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O foro especial e as ações de improbidade administrativa

Aproximando-se dos dois anos de sua instituição pela Lei n.º 10.628/02, o foro especial para autoridades e ex-autoridades políticas em ações de improbidade administrativa (no caso dos prefeitos, o Tribunal de Justiça do respectivo Estado) continua sob polêmica e ainda sofre intensa desaplicação por parte dos órgãos do Judiciário (como o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça), à exceção relevantíssima do Supremo Tribunal Federal.

1/9/2004

O foro especial e as ações de improbidade administrativa

Uma crônica da jurisprudência do STF


Fábio Barbalho Leite

José Roberto Manesco*


Aproximando-se dos dois anos de sua instituição pela Lei n.º 10.628/02, o foro especial para autoridades e ex-autoridades políticas em ações de improbidade administrativa (no caso dos prefeitos, o Tribunal de Justiça do respectivo Estado) continua sob polêmica e ainda sofre intensa desaplicação por parte dos órgãos do Judiciário (como o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Superior Tribunal de Justiça), à exceção relevantíssima do Supremo Tribunal Federal. Cuidaremos aqui de uma breve demonstração da constitucionalidade da medida, sobretudo mediante uma crônica jurisprudencial.

Aqueles que negam constitucionalidade e aplicação ao instituto alegam que: i) as competências do STF e do STJ são de estrito rol constitucional, não extensíveis por lei; ii) a instituição de foro especial é exceção à isonomia, que somente pode ser feita por norma constitucional; iii) a competência dos tribunais de Justiça é assunto de Constituição Estadual (CF, art. 125, § 1º).

Do ponto de vista constitucional, todavia, e considerando-se os entendimentos recentes do STF, há de se reconhecer a constitucionalidade do foro especial.

Ainda que não tenha natureza penal, a ação de improbidade importa em sanções das mais graves, inclusive mais intensas das previstas para vários crimes. Com efeito, das sanções penais constitucionalmente previstas (CF, art. 5º, XLVI), apenas a de restrição de liberdade não está arrolada entre aquelas imponíveis ao administrador ímprobo (indenização, multa, perda de cargo, suspensão de direitos políticos, proibição de contratar com o Poder Público e receber financiamentos de entes oficiais).

Buscando o instituto do foro especial uma proteção processual mais efetiva a determinadas autoridades que, pelo cargo que ocupam, podem e devem frustrar vários interesses, seria desarrazoado e contraditório a esse mesmo fim cingir o foro especial à sanção penal, quando lembrada a pequena e não poucas vezes inexistente distinção de gravidade entre aquela e a sanção de improbidade.

Assim, a própria compreensão sistemática do ordenamento constitucional impõe reconhecer como abrangidos no foro especial tanto os processos penais, quanto os processos de improbidade, pois o bem jurídico, protegido pelo instituto nos primeiros, encontra-se também presente e demandante da mesma proteção nos segundos. Aliás, em sentido até mais intenso, têm entendido os ministros Gilmar Mendes e Nelson Jobim, os quais, respectivamente, nas reclamações n.º 2186 e n.º 2138, em decisões monocráticas, negaram até mesmo a possibilidade de acionamento por improbidade de autoridades políticas, entendendo que essa ação destinar-se-ia exclusivamente a agentes administrativos, restando aqueles outros sancionados mediante ação de responsabilidade. Em suas decisões, os referidos ministros determinaram o trancamento de processos em primeira instância e seu encaminhamento ao STF.

Essas considerações tanto mais se impõem quanto aos prefeitos, com relação aos quais o texto constitucional é explícito em não restringir o âmbito do foro especial à matéria penal, conforme art. 29, X. Por essa disposição, o foro especial para ex-prefeitos não é exatamente uma novidade da Lei n.º 10.628/02, porém, mais propriamente, uma explicitação na lei daquilo que já decorre da Constituição. Esse dado, portanto, afasta a tese de que o foro especial para prefeitos seria tema exclusivo da Constituição Estadual: na verdade, ele já é tema da Constituição Federal.

Quanto ao foro especial para ex-autoridades, trata-se aqui de mais uma explicitação de uma conseqüência que, coerentemente, já resulta do próprio instituto do foro especial.

