A escolha dos árbitros e a autonomia da vontade
Flavia Savio C. S. Cristofaro*
A arbitragem – como meio de solução de controvérsias em substituição à atuação exclusiva do Poder Judiciário Estatal – é, desde o início, marcada pela autonomia da vontade das partes. A rigor, já na própria cláusula do contrato em que instituem a arbitragem como o modo de resolver eventuais conflitos que surjam no decorrer do seu relacionamento – a chamada cláusula compromissória – as partes podem, desde logo, escolher o árbitro, ou os árbitros, que decidirão futura controvérsia ou podem, apenas, estabelecer o processo como se dará a escolha do nome dos árbitros.
Nesse sentido, as partes podem adotar as regras de um determinado órgão arbitral institucional tanto para a escolha dos árbitros, como para a definição do procedimento que será seguido na arbitragem. Se as partes optam por seguir as normas de uma dessas entidades, devem ter a cautela de verificar, no respectivo estatuto, como se dá a escolha dos árbitros: (i) as partes estão livres para escolher os árbitros ou essa escolha é feita pela própria entidade? (ii) na primeira hipótese, a escolha é restrita a uma lista de árbitros indicados pela própria instituição ou é livre? (iii) no segundo caso, como se dá a eleição dos árbitros? (iv) quem são os árbitros que compõem o painel organizado pela entidade arbitral?
Em qualquer hipótese, é recomendável que, já na formação do contrato, quando optam por inserir uma cláusula compromissória, as partes indiquem a forma como se dará a eleição dos árbitros, já que nesse momento, a rigor, o clima é de negociação em busca de um consenso que possibilite a própria assinatura do contrato.
Se as partes deixam justamente para o momento em que surge o conflito estabelecer a forma como se dará a escolha daquele que decidirá o litígio concreto, pode surgir um impasse difícil de ser superado.
Também existe a hipótese de apesar da existência do compromisso arbitral, um dos contratantes se recusar à instituição da arbitragem quando emerge a disputa, o que, na forma da Lei n° 9.307/96 possibilita a intervenção do Poder Judiciário (certamente provocado pela parte que deseja instituir a arbitragem), a fim de obrigar a parte recalcitrante a cumprir a manifestação de vontade inserida no contrato. Ou seja, o art. 7° da Lei de Arbitragem – cuja constitucionalidade foi tão discutida no âmbito do Supremo Tribunal Federal e acabou por ser confirmada – confere ao juiz togado, nas hipóteses em que não há acordo prévio sobre a forma de se instituir a arbitragem e sobre a nomeação de árbitros, o poder de, após ouvir as partes, decidir sobre tal nomeação, podendo escolher árbitro único (§ 4°).
Fique bem claro: a intervenção do Poder Judiciário somente se dará se as partes não tiverem previsto a forma de instituição da arbitragem, o que normalmente ocorre através da escolha de determinada instituição arbitral de renome. Nessa última hipótese, mais comum, mesmo se uma das partes se recusar a se submeter à arbitragem, esta é instaurada na forma prevista no respectivo regulamento do órgão arbitral eleito. Ora, se uma das grandes vantagens da arbitragem é possibilitar que as partes escolham todos os aspectos inerentes à solução de eventuais disputas que surjam no decorrer de seu relacionamento contratual, por que abrir mão de escolher os árbitros, diretamente ou através das regras de uma respeitada instituição de arbitragem?
Vale ainda notar que, como a Lei n° 9.307/96, em seu art. 13, faculta às partes escolher como árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a sua confiança, isso possibilita que o litígio seja decidido por profissionais que sejam experts no assunto a ser tratado, sem ser obrigatória a formação jurídica.
Assim, na arbitragem, as partes podem escolher, como árbitros, especialistas no tema que será discutido. Por exemplo: se a arbitragem envolver circulação de valores mobiliários, os árbitros podem ser profissionais especializados em mercado de capitais; se a questão encerrar aspecto de engenharia naval, um ou todos os árbitros podem ser engenheiros com formação específica nesse ramo da engenharia.
