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A guerra fiscal ainda está fazendo vítimas

No fim de cada ano o meio tributário se agita: há publicação de leis e medidas provisórias na surdina que, tudo indica, pretendem pegar o contribuinte de surpresa; e há também a movimentação dos agentes fiscais na lavratura de autos de infração. Muitas dessas autuações ainda têm em seu pano de fundo a guerra fiscal entre os Estados: ainda que todos concedam créditos presumidos/outorgados, todos glosam os créditos dos contribuintes que receberam mercadorias de fornecedores que se beneficiaram de algum tipo de benefício fiscal unilateral.

3/2/2009


A guerra fiscal ainda está fazendo vítimas

Adolpho Bergamini*

No fim de cada ano o meio tributário se agita: há publicação de leis e medidas provisórias na surdina que, tudo indica, pretendem pegar o contribuinte de surpresa; e há também a movimentação dos agentes fiscais na lavratura de autos de infração. Muitas dessas autuações ainda têm em seu pano de fundo a guerra fiscal entre os Estados: ainda que todos concedam créditos presumidos/outorgados, todos glosam os créditos dos contribuintes que receberam mercadorias de fornecedores que se beneficiaram de algum tipo de benefício fiscal unilateral.

E é em razão disso que, embora já seja velha aos nossos ouvidos, essa questão ainda permanece tão atual e merece ser discutida. Em nossa opinião não há fundamentos plausíveis que suportem o intento desses Estados glosadores de créditos.

Explicamos.

O artigo 155, §2º, XII, alínea "g", da Constituição Federal (clique aqui), delegou à Lei Complementar a competência para regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais devem ser concedidos.

A tarefa é cumprida pela LC nº 24/75 (clique aqui), que em seu artigo 1º expressa uma norma dispositiva endereçada aos Estados e ao Distrito Federal, porquanto determina que quaisquer benefícios fiscais (entre eles o crédito presumido) devem ser concedidos mediante prévia celebração de Convênio celebrado junto ao CONFAZ. Já o artigo 8º da mesma LC nº 24/75 expressa uma norma sancionatória ao descumprimento da obrigação dirigida aos Estados e ao Distrito Federal, mas surpreendentemente não endereça a sanção ao Estado que não cumpriu com sua obrigação (e, portanto, cometeu a ilicitude), mas sim aos contribuintes adquirentes do Estado de destino, que terão seus créditos glosados.

Baseado nessas prescrições, o artigo 36, §3º, da Lei nº 6.374/89 (que fundamento o §2º do artigo 59 do RICMS/SP) dispõe que "não se considera cobrado, ainda que destacado em documento fiscal, o montante do imposto que corresponder a vantagem econômica decorrente da concessão de qualquer subsídio, redução da base de cálculo, crédito presumido ou outro incentivo ou benefício fiscal em desacordo com o disposto no artigo 155, § 2º, inciso XII, alínea "g", da Constituição Federal".

Ocorre que as aludidas prescrições afrontam a não-cumulatividade do ICMS.

Em regra a não-cumulatividade pode ser implementada por 05 (cinco) métodos possíveis. São eles:

(i) subtrativo direto;

(ii) subtrativo indireto;

(iii) aditivo direto;

(iv) aditivo indireto; e

(v) crédito de tributo.

O ICMS adota o método crédito de tributo, por meio do qual o montante a ser descontado do imposto calculado a cada operação consiste exatamente no imposto que incidiu na etapa anterior (daí a alcunha que recebe "imposto contra imposto"). De fato, o ICMS a ser lançado a crédito no livro Registro de Entradas é exatamente aquele destacado na Nota Fiscal que, ao final, será lançado no livro Apuração para ser confrontado com os débitos existentes no período. Deste encontro de contas surgirá o valor a pagar (caso o saldo seja devedor), ou o valor do crédito a ser transportado ao período subseqüente de apuração (caso o saldo seja credor).

A matriz normativa desta sistemática está na própria Constituição Federal, especificamente no artigo 155, §2º, inciso I, cuja disposição é clara no sentido de que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal.

Os vocábulos "devido" e "cobrado" não expressam o sentido de "recolhido" no Estado de origem, mas sim o significado de que houve "incidência" do imposto nas operações efetuadas a partir do Estado de origem.

