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Efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial sobre as obrigações do sócio avalista

Quando uma empresa precisa de aporte de capital para realizar suas atividades, em geral se socorre de empréstimos perante instituições financeiras.

25/3/2009


Efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial sobre as obrigações do sócio avalista da empresa recuperanda

Ricardo Vick Fernandes Gomes*

Quando uma empresa precisa de aporte de capital para realizar suas atividades, em geral se socorre de empréstimos perante instituições financeiras.

Nestes casos, é também muito comum que os próprios sócios da empresa sirvam como avalistas do empréstimo, ainda que outro tipo de garantia (penhor, alienação fiduciária, etc.) seja fornecido pela empresa; assim, o banco passa a ter maior certeza de que seu crédito será satisfeito.

Em caso de inadimplemento destas obrigações, a instituição financeira poderá então executar tanto a empresa que obteve o empréstimo para se capitalizar quanto o sócio que se apresentou como devedor solidário da dívida.

Esta a situação em circunstâncias normais. A atual conjuntura econômica, no entanto, requer seja a situação analisada com maior profundidade.

Muito embora a Lei de Recuperação Judicial e Falência (Lei 11.101/05 - clique aqui) não seja recente, neste momento este diploma legal ganha relevância tendo em vista dificuldades financeiras experimentadas por alguns setores devido à crise deflagrada pelo caos das hipotecas norte-americanas.

Neste sentido, uma questão que já se mostrava presente agora passará a ser mais recorrente nos tribunais pátrios – quais os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial perante as obrigações do sócio avalista?

Sim, pois quando se trata das obrigações da empresa não há dúvidas, pois o art. 6º, caput e §4º, da Lei de Recuperação Judicial e Falência é bastante claro:

"Art. 6º. A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário."

Vale dizer, a partir do deferimento do processamento da recuperação judicial, as ações e execuções em face da recuperanda ficarão suspensas.

Mas e as obrigações dos sócios que avalizaram as dívidas de que tratam estas ações e execuções? Será que com relação a eles também haverá suspensão?

Na grande maioria das decisões até hoje existentes sobre o assunto, os Tribunais de Justiça pátrios têm entendido que o deferimento do processamento da recuperação judicial somente gera os efeitos do art. 6º sobre as ações e execuções contra a recuperanda, não contra seus sócios avalistas. Ou seja, as ações contra os sócios não seriam suspensas e tramitariam normalmente.

Apesar de ser este o entendimento predominante, existem também posições dissidentes:

"Ementa: Execução por título extrajudicial – Ação movida contra a pessoa jurídica e sócios, na qualidade de devedores solidários – Recuperação judicial homologada – Inexigibilidade do titulo tanto em face da pessoa jurídica, como de seus sócios, devedores solidários – Inteligência do art. 6º da Lei 11.101/05 – Recurso improvido."

[Embargos Infringentes nº 7.166.479-6/02, Barueri, 21ª Câmara de Direito Privado, por maioria, Rel. Des. Antonio Marson, j. 3.12.08]

A questão está toda centrada na interpretação do já supratranscrito caput do art. 6º da Lei 11.101/05, que deve ser feita levando em consideração a lei como um todo.

Quem acredita que o sócio avalista se beneficia da suspensão entende que este é o sócio solidário de que trata a parte final do caput do art. 6º. Para os demais, sócio solidário seria apenas aquele que tem responsabilidade solidária à da empresa, como o sócio da sociedade em nome coletivo.

Com a devida vênia ao último entendimento, necessário considerar que nos casos em que o sócio é avalista da empresa ele tem responsabilidade solidária à dela, o que faz com que seja de fato cabível considerá-lo sócio solidário.

Uma visão teleológica da Lei de Recuperação Judicial e Falência também aponta para este ponto de vista, uma vez que a recuperação das empresas deve beneficiar todos os envolvidos – os trabalhadores, credores, fornecedores (art. 47) –, mas também os próprios sócios da empresa, que se obrigaram solidariamente à empresa para obter capital para o crescimento desta.

O maior argumento usado para não permitir a suspensão dos processos movidos contra os sócios avalistas é a redação do art. 49, §1º, da mesma lei:

"Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§1º. Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso."

Como visto, até agora a jurisprudência, em sua maioria, tem interpretado esta disposição legal incluindo aí o sócio devedor solidário, em que pese a redação da parte final do caput do art. 6º.

O problema de tal entendimento é a conseqüência absurda a que este leva – se os processos tramitam normalmente em face dos sócios avalistas das empresas mas são suspensos em relação à pessoa jurídica apenas, os sócios passam a ter mais responsabilidade pelo empréstimo do que a própria empresa.

Por tal razão, este entendimento deve ser analisado com muito cuidado, pois em alguns casos pode levar à vedação prática da utilização da recuperação judicial – afinal, por que os sócios de uma empresa iriam desejar a recuperação desta se seu próprio patrimônio terá que responder pelos débitos? Onde está a limitação da responsabilidade?

Além disso, os sócios de empresas que desejam obter empréstimo passarão a pensar duas vezes antes de serem avalistas, o que pode levar à descapitalização de muitas empresas que não têm outro modo de garantir suas dívidas.

Esta situação poderia até mesmo ter efeitos sobre o crédito, tendo em vista que as instituições financeiras passariam então a ter duas opções – não mais emprestar dinheiro para as empresas, já que seus sócios não mais concordarão em ser avalistas, ou continuar emprestando sem o aval dos sócios, o que sem dúvida alguma levaria ao encarecimento do crédito, em decorrência do aumento do risco.

De qualquer forma, a discussão ainda está acesa e a existência de muitas recuperações judiciais nas quais a questão será relevante com certeza fará com que surjam novas decisões judiciais acerca do assunto.

O futuro próximo dirá, portanto, se a jurisprudência predominante continuará sendo a atual ou se o entendimento atualmente dissidente encontrará mais adeptos. Tudo deve depender de quais as conseqüências de uma ou outra posição para a recuperação da empresa, objetivo principal a ser buscado quando da aplicação da Lei de Recuperação Judicial e Falência.

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*Advogado do escritório Rayes Advogados

 

 

 

 

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