Reflexões sobre modelos jurídicos para a solução da crise econômica
Luiz Fernando Hofling*
Os governos constituídos em Estados de todo o mundo aplicam-se na busca de soluções para a crise econômico-financeiro que se abateu sobre as economias nacionais, e, particularmente, sobre os sistemas bancários do mundo todo.
As soluções encontradas têm consistido na injeção de recursos dos Estados, nos sistemas financeiros. E há, mesmo, universal acordo sobre a necessidade dessas intervenções.
O que, entretanto, não parece bem resolvido é o modo de se aplicarem essas injeções, de forma a que alcancem, efetivamente, o coração dos sistemas financeiros combalidos, restabelecendo-lhes a extenuada circulação.
A matéria vai além da imaginação dos economistas, pois estes podem propor e defender a solução keynesiana de que o paciente receba transfusões volumosas, sob pena de falecer. Mas não indicarão, por certo, a forma jurídica de aplicação dessas intervenções.
Nesse passo, é à imaginação do jurista que se deve recorrer, posto que se trata de disciplinar uma intervenção do Estado na economia, e, pois, de criar categorias jurídicas e não econômicas.
De início, parece possível imaginar três critérios, para a administração, ao paciente, das receitas prescritas pelos economistas.
O primeiro seria, como parece terem imaginado, até agora, os governos afetados pela crise, emprestar dinheiro aos bancos, para que estes tenham uma contrapartida das perdas em que incorreram, com a compra de ativos podres – mais modernamente denominados tóxicos.
A consequência desse modo de intervir nas instituições seria a de que os ativos tóxicos ficassem nas instituições assistidas, até serem alienados, não se sabe para quem, nem por quanto.
Em idêntica situação, ficariam os passivos consistentes nas obrigações resultantes dos empréstimos concedidos, que, certamente, não devem ser disponibilizados a fundo perdido.
Há, nessa solução, uma consequência econômica positiva, pois, desfalcados desse valor, as instituições, em tese, poderiam refazer-se, recebendo a ajuda em quantia a ele correspondente.
A consequência moral envolvida, entretanto, é muito má:
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de um lado, o empréstimo governamental constitui um prêmio pela má gestão financeira das instituições, que compraram maus ativos e recebem, agora, em contrapartida, um prêmio pelo erro em que incorreram;
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de outro lado, é com dinheiro público que se oferece o prêmio à incompetência dos gestores das instituições financeiras;
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a distribuição de uma "bolsa empresa", em favor dos bancos, suscita a inveja de outros segmentos produtivos, pois, se as instituições recebem ajuda, por que não poderiam os outros segmentos da atividade humana recebê-la?
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o problema maior, dessa solução, é quantificar os valores dos ativos tóxicos, pois, para efeito de que sejam adquiridos das instituições a que pertencem deveriam estas – se se quiser que o plano alcance algum efeito – aliená-los pelo valor de face, quando , na verdade, não têm valor algum, o que encerraria, por parte de todos, a encenação de uma pantomima financeira.
É claro que, se usado esse primeiro critério, a forma jurídica a ser utilizada para expressão da ajuda estatal seria dada pela utilização de contratos de empréstimo, com maiores ou menores garantias, dependendo do nível de exigências governamentais para a concessão da ajuda, que, de resto, parece que será feito a fundo perdido.
Um segundo critério, poderia ser imaginado, para a implementação dos planos governamentais: os governos poderiam, diretamente ou através da criação de uma empresa pública cuja destinação fosse esta, comprar das instituições financeiras os aludidos ativos.
Todos os inconvenientes da situação anterior continuariam, porém, a se apresentar, nessa hipótese: e acrescidos do problema relativo à avaliação dos ativos, pois, ou merecem contrapartida compatível com o valor do seu custo, para as instituições financeiras, ou – comprados ao preço real – a ajuda não produzirá qualquer resultado.
Mais além dessas soluções, vi a apresentação de uma outra, atrevida e audaz, mas interessante: consiste em que os Estados criem, em suas respectivas competências legais, bancos estatais destinados a comprar não os ativos tóxicos, mas os ativos bons das instituições em dificuldades.
Haveria, destarte, a criação de um grande banco estatal por Estado, cuja titularidade seria distribuída entre investidores privados do mercado e, majoritariamente, aos próprios governos.
Quanto às instituições que conservassem, em seu patrimônio, os ativos tóxicos, ou sobreviveriam, por conseguirem superar, através de seus recursos, as dificuldades a que estão sujeitas, ou seriam liquidadas, na forma da legislação ordinária, aplicável a essa situação, em cada um dos Estados.
Essa solução, se, juridicamente, parece mais traumática, é a que, sob o aspecto moral, mais se justifica:
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aqueles que cometeram erros seriam castigados, não recebendo a ajuda estatal, sendo obrigados a perder os seus ativos bons, em favor da nova empresa;
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os recursos estatais, aplicados na ajuda às instituições, seriam recuperados, porque aplicados na aquisição de ativos bons;
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o mecanismo possibilitaria que, mais além dos investimentos públicos, fossem utilizados capitais privados, mobilizados para a criação dos grandes bancos estatais;
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e, no tocante a estes, seria, desde logo, ou seja, desde a sua formação, proclamado o propósito de restabelecida a ordem financeira, fragmentarem-se, em dezenas de novas instituições financeiras saudáveis, cuja titularidade seria dividida entre os acionistas particulares das instituições assim formadas.
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quanto ao funcionamento do sistema econômico, não se modificaria, pois quando se diz que, aos bancos estatais, seriam transferidos os ativos bons, quer-se afirmar que neles se contém o financiamento da atividade produtiva, que, dessa forma, continuará a ter apoio financeiro, como antes.
O mecanismo jurídico, para a implementação dessa solução seria o da criação do banco estatal, e, bem assim, o da transferência dos ativos bons para este, por meio de instrumentos de cessão, em que fossem adequadamente reguladas as matérias pertinentes, e, bem assim, as que lhe fossem conexas, como a da responsabilidade do adquirente pelos passivos das instituições transferentes.
É preciso que estejam todos convencidos da singularidade da situação econômico-financeiro atual, que não se resolverá com a aplicação de soluções sem profundidade, mas necessita de que se lhe apliquem soluções que, embora ortodoxas, tenham o poder de modificar as estruturas apodrecidas dos sistemas financeiros, tal como se encontram.
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*Advogado do escritório Höfling, Thomazinho Advocacia
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