Se o árbitro for um jurista, permanece a vantagem da especialização, eis que a parte pode escolher profissional especializado no ramo do Direito que irá ser preponderantemente discutido na arbitragem.
Levando-se em conta que nos termos da lei brasileira o número de árbitros deve ser ímpar (art. 13, § 1°), a tendência é que o Conselho Arbitral venha a ser composto por três árbitros, sendo um da confiança de cada uma das partes e o terceiro escolhido de comum acordo, ou na forma prevista no regulamento do órgão arbitral institucional atuante no caso. Um número maior de árbitros não é impossível, mas pouco provável, eis que aumenta proporcionalmente os custos com a arbitragem. O terceiro árbitro, escolhido por consenso ou pela entidade arbitral previamente indicada pelas partes, será o Presidente do Conselho de Árbitros, responsável por conduzir o processo arbitral.
Apesar de não ser obrigatório, pode-se indicar como o modelo ideal aquele onde pelo menos um árbitro tenha formação jurídica, de modo a estar mais familiarizado com os ritos procedimentais a serem seguidos na arbitragem. Esse cuidado justifica-se para garantir a validade da sentença arbitral – que deve possuir certos requisitos especificados em lei – e impedir que a parte perdedora venha a pleitear, perante o Poder Judiciário, a nulidade da sentença arbitral justamente pela falta de um desses requisitos. Requisitos esses que fazem parte do dia-a-dia do jurista e do advogado, mas que estão muito distantes dos conhecimentos específicos dos profissionais de outras áreas, por mais competentes que sejam no seu mister.
De todo modo, a Lei de Arbitragem brasileira não exige a presença de um profissional com formação jurídica no Conselho de Árbitros. Aliás, a própria Lei espanhola que exigia tal condição deixou de fazê-lo em relação às arbitragens internacionais, mantendo tal obrigatoriedade apenas nas arbitragens internas, podendo, mesmo nessas hipóteses, haver consenso das partes sobre a indicação de árbitros que não sejam advogados (Lei espanhola n° 60, de 23/12/2003, cuja entrada em vigor ocorreu em 26/3/2004).
Outra vantagem garantida às partes na escolha de árbitros é a possibilidade de nomearem profissional que seja de sua confiança, o que não significa, contudo, que o árbitro irá defender os interesses da parte que o nomeou. Um dos principais atributos do árbitro é a imparcialidade em relação àquele que o indicou, devendo agir com independência no curso do processo arbitral.
Isso porque o art. 18 da Lei de Arbitragem alçou o árbitro à categoria de juiz de fato e de direito, o que significa dever ele decidir a causa que lhe é submetida com a mesma imparcialidade e independência do juiz estatal. Apesar de poder ser indicado por uma das partes, o árbitro não está investido das funções de defender os interesses daquele que o nomeou, papel que permanece sendo do advogado que vier a representar os interesses da parte no processo arbitral. No tocante ao árbitro, além da vantagem de sua especialização, a parte pode contar com sua discrição, nos estritos termos do § 6° do art. 13 da Lei de Arbitragem, o que significa total sigilo em relação ao assunto que está sendo decidido.
Como nos processos judiciais estatais a regra é a publicidade dos atos, somente tramitando em segredo de justiça casos específicos definidos em lei, a opção pela arbitragem garante às partes manter o sigilo de todos os aspectos debatidos na controvérsia – e até mesmo a própria existência da disputa em si.
Conclui-se, assim, que as partes devem aproveitar a autonomia que lhes é conferida pela Lei de Arbitragem também ao escolherem os árbitros, levando em consideração sua especialização no assunto a ser decidido e a confiança que depositam na sua competência profissional.
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* Advogada do escritório Lobo & Ibeas Advogados