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Call Center: direitos do consumidor x direitos do trabalhador

O Ministério do Trabalho e Emprego, pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, aprovou, por meio da Portaria nº 9, de 30 de março de 2007, publicada em 2 de abril de 2007 no Diário Oficial da União, o Anexo II da NR 17, que dispõe sobre o trabalho em teleatendimento e telemarketing.

14/8/2008


Call Center: direitos do consumidor x direitos do trabalhador

Luciana Pignatari Nardy*

O Ministério do Trabalho e Emprego, pela Secretaria de Inspeção do Trabalho, aprovou, por meio da Portaria nº 9, de 30 de março de 2007, publicada em 2 de abril de 2007 no Diário Oficial da União (clique aqui), o Anexo II da NR 17, que dispõe sobre o trabalho em teleatendimento e telemarketing. Em 31 de julho de 2008 o Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva sancionou o Decreto nº 6.523 (clique aqui), que entrará em vigor em 1º de dezembro de 2008 e que fixa normas gerais sobre o Serviço de Atendimento ao Consumidor. Identificamos, aqui, alguns pontos críticos nas referidas normas legais e apontamos as atitudes preventivas que deverão ser tomadas pelas empresas que prestam serviço de atendimento ao consumidor – SAC para compatibilizá-las.

Em menos de um ano e meio, a atividade de teleatendimento foi objeto de duas novas disposições legais, uma, visando a proteção dos trabalhadores, outra, dos consumidores, causando grande repercussão neste segmento.

Com o objetivo de proporcionar aos consumidores uma melhor prestação de serviços, os fornecedores de serviço de atendimento ao consumidor – SAC terão mais trabalho, sobretudo, a partir de 1º de dezembro de 2008 e terão que se adequar não só ao Decreto 6.523, publicado em 31/7/2008, como conhecer e aplicar as regras trabalhistas, sobretudo o anexo II da NR 17 do Ministério do Trabalho e Emprego, aprovado por Portaria publicada em abril do ano passado.

Em 2 de abril de 2007 foi aprovado pela Portaria nº 09 do Ministério do Trabalho e Emprego o Anexo II da NR 17, objetivando resguardar os operadores de telemarketing, ativo ou receptivo, de sobrecarga física e psíquica geradas no desempenho de suas atividades.

As Normas Regulamentadoras são de observância obrigatória para as empresas públicas e privadas e estabelecem regras relacionadas à segurança e à saúde no ambiente de trabalho.

Assim, as empresas que não estiverem adaptadas às regras do Anexo II da NR 17, estarão sujeitas tanto à fiscalização pelos órgãos competentes e passíveis de autuação, como poderão ter um passivo trabalhista com origem em ações decorrentes do descumprimento das novas regras.

Já o Decreto 6.523, de 31/7/2008, visa a proteção dos consumidores e regulamenta a Lei nº 8.078 de 11/9/1990 – Código de Defesa do Consumidor (clique aqui).

Logo no seu artigo 4º, o Decreto já estabelece que o Serviço de Atendimento ao Consumidor – SAC, deve garantir ao consumidor, no primeiro menu eletrônico, a opção de contato com um atendente, ou seja, deve disponibilizar o atendimento humano.

Portanto, que as novas regras forçarão as empresas à aumentar as posições de atendimento é indiscutível, porém, a disponibilização de atendimento humano exige adequação às regras trabalhistas vigentes para se evitar que, além do custo extra com a contratação e qualificação dos operadores, sobre as empresas recaiam multas e condenações impostas por órgãos fiscalizadores do Ministério do Trabalho e Emprego e pela Justiça do Trabalho.

A celeridade é condição da qualidade de atendimento, exigida reiteradas vezes pelo Decreto, que expressamente em seu artigo 8º dispõe:

"O SAC obedecerá aos princípios da dignidade, boa-fé, transparência, eficiência, eficácia, celeridade e cordialidade" (grifamos).

Encontramos, outrossim, no artigo 10, a exigência de garantia de transferência imediata ao setor competente para o atendimento definitivo da demanda, caso o primeiro atendente não tenha essa atribuição (grifamos). Dispõem os parágrafos primeiro e segundo do referido artigo, sucessivamente:

"§ 1º A transferência dessa ligação será efetivada em até sessenta segundos"

"§ 2º Nos casos de reclamação e cancelamento de serviço, não será admitida a transferência da ligação, devendo todos os atendentes possuir atribuições para executar essas funções".

Prescreve, ainda, o artigo 12:

"É vedado solicitar a repetição da demanda do consumidor após seu registro pelo primeiro atendente".

