Alimentos gravídicos e a Lei n. 11.804/08 - Primeiros reflexos
Douglas Phillips Freitas*
Introdução
Os alimentos gravídicos compreendem conforme redação do art. 2º da referida lei como sendo "os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes".
I - Do quantum dos alimentos gravídicos
A leitura do texto informa claramente que os valores dos alimentos gravídicos compreendem aqueles "adicionais do período de gravidez", "a juízo do médico", ou seja, salvo se a genitora não possuir condições de auto-sustento, o que poderá prejudicar o desenvolvimento fetal, deverá ser instruída na exordial documento médico que determine "alimentação especial" ou "demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis", e, no tocante a possibilidade de despesas "outras que o juiz" considerar pertinentes, deverão ser discriminadas para que não haja julgamento extra ou ultra-petita.
Ainda, na fixação do pensionamento mensal, deverá ser levado em conta os elementos trazidos na referida norma, porém, no tocante as despesas de internação e parto, por exemplo, salvo ajuste das partes, é temerário impor ao suposto pai, principalmente de forma liminar, tais custos quando já são arcados pelo SUS ou convênio médico que a genitora talvez possua.
Embora os critérios norteadores para fixação do quantum sejam diferentes dos alimentos previstos no art. 1694 e seguintes do Código Civil de 2002 (clique aqui), quando determinados, o raciocínio é o mesmo, ou seja, é levado em consideração todas as despesas relativas a gravidez (necessidade) e o poder de contribuição do pai e da mãe (disponibilidade), resultando na fixação proporcional dos rendimentos de ambos, já que a contribuição não é somente de um ou de outro.
II - Da natureza dos alimentos gravídicos e seus aspectos processuais
A natureza dos alimentos gravídicos é sui generis, agregando elementos da pensão alimentícia e da responsabilidade civil. Da primeira, se apropria da primazia de tutela em relação a outras obrigações, enquanto da segunda, a novel lei se vale das regras de integral reparação patrimonial.
Mesmo que a lei não tenha se valido expressamente do Código Civil de 2002 como regra supletiva, como o fez com as Leis 5.478/68 (Ação de Alimentos - clique aqui) e 5.869/73 (Código de Processo Civil - clique aqui), pelo escopo da norma que é o de proteção a mãe e da futura prole, não há óbice para aplicação do Código Civil de 2002 é aplicável, principalmente nos termos do art. 1698 que tem a seguinte redação:
"Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide".
Controvérsia, porém, instala-se no termo inicial dos alimentos gravídicos. No projeto que deu origem a lei, era previsto que seu termo inicial era a citação, mesmo como o veto presidencial, teoricamente a regra é a mesma, pois assim determina o Código de Processo Civil. Numa interpretação sistemática, entretanto, por tratar-se de norma específica, mais recente, que na sua estrutura já determina que os alimentos gravídicos são as despesas adicionais que compreendem "da concepção ao parto", é possível requerer que o termo inicial se dê na concepção, mesmo antes do ajuizamento da ação.
É claro que tal posicionamento será contraposto pelos processualistas, porém, no escopo da nova norma que apregoa integral proteção a mãe e ao menor estas regras devem ser relativizadas, pois, por analogia (e por hibrida origem alimentícia e indenizatória), pode-se aplicar, por exemplo, a regra do pensionamento ou mesmo da indenização da responsabilidade civil onde o marco inicial é o do sinistro, ou seja, do fato originador da responsabilidade civil. conforme art. 398 do Código Civil de 2002 que dispõe que:
"Nas obrigações provenientes de ato ilícito, considera-se o devedor em mora, desde que o praticou".
A lei informa que tal regra é aplicada ao ato ilícito, porém, o que é o desamparo alimentar e das despesas de gravidez do pai em relação a mãe se não o conceito de ato ilícito trazido no amplo art. 186 do Código Civil:
"Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
A execução dos alimentos gravídicos se dará pelo art. 732 ou 733 do Código de Processo Civil e ante a morosidade processual, não se verá, salvo raras comarcas, a efetivação da ação constitutiva do direito e o cumprimento desta sentença, talvez com pena de prisão ao inadimplente no exíguo prazo de 300 dias da gestação.
III - Do ônus probatório
Salvo a presunção de paternidade dos casos de lei, como imposto no art. 1597 e seguintes, o ônus probatório é da mãe. Mesmo o pai não podendo exercer o pedido de Exame de DNA como matéria de defesa, cabe a genitora apresentar os "indícios de paternidade" informada na lei através de fotos, testemunhas, cartas, e-mails, entre tantas outras provas lícitas que puder trazer aos autos, lembrando que ao contrário do que pugnam alguns, o simples pedido da genitora, por maior necessidade que há nesta delicada condição, não goza de presunção de veracidade ou há uma inversão do ônus probatório ao pai, pois este teria que fazer (já que não possui o exame pericial como meio probatório) prova negativa, o que é impossível e refutado pela jurisprudência.
Há necessidade de aplicação da regra do art. 333, inc. I, do Código Civil de 2002 que informa que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito. Mesmo sem o Exame de DNA há algumas provas que podem ser produzidas pelo suposto pai, como prova de vasectomia, por exemplo.
Os artigos 1597 a 1602 do Código Civil elenca possibilidades de presunção ou não de paternidade de acordo com casos de traição, vasectomia, impotência sexual, novas núpcias, entre outras. Embora as regras acima trazidas nos casos de casamento, não há óbice para serem interpretadas extensivamente para casos de União Estável.
IV - Da conversão, revisão e extinção dos alimentos gravídicos
A lei dos alimentos gravídicos informa no parágrafo único de seu artigo 6º que:
"Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão".
