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Impossibilidade de inversão do ônus da prova na sentença

É sabido que o Código de Defesa do Consumidor prevê, no artigo 6º, VIII, como direito básico do consumidor, “a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências”.

1/10/2008


Impossibilidade de inversão do ônus da prova na sentença

Ulisses César Martins de Sousa*

É sabido que o Código de Defesa do Consumidor (clique aqui) prevê, no artigo 6º, VIII, como direito básico do consumidor, "a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências".

Em sede doutrinária muito já se escreveu sobre o tema, permanecendo, como grande controvérsia, a questão relacionada à definição do momento processual adequado para a realização da inversão do ônus da prova.

As regras acerca da distribuição do ônus da prova, no processo civil, encontram-se sintetizadas no artigo 333 do CPC (clique aqui). É nessa norma que resta indicado quem sofrerá o prejuízo (ônus) decorrente da ausência de prova acerca de um fato controvertido e relevante do processo.

A inversão do ônus da prova não é regra. É exceção. É medida que somente poderá ser adotada pelo juiz do feito, em decisão fundamentada, se presentes os requisitos estabelecidos no artigo 6º, VIII do CDC. Porém, alguns magistrados não atentam para isso e aplicam a inversão do ônus da prova como se fosse medida cabível em todos os processos em que o litígio gira em torno de relações de consumo. E, o que é pior, em muitos casos a inversão do ônus da prova tem sido realizada na sentença. Isso é inadmissível, por implicar em cerceamento de defesa e violação ao princípio do devido processo legal.

As partes, durante a instrução do processo, têm a oportunidade de levar ao conhecimento do Judiciário os meios de prova através dos quais pretendem demonstrar a veracidade das suas alegações acerca dos pontos controvertidos do processo. Como é lógico, cada uma irá fazer prova daqueles fatos cujo ônus probatório lhe é atribuído. Por conseqüência, não é razoável – e nem lógico – que, no momento da sentença, sejam modificadas as regras de distribuição do ônus da prova. Isso porque, se já encerrada a fase probatória, não terá o fornecedor a oportunidade de esclarecer os pontos controvertidos do processo cujo ônus da prova passou a lhe ser atribuído.

É evidente que deve se conceder à parte a quem foi atribuído o ônus da prova a oportunidade de se desincumbir de tal encargo. Segundo entendimento da jurisprudência, quando o juízo inverte o ônus da prova é necessária a prévia determinação a parte, em desfavor de quem se inverte o ônus, para que prove o fato controvertido. A inversão, sem esta cautela processual, implicará em surpresa e cerceamento de defesa. Por isso é que é de todo recomendável que a inversão do ônus da prova, quando cabível, seja realizada logo após a fase postulatória, antes do início da fase probatória.

A impossibilidade da realização da inversão do ônus da prova na sentença inclusive já foi reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça. É o que se constata do seguinte precedente:

"PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - CONSUMIDOR - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - MOMENTO OPORTUNO - INSTÂNCIA DE ORIGEM QUE CONCRETIZOU A INVERSÃO, NO MOMENTO DA SENTENÇA - PRETENDIDA REFORMA - ACOLHIMENTO - RECURSO ESPECIAL CONHECIDO EM PARTE E, NESSA EXTENSÃO, PROVIDO.

- A inversão do ônus da prova, prevista no artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, como exceção à regra do artigo 333 do Código de Processo Civil, sempre deve vir acompanhada de decisão devidamente fundamentada, e o momento apropriado para tal reconhecimento se dá antes do término da instrução processual, inadmitida a aplicação da regra só quando da sentença proferida.

- O recurso deve ser parcialmente acolhido, anulando-se o processo desde o julgado de primeiro grau, a fim de que retornem os autos à origem, para retomada da fase probatória, com o magistrado, se reconhecer que é o caso de inversão do ônus, avalie a necessidade de novas provas e, se for o caso, defira as provas requeridas pelas partes.

- Recurso especial conhecido em parte e, na extensão, provido."

(REsp 881.651/BA, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 10.04.2007, DJ 21.05.2007 p. 592)

Sobre o tema, oportunas as colocações lançadas no voto do relator, o ministro Helio Quaglia Barbosa que, ao tratar do momento para inversão do ônus da prova, foi claro ao afirmar que "dúvida não há quanto à possibilidade de inversão do ônus da prova ainda na fase instrutória - momento, aliás, logicamente mais adequado do que na sentença, na medida em que não impõe qualquer surpresa às partes litigantes".

Diante da clareza, da lógica e da razoabilidade de tal entendimento, há de se esperar que tal precedente ilumine os caminhos da jurisprudência sobre o tema, de forma a evitar que defesa dos fornecedores em juízo continue a ser cerceada pela nefasta prática de inverter-se o ônus da prova na sentença.

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*Advogado em São Luís/MA. Conselheiro Federal da OAB e sócio do escritório Ulisses Sousa Advogados Associados










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