Moratória: a possibilidade de parcelamento do débito exequendo
Luciana Diniz Nepomuceno*
Tendo-se por norte esta diretriz, dentre as noveis reformas institucionalizou-se a execução sincretizada e dotou-se a tutela executiva de técnicas e mecanismos tendentes à realização concreta e adequada do direito do exequente, tal qual reconhecido no título executivo. Disciplinou-se, expressamente, institutos como o do bloqueio on line e o da penhora sobre o faturamento da empresa. Tudo em prol da efetivação do princípio da máxima utilidade da execução, para que o direito do exequente seja satisfeito de modo específico e direto.
Sob enfoque outro (o do executado), também e um dos princípios vetores da execução o da menor onerosidade, imiscuído no artigo 620 do CPC, emanação da garantia da ampla defesa, de estatura constitucional. Por ele, diante de várias técnicas idôneas para a realização do direito do exeqüente, o julgador, ainda que de ofício, deve determinar que a execução se proceda de modo menos gravoso para o executado.
Assim, na tutela executiva, a efetividade é confrontada com a imposição de medidas e restrições que visam a resguardar o devedor, que, há muito, deixou de ser patrimônio do credor, adquiriu a liberdade de seu corpo, livrou-se das correntes, da alienação e da morte trans Tiberim (além do Rio Tibre).
Dentre as modificações introduzidas pelas "Reformas do CPC", mormente com a lei 11.382/06 (clique aqui), destaca-se o artigo 745-A, que permite ao executado, no prazo para os embargos, reconhecer o débito exeqüendo e requerer seu parcelamento, como modo de incentivá-lo a "confessar" o direito expresso do título e desestimulá-lo ao oferecimento de defesa (embargos à execução, exceção de pré-executividade, ações autônomas), muitas das vezes meramente protelatória.
Trata-se de norma que busca exatamente compatibilizar aqueles dois princípios (o da máxima utilidade e o da menor onerosidade), aparentemente inconciliáveis e antagônicos, pois, a um só tempo, vai satisfazer os opostos interesses, do exequente e do executado.
Para o mister, o executado deve, no prazo para os embargos (15 dias da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido), reconhecer a existência da dívida, proceder ao depósito do equivalente a 30% e requerer o parcelamento do saldo remanescente em até 6 parcelas, acrescidas de juros de um por cento mensal e de correção monetária. Verdadeira moratória judicial, que se erige como direito subjetivo do devedor, que não pode ser indeferido pelo julgador ou objetado pelo exeqüente quando satisfeitos estes pressupostos. A proposta do devedor assumirá força vinculante para o exequente e para o próprio magistrado.
Deferido o pedido, suspender-se-á o trâmite do feito executivo e o exequente poderá levantar o depósito realizado pelo devedor. O atraso no pagamento de qualquer prestação, além de implicar a impossibilidade de o executado se defender (já que submetido à preclusão lógica), engendra o vencimento das parcelas subseqüentes, a imposição de multa de 10%, além do prosseguimento imediato do procedimento executivo.
O indeferimento, por seu lado, não permite ao exectutado reaver os 30% consignados. Isto porque, para a viabilizacao da moratória, teve ele que reconhecer seu débito no prazo em que dispunha para se defender, o que impossibilita a futura oposicao de embargos, face à preclusão lógica a que se sujeitou. Assim, os valores consignados serão levados a efeito para fins de penhora, deduzindo-se do quantum debeatur e revertendo-se em proveito do exequente.
Questão tormentosa que vem assolando nossos pretórios refere-se à possibilidade de a moratória ser requerida pelo executado em sede do cumprimento de sentença.
O Colendo TJ/MG, em reiterados arestos, vem cingindo o espectro de abrangência da moratória judicial às execuções lastreadas em título executivo extrajudicial, entendendo que, se aplicada ao cumprimento de sentença, o credor, que já percorreu toda uma longa e penosa via crucis da fase cognitiva, terá que enfrentar novo prazo para que o devedor satisfaça sua dívida, o que lhe será por demasiado oneroso.
Todavia, tem o devedor direito ao parcelmanto do quantum debeatur, ainda que ele decorra de um comando sentencial. Primeiro, ante a existência de norma expressa, que prevê e legítima a aplicação subsidiaria ao cumprimento de sentença das regras norteadoras da execução de título extrajudicial.
A par da clareza de referido dispositivo legal, por si só suficiente, ao nosso sentir, da aplicação da moratória à execução sincretizada, enquanto direito do executado, erigido da satisfação dos pressupostos legais, não pode ser expungido por uma simples presunção, relativa, de morosidade da fase cognitiva procedimental.
Ainda que haja delonga na primeira fase do procedimento (de cognição), a segunda (rectius de cumprimento de sentença) será muito mais morosa e, consequentemente, ineficiente e inútil, caso não tenha o devedor patrimônio penhorável para quitar o débito.
Neste contexto, a moratória se erige como um incentivo a que o executado reconheça sua obrigação e pague a dívida, ainda que de forma parcelada, mas liberando o exequente de uma busca desenfreada por bens que, não raras vezes, não são encontrados.
A ausência de previsão legislativa específica da moratória no cumprimento de sentença não deve inibir a atuação do juiz. Temos aqui novel técnica legislativa que, de um lado, é capaz de satisfazer o direito reconhecido no título e, de outro, dá guarida ao devedor, tornando-lhe menos oneroso o feito executivo, e que, em última análise, faz com que o processo civil seja um processo de resultados, sem destoar dos valores inerentes ao Estado Democrático de Direito, compreendidos no "devido processo legal".
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*Conselheira Seccional da OAB/MG. Diretora Departamental do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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