No Capítulo V, que trata "Do Procedimento para a resolução de demandas", o artigo 17 determina:

"As informações solicitadas pelo consumidor serão prestadas imediatamente e suas reclamações, resolvidas no prazo máximo de cinco dias úteis a contar do registro" (Grifo nosso).

Logo, os empregadores terão a difícil tarefa de compatibilizar as regras acima com as regras do Ministério do Trabalho e Emprego. Tentar reduzir o tempo de atendimento sem causar sobrecarga física ou psíquica no operador dependerá de elaboração de programas preventivos e de muita organização.

O Anexo II da NR 17 dispõe não só sobre ergonomia, capacitação profissional e programas de saúde ocupacional e prevenção de riscos ambientais, como também sobre jornada de trabalho e assédio moral.

Estão previstos no Anexo que:

"5.2. O contingente de operadores deve ser dimensionado às demandas da produção no sentido de não gerar sobrecarga habitual ao trabalhador.";

"5.2.1. O contingente de operadores em cada estabelecimento deve ser suficiente para garantir que todos possam usufruir as pausas e intervalos previstos neste Anexo".

As pausas e intervalos são os seguintes:

a) 10 (dez) minutos de intervalos após a primeira hora de trabalho;

b) 10 (dez) minutos antes da última;

c) 20 (vinte) minutos de intervalo para repouso e alimentação;

d) pausas sem delimitação de duração a serem concedidas imediatamente após operação onde tenha ocorrido ameaça, abuso verbal, agressão ou que tenha sido especialmente desgastante para o operador.

Além disso, é regra expressa no Anexo a permissão de satisfação das necessidades fisiológicas dos operadores, que poderão sair de seus postos de trabalho em qualquer momento da jornada, sem repercussão em suas avaliações e remuneração.

Assim, tais pausas e intervalos não podem ser suprimidos/desrespeitados, sob o argumento de necessidade de aceleração do atendimento.

Quanto ao assédio moral, são expressamente vedados métodos que causem medo ou constrangimento, tais como:

"5.13 (...)

a) estímulo abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos/equipes de trabalho;

b) exigência de que os trabalhadores usem, de foram permanente ou temporária, adereços, acessórios, fantasias e vestimentas com o objetivo de punição, promoção e propaganda;

c) exposição pública das avaliações de desempenho dos operadores."

Prevê o item 5.14 do Anexo, inclusive que:

"Com a finalidade de reduzir o estresse dos operadores, devem ser minimizados os conflitos e ambigüidades de papéis nas tarefas a executar, estabelecendo-se claramente as diretrizes quanto às ordens e instruções de diversos níveis hierárquicos, autonomia para resolução de problemas, autorização para transferência de chamadas e consultas necessárias a colegas e supervisores." (grifamos)

Esta previsão vai de encontro ao disposto no artigo 10 do Decreto e seus parágrafos, que, chega até a proibir a transferência de ligação nos casos de reclamação e cancelamento de serviço, como já ressaltado anteriormente.

No que tange aos procedimentos de monitoramento, o Ministério do Trabalho e Emprego proíbe que mensagens nos monitores de vídeo, sinais luminosos, cromáticos, sonoros, ou indicações do tempo utilizado nas ligações ou de filas de clientes em espera, sejam utilizados para aceleração do trabalho.

Assim, temos que o maior desafio a ser enfrentado pelo empregador é o de proporcionar um atendimento eficiente e rápido sem incorrer em condutas que ocasionem exposição da saúde dos empregados.

Contudo, o próprio Anexo II da NR 17 traz em seu bojo os aspectos que devem ser considerados para fins de elaboração de programas preventivos a serem utilizados na organização do trabalho neste ramo de atividade. São eles:

"5.10. (...)

a) compatibilização de metas com as condições de trabalho e tempo oferecidas;

b) monitoramento de desempenho;

c) repercussões sobre a saúde dos trabalhadores decorrentes de todo e qualquer sistema de avaliação para efeito de remuneração e vantagens de qualquer espécie;

d) pressões aumentadas de tempo em horários de maior demanda;

e) períodos para adaptação ao trabalho."

Todos estes aspectos devem ser observados a fim de que, os bons resultados entre consumidores e empresas não sejam alcançados pela violação das regras de segurança e saúde do trabalhador, preservando-se, acima de tudo, a dignidade da pessoa humana, que é princípio constitucional e se aplica a ambos os sujeitos de direito.

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*Advogada, sócia do escritório Almeida Alvarenga e Advogados Associados




 

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