Alice e as maravilhas
Sérgio Roxo da Fonseca*
No final do século XX, o jornal Folha de S. Paulo fez uma espécie de campeonato entre os melhores textos escritos durante o período. A taça do mais belo poema foi atribuída à "Terra Devastada" de Eliot. Em minha opinião, o autor tinha coisa melhor, como o primeiro poema de seus "Quatro Quartetos". Ótimo poema. Ainda assim, para o primeiro lugar votaria em "Tabacaria" de Fernando Pessoa que foi a vice-campeã.
O primeiro poema dos "Quatro Quartetos" declara que o tempo passado e o tempo futuro estão contidos no tempo presente. Não existe o futuro do passado.
O poeta valeu-se de uma imagem irresistível: "ecoam passos da memória ao longo das galerias que não percorremos em direção à porta que jamais abrimos para o roseiral".
Li agora que Eliot revelou a sua fonte de inspiração: "Alice no País das Maravilhas". Nesse livro, Alice consegue abrir uma pequena porta na toca do coelho e avista do outro lado do buraco o mais bonito jardim do mundo. Conseguia ver as roseiras, mas não podia alcança-las, o seu corpo era maior do que a porta estreita.
O olhar dirigido à utopia está esparramado por toda parte, até mesmo na Bíblia. Deus pune Moisés, impedindo que chegue à Terra Prometida muito embora possa ser ela por ele vista de longe, antes de morrer.
Fui o orador da minha turma da Faculdade de Direito. Para o bem da humanidade, o texto se perdeu. Lembro-me estar apostrofando a democracia inspirado na apóstrofe de Vieira dirigida a Cristo no sermão pregado contra os holandeses.
No final, dizia que a minha geração não permaneceria apenas admirando a rosa democrática. Estava pronta para colhê-la, ainda que de nossa mão corresse o sangue da nossa bravura.
Lembrei-me do texto ao reler a Alice de Carroll e o poema de Eliot. Foi uma suposição pretensiosa aquela exteriorizada na oração proferida em 18 de dezembro de 1963. Meses, depois, ou seja, em 31 março de 1964, tomamos conhecimento pelo ronco das armas que a rosa democrática somente poderia ser por nós avistada de longe, num jardim distante, mas nunca tocada pelos nossos dedos ainda que colorida pelos nossos sonhos.
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