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Da responsabilidade civil do construtor de imóvel

O recente desabamento de edifício residencial localizado em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, trouxe à tona, novamente, questão polêmica acerca da responsabilidade civil do construtor de imóvel.

18/11/2004

Da responsabilidade civil do construtor de imóvel


Carolina Cicco do Nascimento

Maria Falcão de Andrade*

O recente desabamento de edifício residencial localizado em Jaboatão dos Guararapes, Pernambuco, trouxe à tona, novamente, questão polêmica acerca da responsabilidade civil do construtor de imóvel. É que existe um aparente conflito entre as normas que regulam a matéria, quais sejam, o Código Civil/2002 (CC/2002) e o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Em verdade, antes da entrada em vigor do novo Código Civil, o conflito já existia, pois o antigo Código (CC/1916) diccionava, em seu art. 1.245, que “nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este, se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra”, o que foi, parcialmente, repetido no novo Código, no art. 618.

Antes de serem analisadas as diferenças entre o CC/2002 e o CDC, cumpre verificar quais as diferenças existentes entre os artigos dos Códigos antigo e novo:

1) Responsabilidade do empreiteiro quanto ao solo – pelo CC/1916, só haveria responsabilidade caso o dono da obra não fosse alertado da falta de firmeza do solo; pelo CC/2002, há responsabilidade em qualquer caso de prejuízo causado pela falta de firmeza do solo, pois o empreiteiro não poderá realizar a obra, ainda que alerte o dono, e este, ignorando o perigo, exija a execução da obra1;

2) Decadência e prescrição – inovação do CC/2002 ao dispor prazo de 180 (cento e oitenta) dias para reclamar reparos, no parágrafo único do art. 618;

3) Irredutibilidade de prazo de garantia – o CC/1916 estabelecia prazo de 05 (cinco) anos, enquanto que o CC/2002 prevê prazo irredutível de 05 (cinco) anos.

Pois bem, não obstante as diferenças entre o CC/1916 e o CC/2002, é possível concluir que o prazo assinalado no caput do art. 618 é de garantia. Ou seja, a partir do “habite-se” o comprador do imóvel terá 5 (cinco) anos para descobrir vício de construção no apartamento. E a partir da descoberta, segundo o parágrafo único do artigo em comento, terá 180 (cento e oitenta) dias para instar o construtor a efetuar os reparos devidos no imóvel, sem prejuízo do prazo prescricional de 10 (dez) anos para que o comprador proponha ação de indenização contra o construtor, conforme dispõe o art. 205 do CC/20022.

Por seu turno, o Código de Defesa do Consumidor enuncia, a partir de seu art. 12 e seguintes, as regras gerais de responsabilidade civil aplicáveis às relações de consumo, dentre as quais é possível elencar a relação jurídica travada entre comprador de apartamento residencial e construtora de imóveis.

Nos artigos 12 e 14, o CDC trata da responsabilidade pelo fato do produto/serviço que se refere a um defeito que vem a causar um efetivo prejuízo ao consumidor ou a terceiro.

Nos artigos 18 e 19, o CDC dispõe acerca da responsabilidade pelo vício do produto/serviço, que abarca os seguintes aspectos: 1) qualidade; 2) quantidade; 3) disparidade do produto com as informações prestadas pelo fornecedor.

Saliente-se que, quanto ao vício do produto/serviço, o CC/2002 passou a regular a matéria de forma mais favorável ao consumidor, uma vez que estabeleceu prazos mais amplos para o adquirente do imóvel reclamar a reparação de vício nele contido ou o abatimento de seu preço, qual seja, 1 (um) ano (art. 445, caput, CC/2002).

Só diante do caso concreto é que será possível identificar se a hipótese é de fato ou vício do produto/serviço, o que, registre-se, é de fundamental importância, visto que os prazos são distintos.

Tratando-se de fato do produto/serviço, o prazo prescricional é de 5 (cinco) anos a partir do conhecimento do dano e de sua autoria (art. 27, CDC).

No caso do vício aparente ou de fácil constatação do produto/serviço durável, a legislação consumerista estabeleceu apenas prazo decadencial de 90 (noventa) dias, contado a partir da entrega do produto/serviço (art. 26, II, CDC). Em se tratando de vício oculto, o prazo também é de 90 (noventa) dias, mas tem seu início a partir da visibilidade do vício (art. 26, §3º, CDC).

Como visto, o CC/2002 e o CDC tratam do tema de maneiras diversas, criando, assim, dúvidas e questionamentos. Em que pese os dispositivos legais acima indicados e os posicionamentos doutrinários até então existentes, os nossos tribunais ainda não se manifestaram de forma pacífica, uma vez que a matéria versa sobre artigo recente e inovador do CC/2002, encontrando-se ainda em desenvolvimento o assunto ora discutido.

Assim, a interpretação que os tribunais pátrios darão aos comentados dispositivos legais, inclusive quanto à prevalência do CC/2002 sobre o CDC ou vice-versa, ainda não pode ser apontada de forma determinante. Na verdade, somente com o tempo, e à medida que a jurisprudência firme posição em determinado sentido, é que se poderá chegar a uma conclusão definitiva.
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1 “Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do trabalho, assim em relação aos materiais, como do solo. Parágrafo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos 180 (cento e oitenta) dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito”.

2 O prazo prescricional, que pelos artigos 177 e 179 do CC/1916 era de 20 (vinte) anos, foi reduzido para 10 (dez) anos no CC/2002.

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*
Advogadas do escritório Martorelli Advogados

** Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.












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