Quarenta séculos de Direitos Civis
Dilvanir José da Costa*
Isso ocorreu há quase quarenta séculos!
Para o progresso do Direito muito contribuíram a lógica e a filosofia gregas, através de seus mestres e filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. A maiêutica socrática, a República de Platão e a dialética de Aristóteles lançaram as bases do Direito fundado na democracia e na valorização do homem.
Para tanto vieram agregar-se os princípios, preceitos e normas das religiões e do direito judaico-cristãos, fundados na justiça social, na solidariedade e na caridade. O Decálogo é a síntese do direito e dos princípios bíblicos e evangélicos.
Outros povos e civilizações deram a sua quota de contribuição para a grande obra de humanização do Direito.
Há 2.500 anos os estudantes romanos decoravam e recitavam as XII Tábuas de sua Lei Civil, que consideravam poesia obrigatória (carmen necessarium). Há 1.350 anos o Imperador Justiniano mandou consolidar no corpus juris civilis todo o direito civil do Império Romano (elaborado durante um milênio de prática e doutrina), monumento jurídico que imortalizou os juristas romanos e se projetou até os nossos dias. Com base nessa codificação monumental, os franceses elaboraram seu Código Civil de 1804 (Código Napoleão), os alemães aperfeiçoaram as pandectas de Justiniano e fizeram o seu Código avançado em 1896, e o Brasil produziu a Consolidação das Leis Civis (1.333 artigos) e o Esboço de Código Civil (4.908 artigos) de Teixeira de Freitas (1858 a 1867), e finalmente o Código Civil de Clóvis Beviláqua em 1916. Os modelos romano-franco-germânico se espalharam pelo mundo.
As Constituições só apareceram a partir das Revoluções Americana e Francesa (1789), propriamente, como forma de organização do Estado moderno e como garantia superior dos direitos individuais frente ao mesmo. Logo, a organização estatal, com a separação dos Poderes e competências, veio a ser o conteúdo novo das Constituições, em relação aos códigos civis, além daquilo que decorreu do progresso social, inclusive da evolução dos direitos individuais e da incorporação dos direitos sociais.
A vigente Constituição brasileira (clique aqui), que completou 20 anos em 5 de outubro de 2008, ao ser promulgada, foi solenemente proclamada "Constituição Cidadã" por Ulysses Guimarães, pelo destaque que deu ao cidadão em todas as dimensões. Tal a incorporação do Direito Civil em seu texto que provocou o nascimento de um Direito Civil Constitucional, no parecer de renomados juristas, com destaque para os direitos da personalidade, da família, das obrigações (contratos e responsabilidade civil), limitações à propriedade e disciplina das relações econômicas (direito de empresa). Destacou a ética, a moralidade, o social, a dignidade, a segurança, a liberdade e a atenuação das desigualdades sociais (solidariedade), com aplicação imediata dos direitos fundamentais e inclusão de outros não explícitos, como regra de interpretação.
No âmbito da família, já nos referimos em artigo (A família nas constituições, RT 847/737). Consagrou o conceito plural de família (casamento, união estável e monoparental); igualdade dos cônjuges, dos companheiros e dos filhos de qualquer condição; separação e divórcio facilitados; união estável e casamento heterosexuais (226, § 3º). No domínio dos contratos, destaca-se a defesa do consumidor (5º, XXXII, 170,V). Na responsabilidade civil, vigora a responsabilidade objetiva ou independente de culpa, com base no risco criado em atividades perigosas; a indenização pelo dano moral, como reflexo da dignidade da pessoa. No direito das coisas, em decorrência da função social da propriedade, sobrelevam as limitações por interesse social, para reforma agrária, do imóvel rural que não cumpra sua função (improdutivo), com desapropriação mediante pagamento em títulos da dívida agrária (art. 184); usucapião especial urbano e rural de curto prazo, tombamento e proteção ao meio ambiente. O direito de empresa constitui fonte de relevante disciplina da atividade econômica na Constituição, desde a produção ao consumo.
A Constituição cidadã veio renovar, socializar e humanizar o Direito Civil, cujo código anterior só beneficiava o proprietário, o patrão, o locador, o casamento civil, o marido, os filhos legítimos, numa época em que o cidadão comum só fazia contrato de prestação de serviço e só era locatário; não era proprietário, não deixava herança e custou a aceitar o casamento civil. A Constituição e o novo Código encamparam as conquistas e reformas das leis sociais e as ampliaram, reforçaram e elevaram a nível superior de estatuto, de princípios e de proteção jurídico-constitucional.
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*Professor e doutor em Direito Civil (UFMG). Diretor do Departamento de Direito Civil do IAMG - Instituto dos Advogados de Minas Gerais
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