União entre pessoas do mesmo sexo
Guerras, atos de terrorismo, atentados, crimes hediondos, violência contra seres humanos, velhos, crianças e mulheres indefesos, torturas, seqüestros e ausência total de solidariedade transformam esse mundo em verdadeiro caos ou inferno dantesco.
Contudo, também assiste o homem, fascinado, a acontecimentos inimagináveis, até há pouco, de sorte que a informática, como as grandes descobertas e a revolução tecnológica e espiritual, desbrava uma nova era para a humanidade: o ingresso na idade de ouro espiritual e moral! A comunhão da humanidade através da comunicação.
Neste contexto fascinante e paradoxal, as questões sociais e o relacionamento das pessoas tornam a sociedade mais vulnerável, exigindo dela soluções imediatas e solicitando do legislador mais que mero expediente legislativo senão intensa arte de ourivesaria, na elaboração jurídica, porque o direito é a amostra de comportamento que traduz a consciência social de um povo e de uma era e deve andar de mãos dadas com a justiça social, em harmonia com as novas realidades que despontam, para não se apartar de vez do ser humano e fenecer solitário.
Uma das questões que vem exigindo profunda reflexão, neste novo século e alvorecer de um novo milênio, é a união de seres do mesmo sexo.
Noticiou a imprensa que uma enfermeira e uma psicóloga declaram que o artigo 183 do Código Civil não exige que a união se realize entre homem e mulher, nem entre os impedimentos se encontra a proibição de união entre pessoas do mesmo sexo. Seu causídico também advoga essa tese, dando como certo o consentimento do magistrado e do promotor de justiça. Diz, ainda, que, na Holanda, o casamento gay ganha foros de legalização, mercê do movimento liberal que por lá grassa. Aliás, nada disso é novidade. Tornou-se realidade, permitindo-se até a adoção de crianças.
Em Porto Alegre, em decisão prolatada, em 24 de fevereiro de 1999, a douta juíza de direito, Dra. Judith dos Santos Mottecy, na ação de declaração de existência de sociedade de fato, entre duas pessoas do mesmo sexo, em que o sobrevivente postula a totalidade da herança do falecido, sentencia, com fundamento no inciso III do artigo 2º da Lei 8971/94 que o autor viveu em união estável, em uma affectio societatis, com o parceiro, reconhecendo lhe o direito ao patrimônio do companheiro.
No primeiro caso, ao contrário do que mencionam as cultas nubentes, não há nenhuma brecha na lei brasileira e, na segunda hipótese, o dispositivo legal não se comunga com a situação fáctica, porque a sociedade e a união estável são realidades distintas, visto que nada impede a sociedade entre pessoas de mesmo sexo, enquanto que a união estável tem como fundamento à união marital entre o homem e a mulher.
Na Europa, o movimento em prol da liberação dessa união, encontrou campo fértil, na Dinamarca, Holanda, Noruega, Suécia e em alguns outros países.
Na Dinamarca, a união homossexual é equiparada ao casamento heterossexual, exceto no que diz respeito à adoção, que é proibida, devendo pelo menos um dos parceiros residir permanentemente naquele país e ter nacionalidade dinamarquesa. Essa parceria pode perfeitamente ser registrada. O Código Penal criminaliza a contratação de parceria registrada por quem já for casado ou parceiro. Nesse país, o ex Ministro da Saúde, candidato ao Parlamento Europeu, Torben Lund, casou-se, em cerimônia discreta, presidida, pelo prefeito de Copenhague, com o administrador de empresas, Claus Lautrup ( Correio Braziliense, de 21 de março de 1999 ).
A legislação norueguesa é semelhante àquela, mas os parceiros podem partilhar do poder familiar ou pátrio poder, o mesmo ocorrendo na Islândia. A Suécia oficializou essas uniões e a França facultou o parceiro beneficiar-se do seguro social. Na Holanda existe a proibição de adoção de crianças pelos parceiros, no entanto faculta a lei à união civil entre homossexuais.
A Associação Americana de Psicologia e outros organismos internacionais excluíram a homossexualidade da lista de doenças mentais.
No Brasil, a situação é bem diferente. A família, na Constituição de 1934, constituída pelo casamento indissolúvel, estava sob a proteção do Estado e condicionava-se à verificação dos impedimentos e no processo de oposição, para sua validade, com observância das disposições da lei, para sua validade, ou seja, do Código Civil de 1916, ainda vigente.
