Migalhas de Peso

A reinvenção da advocacia

Um atento observador da história da humanidade afirmaria que em questão de décadas toda estrutura social hoje vivida se transformará vertiginosamente: os valores políticos e sociais, as artes, as instituições básicas.

25/10/2004

A reinvenção da advocacia


Rodrigo D’Almeida Bertozzi*

Lara Cristina de Alencar Selem*


Um atento observador da história da humanidade afirmaria que em questão de décadas toda estrutura social hoje vivida se transformará vertiginosamente: os valores políticos e sociais, as artes, as instituições básicas. Daqui cinqüenta anos, existirá um novo mundo, e as pessoas nele nascidas não conseguirão nem mesmo imaginar onde viveram seus avós e nasceram seus pais.

É o que ocorre atualmente com a advocacia.

Um advogado que tivesse militado na década de 1970 não conseguiria reconhecer o mundo que se apresenta hoje aos operadores do Direito. O sistema, o qual é a base do serviço jurídico no Brasil, está sendo gradativamente demolido: lentidão, linguagem hermética, vaidade excessiva e atraso tecnológico estão literalmente sendo banidos das práticas jurídicas correntes. O cliente mudou sua forma de agir e de pensar. A tecnologia acelerou a disponibilidade imediata de um volume incalculável de informação. E, milhares de novos advogados são despejados anualmente no já abarrotado mercado jurídico brasileiro. Esses fatos, somados a outros tantos, estão obrigando os advogados a uma revisão plena de suas atividades cotidianas, de suas estratégias institucionais, de sua postura profissional.

E, em cada salto evolutivo, alguns poucos conseguem acompanhar e responder às mudanças, e outros tantos ficam para trás. Como em nenhum outro momento, a profissão do advogado está sendo reinventada e revisada, colocando em xeque-mate décadas de conhecimento na relação cliente-advogado.

Não se trata de reinventar o saber jurídico, nem a retórica. Em todo escritório que se preze, estes devem permanecer em grau de excelência. É a advocacia que está mudando, não o Direito. É a forma pela qual o advogado administra seu escritório (seu negócio) e sua vida profissional é que está passando por profundas transformações, não a prática jurídica em si.

Ainda prevalece um certo ceticismo quando a advocacia é comparada ao mundo corporativo, como se o meio jurídico fosse preso em uma tela de vidro de outro tempo. Seja pela teia evolutiva do meio, seja pelas exigências dos clientes, houve uma violenta transformação da profissão do advogado.

Nove Enfoques para a Reinvenção da Advocacia

Gestão do Conhecimento Jurídico

Quando o êxito é baseado no aprendizado, as pessoas são fundamentais para a empresa, especialmente, caso se trate de uma empresa de serviços jurídicos. Afinal, o conhecimento está armazenado na mente das pessoas, dos advogados. É preciso um novo modo de pensar sobre como medir o sucesso nos escritórios de advocacia, uma vez que esse depende da habilidade em gerir pessoas e fazê-las desenvolver uma consistente base de conhecimentos que faça do capital intelectual acumulado a maior riqueza construída num escritório jurídico. Seguindo a orientação de Cássio Dreyfuss, vice-presidente e diretor de pesquisa para a América Latina do Gartner Group Brasil, é necessário: identificar um problema; começar a mudança; mapear o conhecimento; criar o repositório de conhecimento; criar o acesso; medir o resultado.

Empreendedorismo Jurídico

Empreendedor Jurídico é aquele advogado que busca incansavelmente oportunidades em cada situação cotidiana. É aquele que aceita romper com o passado do tradicionalismo profissional, enfrenta o tempo presente da crise econômica, da competição acirrada e da evolução tecnológica, para alcançar o futuro que almeja. É aquele que alcança o sucesso por meio de estratégia, ousadia e coragem. É aquele que sabe que, se não for o responsável pela implementação de uma nova idéia (seja no desenvolvimento de uma grande e inédita tese jurídica, seja com relação ao atendimento a seus clientes, seja na exploração de um novo nicho de mercado), alguém invariavelmente o será.