Com o nascimento com vida, a revisão dos alimentos deverá ser feita cumulada com a investigação de paternidade caso não seja esta reconhecida, e, com o Exame de DNA a ser realizado se verificará se são ou não devidos os alimentos, lembrando, é claro, que não há possibilidade de retroagir os valores já pagos se der negativo o referido exame haja visto a natureza desta obrigação.
Independentemente do reconhecimento da paternidade, por ser os critérios fundantes da fixação do quantum da pensão de alimentos e dos alimentos gravídicos diferentes, não sendo suficientes ou demasiados, urge a necessidade de revisá-los nos mesmos moldes do que já informa a lei civil de 2002 em seu art. 1699 "Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação financeira de quem os supre, ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo". Esta revisão poderá ser realizada, também, durante a gestação, embora pela morosidade processual, dificilmente se verá o fecho desta demanda antes do nascimento do menor.
A extinção se dará automaticamente em casos de aborto e, também, após o nascimento, comprovado que a paternidade não é daquele obrigado pelos alimentos gravídicos.
V - Presunção de paternidade
A lei informa que a fixação dos alimentos gravídicos se dará de acordo com convencimento do juiz da "existência de indícios da paternidade" conforme dito do art. 6º da referida norma. Não é possível realizar qualquer exame pericial, pelo menos na tecnologia atual, sob pena de por em risco a existência do feto e tal possibilidade não é admitida pelo nosso ordenamento jurídico que, no Código Civil de 2002 regra de seu art. 2º "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".
Os indícios de paternidade e possível acordo em audiência de conciliação não impõe, salvo que o objeto do acordo seja o reconhecimento voluntário da paternidade, a fixação do suposto pai obrigado pelos alimentos gravídicos como pai daquela prole credora dos alimentos. Ao nascer, todo o procedimento de investigação de paternidade deverá ocorrer, lembrando que se houver reconhecimento voluntário, mas, fundado este em vício de vontade, poderá ser revisitado em ação própria conforme entendimento dos tribunais superiores neste sentido.
VI - Importante contribuição do IBDFAM
O Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM teve importante atuação neste projeto, principalmente no tocante aos vetos de artigos que possuíam incongruências ante ao ordenamento jurídico e ao escopo da própria norma. Pouco mais de 15 dias antes de ser sancionada a referida lei, o IBDFAM Nacional encaminhou carta ao presidente Lula sugerindo a retirada de alguns artigos, sendo acolhida integralmente as sugestões. Conforme noticiado no site do instituto (clique aqui), foram os fundamentos dos pedidos acolhidos de veto:
Art. 3 - Deslocamento da gestante: Ao invés de melhor atender à gestante, este artigo fixava a competência judicial no domicílio do suposto pai (Art 3), forçando-a a deslocar-se para a cidade/ região do suposto pai para as audiências.
Art. 4 - Especificação de provas: Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicaria as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades."
Art. 5 - Necessidade de audiência de justificação: Este artigo impunha a realização de audiência de justificação, mesmo com provas de o réu ser o pai do filho que a autora espera. Porém, tendo em vista a possibilidade demora da realização da audiência, imperioso se mostrava a dispensa da solenidade para a fixação da verba alimentar
Art. 8 - Exame de DNA: Se o suposto pai negar a paternidade, o projeto previa "realização de exame pericial pertinente" (Art 8) para que a investigação de paternidade seja efetivada. Essa disposição colocava em risco a vida da criança. É consenso na comunidade médica que o exame de DNA em líquido amniótico pode comprometer a gestação.
Art. 9 - Pai a partir da citação: O projeto previa que os alimentos sejam pagos desde a data da citação do réu (Art. 9). A paternidade não é configurada a partir do momento em que o oficial de justiça cita o réu de uma ação dessa natureza. "Pai é assim o é desde a concepção do filho", é a máxima sustentada pelo IBDFAM, que defende que os alimentos sejam devidos pelo pai desde o momento em que o juiz distribui a ação, evitando que o réu atrase a tramitação da ação ao esquivar-se de receber o oficial de justiça.
Art. 10 - Suposto pai pode requerer indenização: A gestante, segundo o projeto, poderia ser responsabilizada por danos matérias e morais se a paternidade indicada for negativa (Art. 10). O artigo, na concepção do IBDFAM, afrontava o princípio constitucional do acesso à justiça (art. 5°, inc. XXXV da Constituição Federal - clique aqui), ao abrir um grave precedente de o réu ser indenizado pelo fato de ter sido acionado em juízo.
VII - Conclusão
Os alimentos gravídicos sem dúvida permitirão melhor tutela as mulheres em gestão e a futura prole que para seu nascimento com saúde e vida tanto precisa deste suporte financeiro do pai e de outros parentes no caso de impossibilidade daquele. Porém, é indispensável cautela, principalmente por parte do magistrado e ante a morosidade da justiça na determinação destes alimentos especiais, devendo serem fixados de forma proporcional aos rendimentos do casal e de acordo com as provas da paternidade, não podendo ser a concessão vinculada apenas na mera alegação, sob pena de não poder ser revertida a medida que concedera os alimentos. Mas colocar a culpa no magistrado ou no judiciário é fácil, é preciso, os primeiros juízes da causa, meus pares, os advogados, ao buscarem a efetividade do direito de suas clientes não o fazer de forma temerária para que num futuro próximo, este importante instituto não torne-se sinônimo de excessos e aviltamentos, como infelizmente se apresenta hoje o dano moral, imprescindível instituto manchado por sua má utilização.
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*Advogado familista. Membro da Comissão de Direito de Família da OAB/SC. Coordenador das Comissões do IBDFAM/SC. Professor de graduação e pós-graduação em Direito pela UNIBAN, IES, FMB e VOXLEGEM.
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