Breves notas sobre a morosidade do Judiciário: a atuação do CNJ e a responsabilidade do Estado
Camila Rodrigues Ribeiro da Silva*
Esse programa apresenta estatísticas que indicam que a situação do Poder Judiciário do Maranhão não está longe da lamentável realidade da maior parte do país. Os números do Sistema Contas Abertas apontam que no estado há um total de 6.812 processos conclusos, esperando julgamento há mais de 100 dias.
Além disso, informações do Sistema Justiça em Números sinalizam o aumento da taxa de congestionamento de processos na primeira instância, pois foram distribuídos 91.039 processos no ano de 2007, entretanto, apenas 30.095 sentenças foram prolatadas. Esse congestionamento também é verificado na segunda instância, visto que dos 9.230 novos casos distribuídos em 2007, foram finalizados somente 7.4291.
Diante desse quadro, a Corregedoria do CNJ determinou a instauração de uma inspeção junto à Justiça Comum de primeira e segunda instância do estado que ocorreu no último dia 23 de outubro, oportunidade em que aconteceu uma audiência pública na sala de sessões plenárias do Tribunal de Justiça, a fim de que a comunidade fosse ouvida para reclamações, informações e sugestões.
A inspeção, que contou com a presença do corregedor nacional de Justiça, o Ministro Gilson Dipp, e de outros juízes do CNJ, visou observar in loco as dificuldades que retardam a prestação jurisdicional no estado, buscando encontrar as medidas adequadas para melhorar os serviços.
A iniciativa do CNJ é válida e oportuna. Avaliar a situação dos processos em trâmite no Maranhão, analisar de perto os problemas que retardam a prestação jurisdicional no estado e buscar soluções rápidas e eficazes é de fato a maneira adequada para melhorar os serviços prestados pelo Poder Judiciário maranhense.
No entanto, esse trabalho não é capaz de ressarcir os graves prejuízos sofridos por aqueles que há muito buscaram o Poder Judiciário e, em virtude da inércia do Estado, durante anos aguardam para ver assegurados os seus direitos.
As causas dessa morosidade são apontadas por Mário Moacyr Porto que afirma que "o retardamento ocorre, em regra, pela ocorrência ou concorrência das seguintes causas: serviço mal-aparelhado e desídia do magistrado, não sendo rara a conjugação dos dois fatores negativos"2. E conclui que "se a procrastinação se dá por culpa do juiz e da 'falta de serviço', como é freqüente, responde o Estado, com ação regressiva contra o juiz negligente".
Nesse sentido manifestou-se o eminente Ministro Aposentado do Supremo Tribunal Federal, Carlos Mário da Silva Velloso, ao opinar que o "Estado é responsável, civilmente, pelos atos de seus juízes não só em razão do comportamento desidioso destes, mais, e sobretudo, pelo mau funcionamento do serviço, assim, em razão da falta do serviço"3.
A responsabilidade civil do Estado é um tema polêmico que passou por grandes avanços ao longo dos anos. Partindo-se do entendimento de que deveria prevalecer a irresponsabilização do Estado, passou-se pela responsabilização culposa, até atingir-se a responsabilidade objetiva.
Em função disso, hoje se admite responsabilizar o Estado quando o serviço público não for prestado, ou quando este se der de forma ineficiente, ou, ainda, quando na prestação do serviço houver danos a terceiros. Isso, sem prejuízo da responsabilização do agente público, nos termos do artigo 37, § 6º da Constituição Federal que prevê que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causaram a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa".
Assim, e considerando-se que o serviço judiciário é espécie do gênero serviço público, conclui-se que se o Estado deve ser responsabilizado pela falha na prestação de seus serviços, também deve ser responsabilizado pela falha na prestação dos serviços judiciários.
A questão é que a responsabilização do Estado quanto à falha na prestação de serviços judiciários tem se restringido às hipóteses de erro judiciário, ou aos casos específicos de dolo. Porém, uma nova ótica, que tem movido as recentes discussões sobre o tema, inclina-se para a responsabilização também na hipótese de morosidade na prestação da atividade jurisdicional.
A Constituição Federal (clique aqui), em seu artigo 5º, inciso LXXVIII define que "a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". Se é assim, não se pode sustentar que o Estado esteja imune a qualquer punição, já que o assunto em debate se trata de uma garantia constitucional.
Por outro lado, os que resistem a essa teoria trazem como argumentos, por exemplo, a soberania do Estado quando do desempenho da função jurisdicional; a falta de fixação de prazo razoável para o exercício de tal atividade; e a carência de recursos financeiros para aparelhar o Poder Judiciário.
Ainda que se considere tais argumentos, não se pode aceitar que o jurisdicionado arque com um ônus ao qual não deu causa. O Estado deve responder pela ineficiência de sua atividade jurisdicional, seja pela precariedade do aparelhamento de seus órgãos, seja pela forma deficiente como o serviço é prestado por seus agentes.
Assim, o trabalho desenvolvido pelo CNJ, em que pese relevante e indispensável, necessita de complementação, não daquele órgão, mas do próprio Poder Judiciário, para que os responsáveis comecem a assumir os prejuízos suportados pela parte vencedora, ocasionados pela delongada duração do processo.
O primeiro passo foi dado, resta esperar que a evolução das discussões sobre o tema responsabilidade civil do Estado abranja a morosidade na prestação da atividade jurisdicional.
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Notas
1Dados obtidos no site:(clique aqui)
2Responsabilidade do Estado por atos de seus Juízes. RT 536/11.
3"Responsabilidade Civil do Estado", publicado na Revista de Informações Legislativa – Brasília, n. 96/233.
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*Advogada associada ao escritório Ulisses Sousa Advogados Associados
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