O objetivo do foro especial não é exatamente proteger a autoridade, mas, sim, resguardar o denodo, a tranqüilidade, a segurança e o destemor na produção de certos atos públicos que o ordenamento entende mais relevantes e de estrita competência (da competência de algumas autoridades). De fato, não se institui o foro especial para autoridade pública, tendo a sua incolumidade como preocupação precípua, mas, sim, como mecanismo de assegurar que os atos de governo praticados pelo mesmo o sejam de forma mais intimorata, ao se lhe prever um foro compatível com o status de seu cargo, um foro do qual se espera, por tendência, maiores prudência e sobriedade.

Ora, de nada adiantaria a proteção da independência e denodo no exercício do cargo, se a autoridade estivesse inteiramente sujeita a ser demandada pelos atos que praticou no exercício do cargo perante o foro comum, tão logo deixasse o posto público. Logo, seria um grande contra-senso com o próprio instituto, se o foro especial não alcançasse a ex-autoridade, quando demandada em ações de improbidade por atos praticados no exercício do cargo.

Tal tirocínio também vem sendo acatado pela jurisprudência do STF, a exemplo do decidido pelo Pleno da Corte no Inquérito 718/SP, relator ministro Sepúlveda Pertence, e até mesmo depreendido do teor da novel súmula 703 do STF: “A extinção do mandato do Prefeito não impede a instauração de processo pela prática dos crimes previstos no art. 1º do DL 201/67”. Do mesmo modo que o ex-prefeito pode ser acionado por crime de responsabilidade por atos praticados quando no exercício do mandato, também faz jus ao foro especial em ação de improbidade administrativa, caso venha a ser demandado por atos praticados quando da vigência do mandato.

E para fazer valer esse direito, a jurisprudência do STF tem seguidamente (exemplos recentes: reclamações n.º 2645, rel. min. Cesar Peluzo e n.º 2652, rel. min. Gilmar Mendes) acatado o emprego da reclamação (ação originariamente proposta perante o STF para que o mesmo faça valer a força de suas decisões perante outros órgãos estatais; CF, art. 102, I, l).

O manejo da reclamação é possível, inclusive, para fazer observar o foro especial em favor de prefeitos e ex-prefeitos, uma vez que constitui decisão do Pleno do próprio STF (conforme Agravo Regimental na Reclamação n.º 2381/MG, rel. min. Carlos Brito) o reconhecimento – e conseqüente dever de acato – da constitucionalidade e vigência da Lei n.º 10.628/02 enquanto não decidido o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade movida contra a mesma pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público – Conamp – (Adin 2797), no ensejo da qual o min. Ilmar Galvão, em 07.01.2003, no exercício da presidência do STF, negou a liminar, mantendo a eficácia da referida lei.

Verdade também que, inicialmente, alguns ministros – como Carlos Velloso (Reclamação n.º 2225 MC/DF) e Celso de Mello (Reclamação n.º 2215 MC/DF) – vinham negando liminares em reclamações para observância do foro especial, notadamente sob argumento de ausência de periculum in mora ou ausência de pressuposto negativo específico (inexistência de decisão transitada em julgado, como na Reclamação n.º 2347 MC/SP, rel. min. Celso de Mello).

Todavia, posteriormente, à decisão do Pleno sobre o tema firmada no já referido Agravo Regimental em Reclamação, oriundo de Minas Gerais, sob relatoria do min. Carlos Britto, n.º 2381, os ministros vêm seguidamente concedendo liminares em reclamações para impor a observância do foro especial. Nessa linha, inclusive o min. Celso de Mello, embora ressalvando sua posição divergente, submeteu-se ao entendimento sufragado pela maioria do Pleno do STF e passou a conhecer e deferir liminares em reclamações, inclusive quanto a prefeitos, consoante exemplo recente da Reclamação n.º 2657/PR.

Continua, entretanto, dissonante, pelo que se extrai de decisão monocrática lançada na Reclamação n.º 2702/SP, o min. Carlos Velloso, que novamente aí negou liminar a mandatário político cassado por sentença de ação de improbidade, por entender descaracterizado periculum in mora na medida que referida eficácia da sentença somente dar-se-ia com seu trânsito em julgado. Esta posição, no entanto, parece ser claramente isolada naquela corte.

O foro especial, portanto, tem tido sua constitucionalidade reconhecida ali onde mais importa: no Supremo Tribunal Federal.
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* Advogados do escritório Manesco, Ramires, Perez, Azevedo Marques, Advocacia










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