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Ação de ressarcimento do erário prescreve em cinco anos

Apesar do recente julgamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ, Resp n. 1.069.779/SP), sob relatoria do ministro Herman Benjamin, no sentido de que pretensões de ressarcimento do erário por atos ilícitos seriam imprescritíveis, segue válida justamente a proposição contrária: a de que ações de anulação de atos administrativos e ressarcimento do erário sob qualquer fundamento prescrevem (i.é., extingue-se o direito de apresentar a ação judicial respectiva) em cinco anos.

28/10/2008


Ação de ressarcimento do erário prescreve em cinco anos

Fábio Barbalho Leite*

Apesar do recente julgamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ, Resp n. 1.069.779/SP), sob relatoria do ministro Herman Benjamin, no sentido de que pretensões de ressarcimento do erário por atos ilícitos seriam imprescritíveis, segue válida justamente a proposição contrária: a de que ações de anulação de atos administrativos e ressarcimento do erário sob qualquer fundamento prescrevem (i.é., extingue-se o direito de apresentar a ação judicial respectiva) em cinco anos.

O reconhecimento da prescrição qüinqüenal das ações de ressarcimento do erário funda-se em duas premissas normativas um tanto claras. A primeira, que, assentada no princípio da segurança jurídica e do devido processo legal substantivo, reconhece um princípio geral da prescritibilidade das ações, construído a partir do texto constitucional. Reforça essa leitura, a constatação de que, quando a Constituição (clique aqui) ressalva o princípio da prescritibilidade das ações, instituindo a imprescritibilidade (i.é., a possibilidade de a qualquer tempo apresentar uma ação), o faz explícita e especificamente, conforme se dá nos casos do art. 5º, incisos XLII ("a prática de racismo constitui crime inafiançável e imprescritível...") e XLIV ("constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático"). Já o texto da CF, art. 37, Parágrafo 5° ("A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.") é ambíguo, pois sua parte final pode ensejar pelo menos três leituras: ações de ressarcimento observariam prazo prescricional já definido na legislação vigente no momento da promulgação da Constituição; ações de ressarcimento observariam um outro prazo, definido em nova lei, mas distinto, maior ou menor, do prazo previsto para o sancionamento do ilícito que causou prejuízo ao erário; ações de ressarcimento seriam imprescritíveis. Ora, teria sido muito fácil, se assim o quisesse, que a Constituição explicitasse uma hipotética regra da imprescritibilidade das ações de ressarcimento do erário, bastando, p. ex., terminar o referido CF, art. 37, Parágrafo 5° com a proclamação "sendo imprescritíveis as respectivas ações de ressarcimento". Não estando entre as ressalvas explícitas e específicas que a Constituição faz ao princípio geral da prescritibilidade das ações, as pretensões de ressarcimento do erário por ilícitos devem encontrar um prazo prescricional, questão que leva à interpretação da legislação infraconstitucional e à segunda premissa.

No âmbito da legislação infraconstitucional, a referência ao prazo qüinqüenal de prescrição de ações que versem sobre atos administrativos (tanto de pretensões que visem anulá-lo, quanto de pretensões que busquem ressarcimento ou pagamento da Administração Pública) é uma constante: o Decreto-lei n. 20.910/32 (clique aqui), prevê o prazo qüinqüenal para ações contra a fazenda pública; a Lei n. 4.717/65 (clique aqui), art. 21 define o prazo qüinqüenal para as ações populares (que buscam anulação de atos administrativos e ressarcimento do erário); qüinqüenal também é o prazo previsto na Lei n. 9.873/99 (clique aqui), art. 1º para decadência do direito de a Administração sancionar particulares no exercícios de poder de polícia. Todas essas disposições legais apontam, portanto, para uma valoração legislativa enfática em torno (i) da prescrição e (ii) do prazo de cinco anos. Na esteira dessa leitura, o mesmo STJ, por sua 1ª turma, sob relatoria do ministro Luiz Fux (Resp 406.545/SP), proclamou que "A Ação Civil Pública não veicula bem jurídico mais relevante para a coletividade do que a Ação Popular. Aliás, a bem da verdade, hodiernamente ambas as ações fazem parte de um microssistema de tutela dos direitos difusos onde se encartam a moralidade administrativa sob seus vários ângulos e facetas. Assim, à míngua de previsão do prazo prescricional para a propositura da Ação Civil Pública, inafastável a incidência da analogia legis, recomendando o prazo qüinqüenal para a prescrição das Ações Civis Públicas, tal como ocorre com a prescritibilidade da Ação Popular, porquanto ubi eadem ratio ibi eadem legis dispositio’. Esse precedente tem sido reiterado unanimemente na 1ª Turma do STJ (Resps 910.625/RJ, 727.131/SP).

