Isso é verdade
Sérgio Roxo da Fonseca*
Desde criança sabemos o que é e o que não é verdade. Temos a certeza íntima de que nosso bom senso sempre nos leva à luz. No passado houve alguém para ensinar que não devo dizer mentiras, mas, verdades, salvando assim minha alma das labaredas infernais.
Conquanto assim seja, os pensadores ensinam que é possível teorizar sobre o conceito de verdade. Isso é verdade? O que é isso? O que é ser? O que é verdade? Empregando assim uma técnica análoga àquela que se usa para classificar os objetos da natureza, distinguindo-se um elefante de um mamoeiro.
Sócrates esmagou Protágoras ao demonstrar que o homem não é a medida da verdade. Talvez os homens, todos eles, ou muitos deles, seriam a medida da verdade. A avaliação subjetiva tende a alterar a força do juízo objetivo. Houve um brasileiro, Nelson Rodrigues, que identificou a burrice em toda unanimidade.
Pela falácia, por exemplo, alguém pode expressar uma verdade para fazer seu interlocutor acreditar numa mentira. O clássico filme "Testemunha de Acusação", dirigido por Wilder, é uma perfeita lição do que agora se diz: o que é verdadeiro pode ser falso e o que é falso pode ser verdadeiro.
Duas correntes distanciam-se na matéria, os absolutistas e os relativistas.
Os absolutistas afirmam que a verdade decorre de uma única fonte fundante, criadora de um sistema fechado imune a qualquer contradição. Tal fonte pode ser Deus, ou a razão, ou uma visão ideológica totalizante, como, por exemplo, o comunismo ou, ao contrário, o mercado. A diversidade aqui não é admitida. Quem crê em mim, crê em mim. Quem não crê em mim, não crê em nada.
Os relativistas argumentam que não existe sistema fechado porque a realidade não é natural, mas, sim, humana, resultando daí uma infinitude de pontos de vista gerados e substituídos de conformidade com as necessidades da época. Pedro e Antônio podem estar olhando para a mesma rosa, retirando de suas experiências pessoais resultados diferentes. A verdade poderia estar oculta num caleidoscópio, gerando visões multifacetadas dos homens. A diversidade aqui é a regra. Perto disso, Wittgenstein disse que a verdade de uma circunstância pode não ser a verdade de todas as circunstâncias. Então a verdade é circunstancial?
Ainda recentemente os documentos expedidos pelos dois últimos Papas condenam o relativismo, reconhecendo ser filho do Iluminismo que fez explodir a visão da realidade em tantos pedaços impedindo a reconstrução de um juízo único do real. Argumentaram que o entendimento do mundo exige o reconhecimento de Deus como norma fundante do sistema. Todo aquele que nega Deus está fora do sistema.
Para outros, o mercado é a norma hipotética fundamental, convertido na fonte onipotente, onisciente e onipresente. Todo aquele que nega o mercado também está fora do sistema.
O tema é de guerra e da paz, pois vai de alfa a ômega. Blackburn cita Chesterton:
"Convém lembrar a observação de G. K. Chesterton de que o problema com todos que deixam de acreditar em Deus não é que vão acabar acreditando em nada, mas, sim, que vão acreditar em qualquer coisa".
Vão acreditar talvez no lobisomem ou na mula sem cabeça. Se é que necessitam acreditar que algo seja verdadeiro. O livro de Blackburn, em linguagem acessível, examina os vários caminhos que a humanidade percorreu para poder afirmar que isso é ou não é uma verdade.
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