tenha adquirido estabilidade de 12 no emprego por conta de acidente de trabalho, transcorridos 6 meses, pode o empregador rescindir este contrato sem justa causa, indenizando os 6 meses restantes.
Esta opção (de demissão mediante a indenização do tempo de estabilidade restante), ao que me parece, não poderá ser feita pelo empregador no caso da estabilidade prevista pelo PL 3.829 de 1997, pois seu artigo segundo é taxativo ao dizer que no caso de descumprimento por parte do empregador, ser-lhe-á aplicada multa equivalente a 18 meses de remuneração do empregado. Assim, caso restem apenas seis meses de estabilidade ao empregado marido ou companheiro de gestante, não poderá o empregador demiti-lo simplesmente mediante indenização do restante do período, pois ficará ele sujeito ao pagamento do valor integral da multa estipulada.
Temos, portanto, que o PL em comento traz mais problemas do que soluções, eis uma lei que irá tratar de temas tão importantes como estabilidade no emprego e custo de folha de pagamento, não pode ser redigida em poucos artigos, merecendo estudo mais aprofundado.
Não estamos aqui defendendo as rescisões contratuais arbitrárias, tampouco levantando a bandeira contra o Princípio da Proteção que rege o Direito Juslaboral. Contudo, não obstante a nobre intenção de nossos legisladores, qual seja a manutenção do emprego, tenho para mim que o PL 3.829 de 20 de novembro de 1997 não pode entrar em vigor na forma como está redigido, pois acarretará, sem sombra de dúvidas, inúmeros prejuízos e transtornos à classe empregadora, motivo pelo qual deve o mesmo ser revisado de maneira profunda, para que possa o legislador pátrio encontrar uma maneira de proteger o emprego sem acarretar mais desemprego.
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1 Delgado, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho – 3 ed. – São Paulo: LTr, 2004 – p.187.
2 Nota: Atualmente a jurisprudência predominante em nossos Tribunais é no sentido de que o mandato do dirigente sindical a ele não pertence, mas sim a todos os empregados da categoria. Por esse motivo, enquanto vigente o mandato não pode o dirigente sindical ser demitido sem justa causa, ainda que indenizado o período estabilitário.
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*Advogado associado do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia
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