É preciso mudar nosso modo de vida: reflexões para a auditoria jurídica sobre o descalabro ambiental causado pelas indústrias químicas, adotando-se dentre outros, o princípio de precaução, a fim de protegê-lo
Jayme Vita Roso*
– I –
Fia-se Pachauri nos relatórios do divulgado trabalho de Grupo de Experts Internacionais sobre a Evolução do Clima (GIEC), relatórios que sustentam serem os dados publicados corretos e indicadores de que o aquecimento é sem equívoco2.
2 – De outra banda, a Associação pela Pesquisa Terapêutica Anticancerígena (ARTAC é a sigla francesa), corretamente, em 2004, publicou um documento contundente que ficou conhecido como L’Appel de Paris (O Apelo de Paris), em defesa do meio ambiente.
2.1 – Impecável a redação com enfoque humanista. No preâmbulo, promove a resenha dos mais importantes eventos relacionados com a saúde individual e coletiva, a partir da Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 7 de abril de 1948, para quem a saúde é um "estado de completo bem estar físico, mental e social e não consiste unicamente de uma ausência de moléstia ou enfermidade".
2.2 – Perpassa pela Declaração Universal dos Direitos do Homem (10/12/48), Declaração de Estocolmo (16/6/72) sobre o meio ambiente, idem, de Haia (11/3/89), Convenção Relativa dos Direitos da Criança (20/11/89), Carta Européia sobre o Meio Ambiente de Frankfurt (8/12/89), Resolução nº 45/94, da Assembléia Geral da ONU (14/12/90), Convenção sobre a Diversidade Biológica (5/6/92), Declaração do Rio de Janeiro sobre o desenvolvimento e o meio ambiente (13/6/92), Convenção OSPAR para a proteção do Atlântico Norte (22/9/92), Tratado que instituiu a Comunidade Européia, no seu artigo 174 relativo ao meio ambiente, o Protocolo de Cartagena sobre a prevenção de riscos biotecnológicos (29/1/2000), Convenção de Estocolmo (22/5/01), que reconhece os efeitos poluentes e persistentes dos poluentes orgânicos e a Declaração de Joanesburgo (4/9/2002), que fustiga o empobrecimento da diversidade biológica, a desertificação, os efeitos perversos da mudança climática, a freqüência ocorrente das catástrofes naturais devastadoras, a poluição do ar, da água e do ambiente marítimo.
A leitura desses eventos, pelo que trouxeram de contribuição na tentativa de evitar o mal maior, – a destruição da espécie humana–, deveria levar a reflexões mais sérias pelos cientistas e pelos homens públicos: isso não está ocorrendo com o alcance e profundidade exigidas por todos os seres humanos.
3 – Relevantes, no Apelo de Paris, as considerações cientificas que deram lastro ao documento de autoria de renomados homens e mulheres de grande nomeada, ilibida reputação e comprometidos com os destinos humanos nesta fase da civilização tecnológica.
Seria fastidioso repetir, um a um, os quinze enunciados, a denunciarem os perigos eminentes que o ser humano está sendo flagelado.
Às considerações, cada uma, serão lembradas as que o escriba migalheiro tem em conta que ensejarão reflexões das pessoas engajadas na luta contra o individualismo servil do homem global.