É neste sentido que caminhou a legislação paulista, conforme se verifica do artigo 59, §1º, itens 1 e 2, do RICMS/SP, segundo o qual se considera (i) imposto devido, o resultante da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo de cada operação ou prestação sujeita à cobrança do tributo e (ii) imposto anteriormente cobrado, a importância calculada nos termos do item precedente e destacada em documento fiscal hábil, de modo que, segundo as premissas adotadas pelo próprio Fisco Paulista, o direito ao crédito de ICMS surge se o imposto tiver sido calculado adequadamente por meio da aplicação da alíquota sobre a base de cálculo.

Assim, ante o cumprimento das condições constitucionais necessárias ao surgimento do crédito de ICMS (reconhecidas expressamente pela legislação paulista), mesmo que o Estado de origem tenha concedido unilateralmente crédito presumido do imposto, o Estado de destino não pode glosar os créditos aos quais tem direito o adquirente das mercadorias. E aqui ressaltamos que a cláusula contida no §2º do artigo 59, do RICMS/SP (a mesma do §3º do artigo 36, §3º, da Lei nº 6.374/89) não encontra guarida na Constituição Federal, logo, em nossa opinião é ilícita.

Este foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo ao julgar a Apelação nº 529.218.5/0-00. Nesta decisão, o tribunal entendeu que o contribuinte que, fundado em documentos formalmente em ordem, adquire mercadorias ou toma serviços em outros Estados, não pode ter negado o direito ao crédito de ICMS pela pessoa política que se julgue prejudicada, pois restrições normativas locais não podem sobrepor-se ao princípio da não-cumulatividade.

Há uma razão lógica à manutenção do crédito.

De acordo com o artigo 13, §1º, inciso I, da LC nº 87/96 (clique aqui), o ICMS é calculado por dentro em razão de o imposto integrar a sua própria base de cálculo, constituindo o respectivo destaque mera indicação para fins de controle. Isto quer dizer que o ICMS está embutido no preço de venda da mercadoria e o destaque do imposto no campo "ICMS" da Nota Fiscal é meramente indicativo. Logo, quando o adquirente compra mercadoria ele (o adquirente), implicitamente, compra o ICMS, isto é, ele paga pelo ICMS.

É por esta razão que a contabilização da mercadoria em estoque se faz em valores líquidos de ICMS. Por exemplo: se o adquirente paga R$ 100,00 por determinada mercadoria em operação interestadual, seu registro em estoque será de R$ 88,00, sendo o restante (R$ 12,00) lançado na conta "ICMS a recuperar". Em outras palavras, o adquirente pagou R$ 100,00, mas comprou:

(i) R$ 88,00 em mercadoria; e

(ii) R$ 12,00 em ICMS, que será utilizado para compensar o seu imposto em outras operações.

Essa metodologia não pode (e não deve) ser afetada pelo fato de o Estado de origem da mercadoria conceder ao fornecedor da mercadoria (localizado em seu território) ter concedido um crédito presumido, afinal, este crédito presumido não afeta em nada a apuração e cálculo do ICMS lançado na Nota Fiscal de venda da mercadoria.

É dizer, mesmo com o crédito presumido, o ICMS de venda da mercadoria será calculado por dentro e integrará o preço da mercadoria, de modo que o adquirente pagará um preço que abrangerá tanto a mercadoria (cujo valor líquido de ICMS será lançado em estoque do adquirente) como o ICMS (que será lançado em "ICMS a recuperar").

Nós, advogados, devemos seguir adiante defendendo os contribuintes, que em verdade são apenas vítimas de uma guerra que não é deles. E eles, os contribuintes, devem enfrentar cada uma das batalhas que forem chamados a lutar quando tiverem seus créditos glosados pela fiscalização.
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*Especialista <_st13a_personname productid="em Direito Tributário" w:st="on">em Direito Tributário pela PUC/SP e em Tributação do Setor Industrial pela FGV - GVlaw. Membro do Conselho Consultivo da APET. Membro da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, Coordenador da Subcomissão de Direito Tributário e Financeiro. Professor dos Cursos de Especialização "Impostos Indiretos e PIS/COFINS" e "Gestão de Tributos & Contabilidade", ministrados pela APET. Advogado tributarista do Albino Advogados Associados











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