Mudança na Grade Curricular dos Cursos de Direito

Já que os cursos de direito no Brasil se multiplicaram (passando de 69 a 762 em pouco mais de 30 anos), gerando uma explosão no número de advogados em atividade – meio milhão de profissionais – e conseqüentemente um aumento na concorrência, nada mais justo que tentar neutralizar os problemas que daí surgiram, incluindo na grade curricular, disciplinas que prepare melhor o acadêmico para ingressar no mercado de trabalho. Disciplinas relacionadas à gestão, que ensinem como realmente funciona um escritório, uma empresa ou um cartório, proporcionará maiores oportunidades para que estes estudantes, não só sobrevivam, mas como também se destaquem na profissão que escolheram. Noções de Administração, Marketing Jurídico e Ética Empreendedorismo Jurídico, Gestão de Pessoas, Tecnologia da Informação, Marketing Pessoal, Gestão do Conhecimento e Estratégia, são temas que agregariam muito valor à formação técnica desses novos profissionais.

Adaptar-se às Mudanças é Sobreviver!

Já filosofava Heráclito, na Grécia Antiga: “Tudo muda, exceto a própria mudança”. Mudanças contínuas, fundamentais e inexoráveis. Em uma empresa, ou num escritório de advocacia, vê-se mudanças por todo lado: seja no ambiente externo – com suas turbulências conjunturais, as quais não se pode impedir – seja no ambiente interno – com as dificuldades em se alinhar vontades, ambições e ideais das pessoas que ali trabalham. Nesse mundo dinâmico, a única forma de sobrevivência é a adaptação às mudanças. E, na visão de Peter Druker, a causa básica de quase todas as crises, não é o fato de as coisas estarem sendo malfeitas, nem erradas. Na maioria dos casos, estão sendo feitas as coisas certas – mas inutilmente. Logo, parta para a reinvenção e gerencie suas mudanças.

Mudança Radical na Relação Advogado-Cliente

No passado a estrela era o advogado; hoje, a estrela é o cliente. E o primeiro não existe sem o segundo. Tomar consciência desse fato certamente trará muitos benefícios ao advogado, e ao próprio cliente, claro. Imagine-se como se você fosse seu próprio cliente. O que você preferiria? Ser recebido por uma secretária educada, num ambiente agradável com uma suave música de fundo ou se receberem você com um terrível mau humor, em uma sala de espera espremida, suja e escura? Ter o seu horário respeitado ou ficar plantado por duas horas até que chegue a sua vez de ser atendido? No momento que estiver conversando com seu advogado, prefere que seja realmente ouvido e que o seu problema seja único naquele momento ou que a conversa seja interrompida inúmeras vezes pelo celular que não pára de tocar e pelo estagiário que entra sem bater? Prefere que o advogado ligue imediatamente após o resultado daquele pedido de liminar importantíssimo ou que ele isso ocorra após “vinte” ligações suas àquela secretária mal humorada (isso vale também para aquela minuta de contrato que você solicitou)? Prefere receber mensalmente a prestação de contas dos valores adiantados a título de custas ou que ninguém saiba ao certo quanto você deixou pra esse fim? E por fim, prefere receber relatórios de processos que só advogados entendem, com termos estranhos como “conclusos”, “em carga”, ou que os relatórios traduzam exatamente a situação daquele caso e quanto a manutenção do caso está custando?

Investimento em Comunicação Integrada (Marketing Jurídico)

Antigamente bastava possuir o título de bacharel em Direito e sentar-se à espera do cliente que as coisas passavam a caminhar por conta própria. Os nomes eram construídos sem grandes esforços de marketing: bastava o advogado ser bom tecnicamente. No entanto, os cenários jurídicos mudaram para todo o sempre. Os desafios estão se inflando rumo à transformação do conhecimento jurídico abstrato em algo visível, prático e compreensível. Aprender a utilizar os modernos conceitos de marketing jurídico e sempre pautado na ética é uma poderosa idéia diferenciadora.

