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Lombroso e o Espiritismo

As teses de Francisco Eximenos, Giambattista della Porta e Johann Kaspar Lavater tiveram influência decisiva no trabalho de Franz Joseph Gall, o médico alemão do Século XVIII criador da frenologia, doutrina que sustenta a relação entre as faculdades mentais e a conformação do cérebro, interferindo inclusive no comportamento social da criatura humana.

29/1/2009


Lombroso e o Espiritismo

Eliseu Mota Júnior*

As teses de Francisco Eximenos, Giambattista della Porta e Johann Kaspar Lavater tiveram influência decisiva no trabalho de Franz Joseph Gall, o médico alemão do Século XVIII criador da frenologia, doutrina que sustenta a relação entre as faculdades mentais e a conformação do cérebro, interferindo inclusive no comportamento social da criatura humana.

Com base nessa e em outras teorias, a Escola Positiva de Direito Penal aprofundou o estudo das causas da criminalidade, sobretudo pela análise do homem em si mesmo considerado, e não apenas do fato criminoso por ele perpetrado, como faziam até então os adeptos da Escola Clássica.

O Positivismo penal, em que se fundamenta a Criminologia, teve três fases distintas: a antropológica, com Cesare Lombroso (do qual falaremos em seguida); a sociológica, com Enrico Ferri, criador da Sociologia Criminal através de um livro homônimo lançado em 1880, e a jurídica, com Rafael Garofalo, cuja obra maior foi Criminologia, editada em 1884 e dividida em três partes — o delito, o delinquente e a repressão penal.

O médico Cesare Lombroso nasceu a 6 de novembro de 1835, em Verona, estudou em diversas universidades e depois lecionou psiquiatria, medicina forense e antropologia criminal, além de dirigir um asilo mental. Escreveu várias obras, dentre as quais O homem delinquente, A mulher delinquente e O crime, suas causas e soluções, notabilizando-se por suas teorias na área da criminologia, posto que nem sempre acatadas pelos estudiosos da matéria.

Com efeito, valendo-se da frenologia, parcialmente inspirado pelo evolucionismo darwiniano do final do Século XIX e depois de examinar exaustivamente inúmeros crânios de infratores vivos e mortos, em busca de alguma relação entre a formação craniana dessas pessoas e seus crimes, Lombroso inicialmente classificou os criminosos em natos, epiléticos, passionais, insanos e ocasionais, além dos matóides, alcoólatras e histéricos.

De todas essas categorias, a mais polêmica é a do criminoso nato que, segundo Lombroso, seria atávico por degeneração, com deformações e anomalias anatômicas, fisiológicas e psíquicas. Desse modo, por causa do atavismo, que é a presença hereditária de certos caracteres físicos ou psíquicos de ascendentes remotos em descendentes atuais, esse tipo de pessoa já nasce delinquente, fato que implica na aceitação do determinismo penal, verdadeiro dogma para os positivistas, com exclusão do livre-arbítrio, que é sustentado pelos clássicos.

Mais tarde, influenciado pelos citados estudos de Ferri e Garofalo, e depois de inabalavelmente convencido da realidade dos fenômenos espíritas, sobretudo após o seu encontro com a médium Eusápia Paladino, quando assistiu estupefato à materialização do Espírito da sua própria mãe, Lombroso teve de curvar-se à inexorabilidade do livre-arbítrio na base do móvel das ações humanas, inclusive as criminosas.

Miguel Reale Júnior, motivado pelo centenário da desencarnação de Lombroso, ocorrida em Turim a 19 de outubro de 1909, escreveu interessante artigo intitulado Razão e religião, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 3 de janeiro de 2009, abordando alguns estudos lombrosianos, inclusive o livro Hipnotismo e mediunidade, escrito depois que o psiquiatra italiano aceitou a fenomenologia espírita.

No crédito do artigo, consta que seu autor é advogado, professor-titular da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Paulista de Letras e foi ministro da Justiça, mas não diz se ele é ou não espírita, embora cite expressamente Allan Kardec e O livro dos Espíritos. Além disso, aceita sem hesitação a tese espírita do livre-arbítrio, e termina da seguinte forma: "O homem possui uma liberdade, mais que situada, sitiada, sem deixar de ter, contudo, uma esfera de decisão última pela qual define a realização da vontade e a do seu próprio modo de ser. Sem liberdade perdem sentido a dignidade do homem e a imortalidade do espírito".

O trabalho do professor Reale Júnior está repercutindo muito bem, com rasgados elogios de estudiosos da problemática humana, sobretudo por causa do renome nacional e internacional do articulista, profundo conhecedor da ciência penal e que agora aceita publicamente o fator espiritual na gênese do comportamento criminoso. Realmente, como ensinou o saudoso Deolindo Amorim, na visão espírita o homem não é absolutamente livre, porque diversos fatores restringem a manifestação da sua vontade, mas ele também não é mero joguete do determinismo, seja esse determinismo glandular, psicológico ou imposto pelas contingências sociais. Sabe o que está fazendo e deve responder pela sua conduta, posto que, no dizer de Fernando Ortiz, para o Espiritismo "a defesa social humana é um fundamento imediato da penalidade entre os homens; seu fundamento mediato e supremo é a tutela, a correção do delinquente, seu melhoramento moral, seu progresso".


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*Promotor de Justiça aposentado e professor universitário





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