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Mídia e direito penal: em 2009 o "populismo penal" pode explodir

De todas as possíveis formas de instrumentalização do Direito penal (ou seja: de seu uso indevido), duas, desde logo, merecem destaque: a política e a levada a cabo pelos meios de comunicação (instrumentalização “midiática”).

13/2/2009


Mídia e direito penal: em 2009 o "populismo penal" pode explodir

Luiz Flávio Gomes*

De todas as possíveis formas de instrumentalização do Direito penal (ou seja: de seu uso indevido), duas, desde logo, merecem destaque: a política e a levada a cabo pelos meios de comunicação (instrumentalização "midiática").

O uso desvirtuado do Direito penal vem se acentuando a cada ano: 2009 não será (certamente) diferente. Com o aumento da violência, pode explodir o "populismo penal" do legislador. Tudo depende do comportamento da mídia, que retrata a violência como um "produto" de mercado. A criminalidade (e a persecução penal), assim, não somente possui valor para uso político (e, especialmente, para uso "do" político), senão que é também objeto de autênticos melodramas cotidianos que são comercializados com textos e ilustrações nos meios de comunicação. São mercadorias da indústria cultural, gerando, para se falar de efeitos já notados, a banalização da violência (e o conseqüente anestesiamento da população, que já não se estarrece com mais nada).

Em inúmeros casos o legislador, levado pela "urgência" e pelo ineditismo das novas situações, não encontra outra resposta (na verdade, nem sequer busca outra resposta) que não seja a conjuntural ("reação emocional legislativa"), que tende a ser de natureza "penal", dependendo dos benefícios eleitorais que possa alcançar. Invoca-se o Direito penal como instrumento para soluções de problemas, mas se sabe que seu uso recorrente não soluciona coisa alguma. Nisso reside o simbolismo penal.

Vários são os exemplos do que acaba de ser narrado (cf. O Estado de S. Paulo de 18.5.08, p. C6, matéria assinada por Laura Diniz): a partir de um fato midiático, a mídia pressiona e o Congresso Nacional cede, editando nova lei. Vejamos:

1) no final dos anos 80 e começo dos anos 90, em razão da onda de seqüestros (do empresário Abílio Diniz, de Roberto Medina – irmão de um parlamentar, na época – etc.) veio a lei dos crimes hediondos (Lei 8.072/1990 - clique aqui), que aumentou penas, criou crimes, cortou direitos e garantias fundamentais etc.;

2) em dezembro de 1992 a atriz Daniela Perez foi assassinada brutalmente pelo casal Guilherme de Pádua e Paula Thomaz. Daniela era filha da escritora Glória Perez, que fez um movimento nacional pró endurecimento da lei dos crimes hediondos (veio, com isso, a Lei 8.930/1994, - clique aqui - que incluiu o homicídio qualificado como crime hediondo);

3) em 1997 a mídia divulgou imagens chocantes de policiais militares agredindo e matando pessoas na Favela Naval (Diadema/SP); a repercussão imediata foi a edição da lei de tortura (Lei 9.455/1997 - clique aqui);

4) em 1998 foi a vez da "pílula falsa" (ganhou notoriedade o caso do anticoncepcional Microvlar, que continha farinha, o que não evitou a gravidez de incontáveis mulheres); esse constitui um exemplo marcante não só de Direito penal midiático como, sobretudo, eleitoreiro. O legislador brasileiro, sob os efeitos do "escândalo dos remédios falsos", não teve dúvida em reagir imediatamente: elaborou primeiro a Lei 9.677/98 (clique aqui), para alterar o marco penal de diversas condutas relacionadas com o tema (a falsificação de remédio agora é sancionada, no mínimo, com dez anos de reclusão. Por meio do mesmo diploma legal, outras condutas não tão graves, como a falsificação de creme para alisar o cabelo, passaram a receber a mesma punição). Depois, publicou-se a Lei 9.695/98 (clique aqui), para transformar diversos desses delitos em "hediondos" (o que, desde aquela outra lei, já se pretendia, mas que, por defeito de técnica legislativa não se conseguiu). De forma inédita, a lei foi aprovada em quarenta e oito horas;

5) em novembro de 2003 a estudante Liana Friedenbach e seu namorado Felipe Caffé foram brutalmente assassinados por um grupo de criminosos, sendo que o chefe da quadrilha era um menor ("Champinha"). O Congresso Nacional se mobilizou rapidamente, incontáveis projetos foram apresentados para ampliar ou tornar mais rígida a internação de menores infratores;

6) em maio de 2006 ocorreram os ataques do PCC -Primeiro Comando da Capital, que assassinaram vários policiais. Logo em seguida o Senado aprovou nove projetos de lei, incluindo-se, dentre eles, o RDD -Regime Disciplinar Diferenciado Máximo;

7) em fevereiro de 2007 o menor João Hélio Fernandes, de seis anos, foi arrastado e morto, num roubo ocorrido no Rio de Janeiro. Em seguida a Comissão de Constituição e Justiça - CCJ) do Senado aprovou proposta de redução da maioridade penal, porque um dos autores do roubo era menor. Esse projeto está pronto para ir ao plenário e só está aguardando (evidentemente) um outro fato midiático;

8) em 2008, para tentar coibir a expansão das milícias no Rio de Janeiro, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que altera vários dispositivos do Código Penal, sem nenhuma chance de efeito prático (até porque, para evitar a impunidade, bastaria cumprir a lei vigente). Foi mais uma "legislação penal de emergência", ou seja, mais uma inovação legislativa apressada, que foi editada para acalmar os ânimos da população (isto é: "mostrar serviço à sociedade");

9) ainda em 2008, depois da absolvição do fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Congresso Nacional aprovou o fim do protesto por novo júri.

O legislador brasileiro atua emergencialmente, mas sempre, claro, contra os "de baixo". Das 646 propostas legislativas apresentadas de 2003 a 2007, apenas duas versavam sobre o crime do colarinho branco. Todas as demais se relacionavam com a criminalidade das ruas, dos excluídos etc.

O legislador vive sob o comando de uma "perene emergência" (Moccia). Basta um fato escandaloso e a pressão midiática para desencadear a marcha do "populismo punitivo". Não atua como um juiz, sim, como parte. Raramente se vê no Brasil uma verdadeira indenização em favor da vítima. O que o Poder Político oferece é o "conforto enganoso" de uma nova lei, que é feita com o cadáver ainda sobre a mesa. Claro que essa lei só pode seguir a lógica do linchamento.

Em 2009, podem anotar: tudo o que o Congresso Nacional está esperando é a eclosão de mais um delito midiático. Se envolver um menor, embora eles sejam responsáveis no nosso país por apenas 1% dos crimes violentos, não há dúvida que os parlamentares vão aprovar a redução da maioridade penal (e vão "vender" isso como solução para o problema da criminalidade violenta do país). E a população vai se comportar (evidentemente) como aquela mulher, da clássica anedota, que (indigna e aberrantemente) gostava de apanhar. Bate que eu gosto!

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*Diretor Presidente da Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes







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