O direito-dever de visitas e os alimentos
Clineu De Mello Almada*
Renato De Mello Almada**
Deixando de lado os traumas psicológicos e emocionais que atacam, e muitas vezes arrasam, os parentes mais próximos dos envolvidos e, sobretudo, tangem os filhos menores, totalmente despreparados para suportar o desatino dos pais, este modesto estudo pretende se restringir às conseqüências da regulamentação de visitas de pais a filhos e à prestação alimentar.
Gize-se, de início, que nos filiamos ao entendimento de que deve haver uma acentuada correlação entre uma e outra dessas conseqüências, encarando-se a visitação não só como direito, mas como "direito-dever".
Explicamos:
O direito de visita é uma prerrogativa independente, que tem estrita relação com a noção de parentesco. Seu objeto fundamental é a salvaguarda das relações de família e pode pertencer, além dos pais, aos avós e amplamente até mesmo a outras pessoas, parentes ou não, em consideração de situações excepcionais.
Caio Mario acentua que "a visita é daqueles direitos que melhor se caracterizam como deveres" (Direito de Família, nº 408, p. 157).
Antigo acórdão da Egrégia 1ª Câmara do TJ/SP, da lavra do eminente Desembargador Octavio Stucchi, salienta que:
"À justiça cabe impedir que o exercício do direito de visitas seja dificultado por sentimentos abjetos como também não atende aos interesses dos menores dificultar o desempenho desse direito-dever” (destaque nosso). Mais adiante, enfatiza o julgado: “As visitações não devem ser dificultadas, pois representam o desempenho de um direito-dever"1.
No mesmo diapasão é a afirmação de Yussef Said Cahalli, ao pronunciar que "o direito de visitas é ao mesmo tempo um dever de visitas"2.
A visita dos pais aos filhos constitui, pela regra do artigo 15 da Lei nº 6.515/77 (Lei do Divórcio - clique aqui) direito inderrogável e tem como um dos principais objetivos, o de fortalecer os laços de amizade entre pais e filhos, enfraquecidos pela separação dos genitores.
Não deve, porém, servir de arma de combate entre o guardião do filho e o outro genitor, como corriqueiramente acontece.
O sempre lúcido Ministro, então Desembargador do Egrégio TJ/SP, Antonio Cezar Peluso, dispensou, como traz à tona o não menos lúcido Desembargador Guilherme Gonçalves Strenger3, tratamento peculiar aos fatos e incidentes que podem determinar a suspensão ou exclusão do direito de visita, incluindo nessa hipótese a inadimplência alimentar, com a seguinte justificativa:
"De ordinário, o pai que apresenta condições financeiras e não solve obrigação de alimentos aos filhos, insiste na pretensão de exercer o direito de visitas, como se tratasse de qualificações jurídicas independentes. Não será demasia repisar que o direito de visitas não se estrutura como objeto de prazer pessoal dos genitores, predispondo-se, antes, como dever, à tutela de necessidades próprias do desenvolvimento adequado da personalidade dos filhos, devendo seu exercício manifestar, assim, a natural preocupação do bem estar destes, que envolve toda a concepção das faculdades do pátrio poder. Ora, não se entende nem justifica que o pai, capaz de assegurar a subsistência material do filho e que, culposamente, desatende a esta obrigação primeira, possa afetar, na pretensão das visitas, afeição e cuidados que não demonstra na ordem das prioridades da vida. O inadimplemento em que é elementar a nota de culpa, do dever de sustento dos filhos menores, porque contraditório e incompatível com a exigibilidade do direito de visitas, autoriza a suspensão destas, no decurso de execução alimentar” ("O menor na separação", RTJSP 80/20).
Ao defender tal entendimento, certamente inspirou-se o eminente Ministro, nas lições de Guilhermo Borda e de Cesar Belluscio, referidos por Cahali (ob. cit., p. 1063/4).
Para o primeiro "... la suspensión de las visitas es un remedio eficacísimo contra la mora del padre y un justo castigo para quien non cumple con el deber primordial de alimentar a sus hijos" ("Familia", 3ª ed., Buenos Aires, Perrot, 1962).
E Belluscio assevera: "el criterio de la doctrina y la jurisprudencia actuales es el de que las visitas en favor del padre puedem ser suspendidas cuando éste non da cumplimiento a su obligación alimentaria salvo que se deba a circunstancias ajenas a su voluntad, como su falta material de recursos unida a la imposibilidad de adquiridos con su trabajo pues se trata de una obligación primordial, sin cuyo cumplimiento no puede pretenderse ejercer los derechos correlativos ni afegar un cariño cuya inexistencia se demuestra" ("Manual de Derecho de Familia", II, n. 531, p. 266).
