Que auditoria jurídica tem com o Rule of Law?
Jayme Vita Roso*
"È bello avere um’alternativa, nella vita".
Diego de Silva1
Ora, países africanos com tradição no common law, aparentemente, poderiam ser mais receptíveis à percepção e ao entendimento do rule of law, como há pouco mais de duas décadas ele vem sendo promovido, a partir da América Latina, para todo o mundo.
Embora não exista consenso quanto ao conceito de rule of law, nem da sua abrangência, muito menos da sua impostação política, há algumas pistas que vieram a se solidificar e, a partir de então, assentaram-se alguns princípios, aceitos sem reservas ou ressalvas, a saber, alimentar a construção da democracia, perseguir o desenvolvimento econômico, adotar o regime de trocas, reconstruir, estabilizar e reinventar sociedades conturbadas.
Essa tarefa, hoje em dia, vem sendo liderada com muita eficiência, pela American Bar Association - ABA, que aglutinou não somente advogados do próprio país, mas dos cinco continentes, como também agências multilaterais e internacionais, fundações privadas, sociedades de advogados de várias jurisdições, empresas de consultoria, ativistas de direitos humanos, da sociedade civil organizada, governantes e provedores de auxílios para todos as gamas de necessidades sociais.
Além da ABA, também a Internacional Bar Association - IBA tem ido a fundo, promovendo vários eventos, a partir do inicio deste século.
Realce é de ser dado à Resolução que, em setembro de 2005, a IBA proclamou na cidade de Praga, partindo de pressupostos básicos de que o rule of law é o alicerce de uma sociedade civilizada, uma vez que ele assenta-se num processo estável, transparente que é, ao mesmo tempo, acessível e igual para todos. Sem consistir em contradição em termos, o rule of law assegura, portanto, que haverá princípios que liberam ou propiciam liberdade e proteção, em simultaneidade.
Quais foram os princípios adotados pela IBA, que se auto intitula, sem desnecessária modéstia, a voz global da profissão de advogado? São eles:
a) Judiciário independente e imparcial;
b) presunção de inocência;
c) direito a um justo e público julgamento sem indevido retardamento;
d) uma racional e proporcional punição;
e) forte e independente advocacia;
f) estrita proteção da confidencialidade entre o advogado e o cliente;
g) igualdade de todos diante da lei.
Mas, também, integram os princípios do rule of law e sua recusa: prisões arbitrárias; julgamentos secretos; indefinida detenção sem julgamento; cruel ou degradante tratamento ou punição e intimidação ou corrupção no processo eleitoral.
Os que convivem com a profissão ou nela atuam, em qualquer modalidade ou localidade, em qualquer lugar do mundo (com ousadia é lançada esta última assertiva), tem se confrontado ou deparado com a degradação do ensino nas distintas faculdades jurídicas, pela drástica redução da sua qualidade e pelo abusivo número de pretensas escolas da ciência jurídica. Os universitários aprendem o direito de ontem, com uma mentalidade digna dos praxistas.
De outra banda, a ênfase com que se está direcionando a profissão para a tecnologia, com a predominância da Economia, sobretudo para o mercado, e dando-lhe habilidade técnica, habilidades operacionais, relacionamento com colegas como homem de negócios (a troca exagerada de cartões é um dos exemplos), queiram ou não os luminares, faz decrescer o profissional-homem e minguar os valores éticos.
Não se pode, menosmente se deve esquecer, deixar de lado, afastar, relegar ou minimizar que a idéia do rule of law só vai sobreviver quando não houver advocacia mercantilizada com visão mecanicista, muito a gosto dos que se deleitam com technical ability, operational skills, good-personal relations, team management concern and lidership.
Não é esse o profissional que vai pugnar pela existência de uma sociedade justa e que respeita direitos dos menos afortunados.
Não é esse o profissional que se interessa pela transformação jurídica brasileira, nem pela modificação e estabilização do Sistema Jurídico, muito menos pela criação de um rigoroso, vigoroso e equilibrado Sistema Judiciário que aplique o direito e faça-o reconhecido, garantindo a todos os cidadãos idêntico acesso à justiça e o seu exercício efetivo e resguardo dos seus direitos e o cumprimento dos seus deveres com leis bem equilibradas, dentro de um sistema orgânico.
A propósito, o rule of law, quando praticado com sinceridade de propósitos, não como exercício de retórica em salões de hotéis de seis estrelas, implica em discutir sem reserva de outros meios, idéias e propostas, numa estreita correlação entre as leis existentes e as conseqüentes aplicações pela prestação jurisdicional, por um Judiciário solerte, depois de reformado. É consabido que apenas bons direitos e bem elaborados sistemas não bastam por si, sem a efetividade da sua correta, eficiente e equilibrada aplicação.
Em suma, o rule of law é ou será sempre ficção, enquanto não ocorrer a indispensável estabilidade social, com justiça distributiva, em todos as suas modalidades e matrizes.
Isso só será atingido quando os advogados admitirem que a retórica e a dialética são acolhidas quão necessárias nos tribunais, enquanto a praxis exige esforço, coragem, desprendimento, estudo, ética e visão, para que o sistema jurídico não perca consistência e tombemos em regimes autoritários, com carapuça de democráticos.
É essa a orientação da auditoria jurídica como indispensável para o verdadeiro regime democrático, aliás, como ela é definida.
E o auditor jurídico contratado pela empresa brasileira, sem receio, instigado pela fascinante tarefa, cercou-se daqueles profissionais: todos, sobretudo ele, com grande experiência profissional e com acendrado respaldo em cultura humanística e sólida formação técnica, vão iniciar essa gloriosa tarefa profissional.
Enquanto gravitavam entre eles discussões, sobre as tarefas nos países escolhidos e direcionados, lembraram o que os países escrutinados aprenderam sobre o rule of law, desde as suas respectivas independências; como o rule of law evoluiu neles, se é que isso sucedeu; que necessidades tem eles de revisitar o conceito à luz da situação de jure e qual o comportamento de suas instituições, como outras e tantas outras proposições voltadas à eficácia do rule of law , em cada país. E o rule of law voltará em breve aos migalheiros, pela importância da necessária discussão.
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1 SILVA. Diego de, Non Avevo Capito Niente, Giulio Einaudi editore, Turim, 2007, p.49. O autor é um jovem escritor napolitano, com livros traduzidos em várias línguas, abandonou a profissão de advogado para dedicar-se às letras, porém, quase sempre, trata de situações e personagens com tráfego em ocorrências forenses.
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*Advogado e fundador do site Auditoria Jurídica
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