A Carta de 1937 também enunciava que a família se constituía pelo casamento indissolúvel. A leitura de todos os dispositivos pertinentes demonstra inequivocamente que aquele se operava pela união do homem e da mulher.
Também a Constituição democrática de 1946 assentava que a família era constituída, pelo casamento de vínculo indissolúvel, sob a proteção do Estado.
A Constituição de 1967 e a Emenda número 1 à Constituição de 1967, igualmente consignam que a família se constitui pelo casamento e tem a proteção do Estado.
O art. 226 da Carta Magna, de 1988, mais generoso, na conceituação, determina, com ênfase e precisão cirúrgica, que a família é à base da sociedade e o casamento é civil e gratuito, reconhecido ainda o religioso, e os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher, somente recebendo a proteção do Estado à união estável entre o homem e a mulher, como entidade familiar. Esta é estendida à comunidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes e nunca pela união entre seres do mesmo sexo.
O Código Civil, em todo título referente ao casamento, faz expressa e induvidosa menção ao marido e à mulher – homem e mulher - e não poderia ser diferente, o mesmo ocorrendo, nos demais títulos e capítulos pertinentes. O anteprojeto do Código Civil não destoa dessa linha, quando indica que a mulher casada assume a condição de consorte, companheira e colaboradora do marido na direção e nos encargos da família, e realiza-se no momento em que o homem e a mulher expressam, perante o juiz, a sua vontade de estabelecer vínculo matrimonial, e o juiz os declara casados.
A Lei 9278, de 10 de maio de 1996, regulamenta o § 3º do artigo 226 da Constituição e consagra, como entidade familiar, a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.
O Código Civil prescreve, no artigo 396, que os parentes podem exigir uns dos outros os alimentos, de que necessitam para subsistir. Parentes, em linha reta, são as pessoas que estão umas para as outras, na relação de ascendentes e descendentes e, em linha colateral, ou transversal, até o sexto grau, as pessoas que provêm de um só tronco, sem descenderem uma da outra e cada cônjuge é aliado aos parentes do outro pelo vínculo da afinidade, que não se extingue com a dissolução do casamento que a originou. Os artigos 396 a 405 disciplinam as obrigações alimentares.
A Lei 8971, de 29 de dezembro de 1994, regula o direito dos companheiros a alimentos e a sucessão e determina expressamente que só a companheira comprovada de um homem solteiro, separado judicialmente, divorciado ou viúvo, que com ele viva há mais de mais de cinco anos, ou dele tenha prole poderá valer-se do disposto na Lei 5478, de 25 de julho de 1968, enquanto não constituir nova união e desde que prove a necessidade. A lei confere igual direito e nas mesmas condições ao companheiro de mulher solteira, separada judicialmente, divorciada ou viúva.
O referido diploma legal não olvidou a sucessão e rege-a, por inteiro, assim que trata das condições em que tal acontecerá. O companheiro sobrevivente terá direito, enquanto não constituir nova união, ao usufruto da metade dos bens do de cujus, se não houver filhos, embora sobrevivam ascendentes e, na falta de descendentes e ascendentes, o companheiro ou a companheira sobrevivente terá direito à totalidade da herança, contudo o artigo 3º da Lei 8971/94 preconiza que, se os bens deixados pelo autor ou autora da herança resultarem de atividade em que haja colaboração de um ou de outro, o sobrevivente terá direito à metade dos bens. O Decreto – lei 3200, de 19 de abril de 1941, e suas alterações posteriores, dispõe sobre a organização e proteção da família.
Em nenhum momento, permite qualquer rasgo ou abertura e manifesta expressamente que essa união se dá entre o homem e a mulher.
A jurisprudência tem reconhecido a união de fato, como se sócios fossem os parceiros, mas nunca uma entidade familiar, nos termos do conceito que lhe empresta a Constituição e a legislação vigente. Em memorável decisão, acerca de bens deixados por famoso pintor, no Rio de Janeiro, a Justiça decidiu, que, à semelhança de um contrato de sociedade, o esforço e a contribuição do parceiro devem ser levados em conta, na partilha dos bens, proporcionalmente à contribuição para a aquisição ou criação desses bens. Decisão mineira ponderou que a união de pessoas do mesmo sexo não gera direito algum, independentemente do período de coabitação ( Revista dos Tribunais, volume 742), entretanto o Superior Tribunal de Justiça, pela voz do Ministro Ruy Rosado de Aguiar, admitiu o direito à partilha de bens adquiridos por parceiros em vista de sua mútua colaboração.