"Alimentos e visitas não são entidades autônomas, senão expressões conexas do mesmo dever unitário e do mesmo substrato moral do pátrio poder"4 - destaca Peluso.
Correta é a advertência de Eduardo de Oliveira Leite, no sentido de que "a grande maioria das vezes marido e mulher brigam para demarcar o terreno das visitas, sem qualquer preocupação com o destino dos filhos; os mesmos são transformados em objeto de disputa e ataques cáusticos, ao invés de serem respeitados como pessoas, com suas próprias preferências e necessidades"5.
Há pais que desrespeitam a regulamentação judicial das visitas, permanecendo semanas e até meses, quando não anos, sem procurar o filho e, de repente, surgem, exigentes e impassíveis, pretendendo restabelecer o seu "direito"...
O mesmo acontece com o fornecimento da pensão alimentícia, quando o alimentante é autônomo ou profissional liberal, cuja exatidão de rendimentos é de difícil comprovação.
Existem aqueles, até, que vão recolhendo importâncias irrisórias no transcorrer do mês, sem justificativa alguma, completamente divorciadas da ostentação que seus comportamentos e seus modos de viver retratam, ao invés de, em uma data demarcada, efetuarem o pagamento do acordado, ou fixado.
Transmitem a impressão de que estão fazendo um favor e, não, cumprindo uma obrigação...
Conhecemos casos de pais que, ao exercerem o direito de terem consigo o(s) filho(s) no período de férias escolares que lhes são reservados, têm o desplante de descontar as despesas daqueles dias do total da pensão!
A Colenda Terceira Turma do Egrégio STJ já decidiu, por unanimidade, que "A jurisprudência e a doutrina assentaram entendimento no sentido de que os valores atinentes à pensão alimentícia são incompensáveis e irrepetíveis, porque restitui-los seria privar o alimentado dos recursos indispensáveis à própria mantença, condenando-o assim a inevitável perecimento. Daí que o credor da pessoa alimentada não pode opor seu crédito, quando exigida a pensão"6.
O tema, como já salientado, não é pacífico, ensejando contestações e opiniões contrárias. Mas, por outra face, é ponderável e provoca estudos mais acurados, máxime tendo-se em vista os avanços dos entendimentos jurisprudenciais, face à modernização da legislação.
Como é curial, para que se autorize a suspensão ou até mesmo a exclusão do direito de visitas, não basta, por óbvio, estar o genitor em inadimplência em relação à pensão alimentícia devida, ainda mais quando tal fato é justificável. Mas, em situações como as da acima exemplificadas, não nos parecem injusta a adoção dessa medida.
Em certos casos, como os aqui retratados, a suspensão ou exclusão do direito de visitas é antes de tudo um estímulo para que a relação entre o genitor faltoso e sua prole modifique, já que deteriorada.
O abalo psicológico e o sofrimento de perda causado pela separação de seus genitores, mesmo que esta ocorra de forma consensual, já conduz os filhos a experimentarem sentimentos de dor. O que dizer então, quando o genitor, certamente por se tratar de pessoa de ínfima estatura moral, utiliza-se de seus filhos como arma de combate em relação ao outro genitor? Antes de atingir o alvo pretendido, com certeza estará aquele por enterrar as últimas das esperanças de seus filhos. A nocividade de tais atitudes é patente.
A nefasta atitude de deixar de cumprir com a obrigação alimentar de seus filhos, apenas e tão somente como forma de atacar o outro genitor, tenha este contribuído culposamente ou não para com a separação do casal, deve ser sempre energicamente repelida pelo Estado-Juiz.
______________
1 Apud Yussef Said Cahali, Divórcio e Separação, RT, São Paulo, Tomo 2, p. 980/981.
2 Ob. e Tomo cits., p. 984.
3 In “Guarda de Filhos”, LTR, 1998, p. 80/81.
4 Hoje Poder Familiar
5 In "O DIREITO (não sagrado) DE VISITAS", RT, 1993, p.66/93).
6 Apud Maria Cristina Ananias Neves, “Vademecum do Direito de Família”, Ed. Jurídica Brasileira, 1997, p. 520.
______________
* Magistrado aposentado do TJ/SP e Advogado
** Sócio do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados
______________