Migalhas de Peso

Corruptos

Todos são corruptos. Esta a terrível constatação do cientista político Bolívar Lamonier, revelada em entrevista publicada pelo “O Estado de S. Paulo”.

28/7/2008


Corruptos

Almir Pazzianotto Pinto*

Todos são corruptos. Esta a terrível constatação do cientista político Bolívar Lamonier, revelada em entrevista publicada pelo "O Estado de S. Paulo".

Não deixa de ter motivos o professor Lamonier para libelo incisivo e grave, do qual não isentou nenhum setor da sociedade. Breve lançar de olhos sobre notícias divulgadas nos últimos anos, pelos meios de comunicação, coloca-nos diante de vasto painel a nos mostrar como o peculato, a prevaricação, o estelionato, a fraude, a violação de sigilo, a associação em quadrilha ou bando, e um sem número de outras modalidades criminosas, passaram a integrar a rotina da vida nacional, tornando insuficiente o acervo de delitos tipificados no Código Penal.

O Brasil de hoje faz-me lembrar Ruy Barbosa que, em conferência intitulada "A Crise Moral", indagava:

"De onde emana essa longa série de perversões? Do mecanismo das leis? Não, senhores: da corrupção dos homens. Enquanto se não atacar essa corrupção nas suas fontes, baldadas serão todas as leis, com que nos procuremos aliviar."

Corrupção sempre houve, e haverá. A perplexidade emana das intermináveis práticas criminosas em que estão mergulhados integrantes dos poderes da República, assessores, cabos eleitorais, servidores público, lideranças sindicais, representantes da iniciativa privada e respectivos "laranjas".

Os fatos se sucedem para, algum tempo depois, recolherem-se aos bastidores, até caírem no esquecimento. O escândalo do mês será convertido em ação judicial, palco de intermináveis petições, audiências, provas, perícias, recursos, nunca se atingindo a "sentença transitada em julgado", sem a qual o maior dos quadrilheiros continuará a gozar do benefício da inocência presumida.

Quais as razões que nos precipitaram neste pântano sem margens e sem fundo? Alguns citam a falta ou fragilidade da legislação. Outros acusam a morosidade das investigações policiais, a leniência do Judiciário, o procedimento dispersivo do Ministério Público, a inconclusão das comissões parlamentares de inquérito.

A exigência da decisão penal definitiva, aliada ao princípio de que ninguém está obrigado a se auto-incriminar – interpretado como prerrogativa de sonegar fatos e contar mentiras - converteu-se em pretexto para que permaneçam livres, concorram a cargos eletivos ou continuem no exercício do mandato notórios delinqüentes, cujas práticas delituosas estão nas folhas corridas e autos de processos. São figuras lombrosianas envelopadas em ternos e gravatas de griffe, incapazes de explicar as fortunas acumuladas com reduzidos vencimentos, e despesas com mais de uma família.

Não me parece, porém, de todo correta a análise do professor Lamonier, que revela certo grau de desânimo, peca ao lançar a acusação sobre todos os brasileiros e não se ocupa das vítimas dos corruptos.

Principiei a vida profissional em sindicatos de trabalhadores, lá no início da década de 1960. Em contato com tecelões, metalúrgicos, químicos, farmacêuticos, pessoal de limpeza, bancários, robusteci a crença de que o povo é trabalhador, patriota e sofrido.

Já no exercício de funções públicas, que incluíram a direção da Secretaria do Trabalho de São Paulo, a chefia do Ministério do Trabalho, a presidência do Tribunal Superior do Trabalho, convivi com juízes, ministros, advogados e servidores imbuídos de incomparável sentido de responsabilidade e que, mesmo recebendo aquém do pagamento justo, não deixam de cumprir as obrigações com satisfação, zelo e eficiência.

Uns e outros são vítimas de desenfreada velhacaria que desvia recursos públicos para contas secretas no exterior, ou a investimentos fraudulentos no País.

Reconheço que, encerrado o regime autoritário, os ocupantes dos cargos executivos e legislativos passaram a ser eleitos diretamente, e que nem sempre escolhemos bem os representantes. A responsabilidade pelos erros cabe, porém, mais ao sistema de partidos e ao processo eleitoral, cujos vícios estimulam a barganha de siglas, alianças espúrias e compra de votos.

Os avanços registrados na economia e a estabilização da moeda, não conseguem desviar as atenções da degringolada moral que nos assola. Merecemos coisa muito melhor, para não se chegar à situação descrita por Ruy, quando as pessoas de bem passarão a envergonhar-se da honestidade.

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*Ex-Ministro do Trabalho e ex-presidente do Tribunal Superior do Trabalho





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