A orientação jurisprudencial do Excelso Pretório, ainda antes da chancela constitucional ao concubinato, ensina Roberto Rosas, firmou-se no sentido de considerar as conseqüências desta união (entre o homem e a mulher), notadamente quando haja aferimento de vantagens, mercê dos esforços de ambos (Direito Sumular, 2ª edição, Revista dos Tribunais).
A Declaração Universal dos Direitos Humanos consagra a família como elemento natural e fundamental da sociedade, assegurado o direito de ser protegido pela sociedade e pelo Estado e reconhecendo o direito do homem e da mulher contraírem o casamento, em idade núbil, com o seu consentimento pleno e livre.
Os romanos definiam o casamento como a conjunção do homem e da mulher que se associam para a vida toda. Os grandes pensadores sempre viram no casamento a união entre o homem e a mulher, como meio de se reproduzirem, perpetuando a espécie, e ajudarem-se mutuamente. Sem dúvida, além desses pressupostos fundamentais, não há que olvidar a relação de amor que enlaça os nubentes. O Novo Dicionário Aurélio também conceitua o casamento como o ato solene de união entre duas pessoas de sexos diferentes.
Noé, quando recebeu a ordem divina para recolher-se à Arca, devia fazê-lo, levando consigo a sua mulher, além de seus filhos, e as mulheres de seus filhos e de tudo que vive, de toda carne, dois de cada espécie, macho e fêmea. Sempre, cumprindo a ordem divina, entraram na arca dois em dois, macho e fêmea.
Qualquer exegese diversa estará fraudando o sistema jurídico brasileiro.
Não obstante, o direito não pode passar por cima dos fatos, nem olvidar o homem ou ignorar a realidade.
O Estatuto Universal dos Direitos Humanos confere a toda pessoa o direito de associar-se livremente a outras sem ser molestada por suas opiniões, nem poderá ser objeto de ingerências arbitrárias ou ilegais em sua vida privada. A lei deve protegê-la sempre e a Constituição brasileira assenta como objetivo fundamental à construção de uma sociedade solidária, justa e livre, visando a promoção do bem estar de todos indistintamente. A coexistência entre os seres humanos é fundamental. O Livro dos Livros também o diz e assim está escrito: "Ele ama a retidão e a justiça; a Terra está cheia de benignidade do Eterno... O Eterno olha lá do céu, vê todos os filhos dos homens. Lá do lugar da Sua habitação, dirige Seu olhar para todos os habitantes da Terra. É Ele quem forma o coração de todos eles, quem considera todas as suas obras" (Salmo 33).
O grave erro reside na interpretação literal das normas, quando se pretende impor a vontade sobre os outros, sem o mínimo respeito às individualidades e à liberdade.
Da mesma forma que a lei brasileira reconhece a união estável entre o homem e a mulher, proíbe as designações discriminatórias relativas aos filhos, e também às pessoas homossexuais, não podendo, porém, estas se unirem, sob o pálio do direito, já que a Constituição e a lei civil, proíbem, expressamente, essa união, acompanhando a consciência da sociedade. Deverão ter sua situação regulada por legislação específica que preveja uma sociedade de fato, apenas para efeitos sucessórios, como, aliás, vem despontando, timidamente, na jurisprudência.
As pessoas, que optaram, por assim viver, devem ter respeitada a sua determinação, pois a vida é o bem mais precioso do ser humano, mas a vida sem liberdade não tem qualquer significado, nem dignidade.
Sem contrariar os cânones constitucionais e a consciência social, um projeto regulamentador deve-se restringir a disposições que disciplinem rigorosamente sua vontade, com relação aos seus bens, à sucessão e à percepção de seguro ou benefícios previdenciários, facultando a designação pura e simples de beneficiário, para usufruir esses benefícios1.
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1Neste mesmo sentido, consulte-se artigo do Professor Airton Rocha, na Revista Meio Jurídico, nº 30, novembro de 2000.
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*Advogado e Subprocurador-Geral da Fazenda Nacional aposentado
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