A Advocacia deve ser Inovadora

A organização moderna precisa ser organizada para a inovação, e esta, como disse o grande economista austro-americano, Joseph Schumpeter, é “destruição criativa”. E ela precisa estar organizada para o abandono sistemático de tudo aquilo que é estabelecido, costumeiro, conhecido e confortável. Em resumo, o escritório de advocacia precisa ser organizado para mudanças constantes e não deve ter medo das novas idéias. Inovar é preciso!

Gestão Estrategicamente Planejada

A gestão racional é o meio mais eficaz para combater a crise instaurada e a alta competição, bem como para fazer com que o escritório jurídico ajuste-se aos novos contornos da atividade econômica e à diversidade de problemas que invocam soluções com maior nível de especialização técnica. Através da gestão planejada estrategicamente tornar-se-á possível a busca pelo desenvolvimento futuro do negócio como um todo, a melhora da performance administrativa, a otimização dos recursos e do relacionamento com os clientes. Uma adequada implantação do Planejamento Estratégico em escritórios de advocacia deverá, dentre outros: identificar, por meio de pesquisa, a situação presente e as oportunidades abertas para que desenvolva suas habilidades e sua base de clientes, para poder responder com mais precisão às suas necessidades; determinar as áreas de mercado que oferecem maior oportunidade para desenvolvimento futuro; identificar áreas de especialização que deveria desenvolver em nível de excelência; e, identificar as forças atuais e fraquezas à luz das oportunidades de mercado detectadas e para desenvolver uma solução factível entre sócios e equipe, no intuito de transformar aspiração em ação efetiva.

Gestão do Capital Humano

É impressionante a multiplicidade de papéis que o advogado tem assumido na condução dos escritórios de advocacia. Ele, o advogado, assume os papéis de acionista, pois é o dono da banca, sendo necessário ter visão do negócio, capacidade empreendedora, afinidade ao risco, senso ético-empresarial, consistência de propósitos e valores, tino estratégico, entre outras; de homem de vendas, pois comercializa seus serviços, sendo-lhe requerido ser sensível ao cliente, ter intimidade com o mercado, ser competidor, praticar relacionamentos e alianças, ser negociador; de profissional de marketing, pois desenvolve o serviço, devendo ter solidez técnico-jurídica, ser inovador e atento a custos, prazos, precisão, apresentação e acabamento; e, finalmente, de gestor, pois não raro se envolve na administração geral do escritório, precisando entender de gente, finanças, comunicação, informática, atividades de apoio, orquestração de recursos, dentre outras. Como alinhar todos esses papéis? Uma boa gestão de pessoas ajuda neste desafio, uma vez que promover o desenvolvimento pessoal e organizacional permitirá aos profissionais e escritórios adquirirem novas competências, para que exerçam papéis inovadores, e minimizem os riscos que o acúmulo de diferentes funções significa.

Conclusões

Chegou o momento, pois, de dizer adeus à velha e tradicional banca do advogado sisudo e carrancudo, da secretária apática e mal-humorada que tudo faz (atende ao telefone, limpa o escritório, serve o cafezinho, cobra clientes, paga contas, “bate” as guias de custas, arruma os arquivos, etc.), da sala de espera no meio do corredor, da biblioteca empoeirada, dos móveis em tons sombrios, do arquivo desorganizado. Pois bem, a era daquele escritório que até dava medo de entrar está chegando ao fim.

Curiosamente o ser humano somente consegue enxergar melhor quando uma crise lhe abate. O equivalente corporativo do sofrimento é a crise. E nada melhor que uma para revolucionar a todos nós. É a reinvenção da advocacia, levando uma das profissões mais antigas à modernização. Ao Século XXI!
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*Advogados do escritório Selem, Bertozzi & Consultores Associados





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