E é notável que, após a Constituição de 1988, o Judiciário permaneceu reconhecendo e aplicando sem maiores hesitações o prazo prescricional de 5 anos às ações populares (STJ, Resp 36.490/SP), que, como bem identificou o ministro Fux, têm objeto e fundamento jurídicos relevantemente aproximados aos das ações civis públicas que persigam a anulação de atos administrativos e o ressarcimento do erário.

Já o entendimento recentemente esposado pela 2ª Turma do STJ (Resp 1.069.779/SP), além de cuidar de tema cuja manifestação última cabe ao Supremo Tribunal Federal (interpretação do texto constitucional do art. 37, Parágrafo 5°), padece, venia concessa, de uma visão simplista do princípio da moralidade administrativa. O reducionismo está em esquecer o profundo conteúdo ético-moral presente no princípio da segurança jurídica e seus reconhecidos corolários dos princípios da estabilidade (estabilização) das relações jurídicas e da prescritibilidade das ações, os quais apontam para a necessidade de que, escoado razoável tempo, estabilizem-se as relações jurídicas criadas no âmbito da operação do sistema jurídico e assim tornem-se invulneráveis a questionamentos seja no âmbito da Administração Pública, seja no âmbito do Judiciário. Está aí um requisito elementar para que o sistema jurídico possa operar uma de suas principais funções: a pacificação social. (Aliás, é curioso que os maiores defensores da imprescritibilidade das ações de ressarcimento ao erário não duvidem que coisas muitos mais graves prescrevem, como a possibilidade de o Estado apresentar ação penal contra o autor de homicídio.)

Há uma realidade aqui da qual o leigo jurídico não atina, mas que é de inescusável esquecimento para o jurista. O direito de ação – em grossas linhas, o direito de pedir que o Judiciário se manifeste sobre uma dada pretensão contra um outro sujeito de direito – não significa a procedência do direito alegado (da pretensão apresentada com a petição inicial). O mérito disto – saber quem tem razão: autor ou réu – somente será conhecido ao ensejo do julgamento final. A ação que alega uma pretensão ressarcitória, sob qualquer fundamento, em favor do erário é, enquanto exercício de direito de ação, apenas e tão-somente o pedido ao Judiciário que se manifeste sobre uma pretensão com esse conteúdo. No momento da apresentação da ação, quanto ao mérito da pretensão que ela envolve, autor e réu estão em posições símiles: não existe qualquer certeza jurídica sobre a procedência do quanto alegado.

O conceito de prescrição de ações justamente consiste em prever um prazo razoável durante o qual, mas não após, possa um sujeito de direito chamar um outro perante o Judiciário e mover este Judiciário a se manifestar sobre uma pretensão, que, no instante em que apresentada, é apenas e tão-somente um conjunto de alegações feitas por uma parte interessada (que é parcial – e não detentora da verdade jurídica a priori – seja quem for: Administração Pública, Ministério Público ou autor popular). Quando se diz, pois, que a ação prescreve, está-se dizendo que, de um lado, certas partes interessadas não mais podem provocar o Judiciário a se manifestar sobre um punhado de meras alegações (pretensão) suas, e, de outro, que aquele sujeito de direito contra quem seriam feitas essas alegações está livre de ter que manter um aparato documental eterno e recursos financeiros hábeis para se defender a qualquer momento que o conforto da Administração ou do Ministério Público ou o bel prazer do autor popular achem por bem convocá-lo perante o Judiciário.

Fosse correto o raciocínio inverso, chegaríamos a resultados espantosos. P. ex., a tese de que as execuções fiscais seriam imprescritíveis, porque afinal de contas pressupõe, em tese, justamente um ilícito que provoca dano ao erário: o inadimplemento da obrigação tributária a tempo e modo legalmente determinados. O mais basilar conhecimento de direito, porém, não demora a notar o absurdo de tal tese e o quão iníqua a mesma é, o que basta para demonstrar a erronia de se reputar o art. 37, Parágrafo 5° como instaurador de alguma imprescritibilidade.

Se é certo que esses cânones da estabilidade (estabilização) das relações jurídicas e da prescritibilidade das ações encontram exceções, é igualmente certo que uma leitura do texto constitucional não toldada pelo uso retórico da moralidade administrativa as identificará mais claramente com situações que envolvam a proteção a direitos fundamentais da pessoa humana, aos direitos humanos e à preservação das instituições democráticas do Estado brasileiro – não com pretensões econômicas da Administração Pública ou de quem lhe pretenda fazer as vezes como o autor popular ou o Ministério Público.

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*Advogado-sócio do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia

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