A anistia e o PNA
Jorge Rubem Folena de Oliveira*
O PNA era tão importante e necessário para a transformação do Brasil, que, segundo revelou a Central de Inteligência Americana - CIA, foi um dos primeiros alvos a serem combatidos durante o regime militar. (O Globo, de 1/7/07, p. 36)
Depois de muitos anos, e após a reintegração no serviço público de vários participantes do PNA, nos governos Sarney até Itamar Franco, a Comissão de Anistia passou a seguir a mesma orientação adotada pelos consultores jurídicos do governo FHC, que, valendo-se de aforismos jurídicos, negaram idêntico direito àqueles jovens, hoje anciãos, sob o argumento de que o PNA não tinha caráter permanente, "por se tratar de um programa de governo".
A Comissão limitou-se a uma análise superficial, cujo objetivo principal é manter vivas as idéias neoliberais defendidas por FHC, que visam apenas diminuir os custos da administração pública, impedindo a reparação aos brasileiros reconhecidos pelo próprio órgão como tendo sido perseguidos politicamente.
Como pode a Comissão conceder anistia política aos integrantes do PNA, mas negar-lhes o direito à reintegração no serviço público? Reconhecer uma condição, sem conceder o direito dela decorrente é uma contradição política e um aleijão jurídico, em especial quando praticada por um governo que se diz democrático e progressista, mas que renega a História de seu povo.
Foi o que fez a Comissão, nos casos julgados em bloco a partir do primeiro semestre deste ano, quando limitou-se a anistiar e determinou o pagamento de uma reparação equivalente a sessenta salários mínimos, para diversos ex-integrantes do PNA.
A propósito, com base em que a Comissão estabeleceu que o PNA era provisório? O Programa era, sim, uma política de governo, como tantas outras, e só não foi adiante em razão do golpe militar de 1964, que tinha o PNA como um de seus principais alvos, conforme admitido pela Comissão.
Na verdade, a Comissão está diante do dilema de Hamlet, uma vez que reconhece a existência de servidores oriundos do PNA, reintegrados ao Ministério da Educação (muitos já aposentados), porém nega o mesmo direito a outros em idêntica situação, em violação ao princípio da isonomia (art. 5º da Constituição - clique aqui).
Vale lembrar que todos os que ingressaram na administração pública sem concurso, especialmente durante a ditadura de 1964 a 1985, e até cinco anos antes da promulgação da Constituição de 1988, tornaram-se "estáveis no serviço público" (art. 19 do ADCT).
Dessa forma, o justo e correto seria também considerar estáveis os integrantes do PNA, aprovados em concurso público, mas que não puderam levar adiante suas atividades em razão do regime instalado a partir de 1.º de abril de 1964.
Se até os contratados sem concurso, durante o regime de exceção, tornaram-se estáveis no serviço público, muito mais íntegro seria reconhecer igual direito aos aprovados em processo seletivo na vigência de um estado democrático.
A esse respeito, a própria Comissão afirmou em seus pareceres que "no Rio de Janeiro realizou-se uma chamada pública para seleção de alfabetizadores, que após serem selecionados, foram recrutados através da publicação de edital contendo lista dos aprovados".
Portanto, não basta o Ministério da Justiça pugnar por anistia. Tem que, de fato, assumir uma postura digna em relação aos que o Ministério reconhece como "anistiados políticos", mas aos quais não concede a devida reparação, consubstanciada na reintegração ao serviço público, que lhes é assegurada de direito.
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*Sócio do escritório Folena, Jordão e Barbosa - Advogados & Consultores
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