Ei-las:
3.1 – é atacada a grave degradação sanitária que ocorre no mundo;
3.2 – a OMS (Organização Mundial da Saúde) vem alertando sobre crescimento das moléstias crônicas, sobretudo a incidência global dos diversos tipos de câncer, a partir de 1950, sendo que essa doença ataca todas as idades sem exceção e vem crescendo, causada, sobretudo pela poluição química;
3.3 – em alguns produtos de substâncias químicas, quanto aos que se lhe expõem, vem provocando um número razoável de certas malformações congenitais;
3.4 – a esterilidade masculina cresce em ritmo ascendente nos países industrializados, sendo a poluição química uma das suas causas;
3.5 – a deficiência ou a falta de legislação e regulamentos para prevenção e para estancamento da poluição química, resultam no lançamento no mercado de produtos químicos que vem aumentando progressivamente o aparecimento de doenças. Dentre eles: os hidrocarbonatos aromáticos policíclicos, os amiantos, os metais tóxicos, os aditivos alimentares. E, porque a maioria deles não é biodegradável e persiste no meio ambiente, tem conduzido à contaminação da atmosfera, da água, do solo, da cadeia alimentar e da existência dos conhecidos Poluentes Orgânicos Persistentes. Estes, para os quais há de ser dada especial atenção, acumulam-se nos organismos vivos e, inclusive, no corpo humano;
3.6 – a grande maioria das substâncias ou produtos é atualmente comercializada sem ter sido objeto de adequados, sérios, competentes e éticos testes e, após, conscientemente avaliados seus riscos para os homens;
3.7 – considerando que a maioria das substâncias e dos produtos químicos contamina de forma difusa o meio ambiente; que podem interagir com os outros e exercer efeitos tóxicos adicionais e/ou sinérgicos nos organismos vivos; que se tornou difícil cientificamente estabelecer um plano epidemiológico à prova direta e absoluta do liame direto entre a exposição em/ou a outra (substância/ produtos químicos) como o desenvolvimento de doenças, há uma interrogação constante nos meios científicos comprometidos com a sobrevivência humana;
3.8 – e, considerando que, no plano toxicológico, há um certo número de substâncias ou produtos químicos que tem produzido distúrbios hormonais, indutores de diversos tipos de câncer, de malformações congenitais e/ou esterilidades; outros, por serem alergisantes, induzem o aparecimento de moléstias respiratórias (asma, por exemplo); outros, neurotóxicos, daí moléstias degenerativas do sistema nervoso (baixo quociente infantil, por exemplo); alguns, imunotóxicos, gerando defeitos da imunização, sobretudo nas crianças (infecções virais, por exemplo); pesticidas, que agridem a natureza, o homem e os animais frontalmente, sendo um dos maiores poluentes químicos tóxicos;
3.9 – considerando que as crianças são as mais atingidas e vulneráveis à contaminação pelos poluentes e que muitos deles afetam as placentas e os embriões humanos, chegam até o leite materno e levam à conclusão que, desde antes de nascer, o ser humano já está contaminado;
3.10 – considerando que as crianças são as maiores vitimas das substâncias e dos produtos químicos, bem como da poluição na Europa, uma entre sete crianças, é asmática, tem propensão a contrair câncer com maior probabilidade, como ocorre com o índice de 20% de acréscimo em 20 anos, chega-se à conclusão de que a criança hoje em dia está em perigo;
3.11 – a poluição e destruição irreversível da fauna colocam em perigo a própria existência humana, pela interação delas com o meio ambiente;
3.12 – o fato da destruição incontrolável da fauna pela agressão continuada ao meio ambiente, a par disso, a poluição causada por produtos/substâncias químicas, vem causando, entre várias espécies de animais, moléstias antes só reconhecidas com o ser humano (deformações congenitais e esterilidades);
3.13 – com o agravar do aquecimento planetário e a desestabilização climática, a ampliação e a extensão das doenças e o surgimento ou ressurgimento de muitas moléstias antes consideradas extintas (infecciosas e/ou parasitárias) em muitos países do Hemisfério Norte.
4 – A Declaração do Apelo de Paris, de 2004, foi assinada e apoiada por um número surpreendente de cientistas, médicos, juristas, humanistas e cidadãos que se convenceram, frente aos fatos que se apresentam dia a dia, da urgência e da gravidade da situação, peremptoriamente, declarando (ou bradando) que:
"Artigo 1º – O desenvolvimento de inúmeras moléstias atualmente é conseqüente da degradação ambiental.
Artigo 2 – A poluição química constitui uma ameaça grave para a criança e para a sobrevivência do Homem.
Artigo 3º – Nossa saúde, a de nossas crianças e das gerações futuras, estando em perigo, é a própria espécie humana que está em perigo".
5 – Que medidas repressivas, profiláticas e/ou pedagógicas foram sugeridas pelos autores e pelos signatários do Apelo de Paris?
No comprometimento dos autores e dos signatários do Apelo de Paris há a proposição das sete medidas concretas:
- proibir a utilização de produtos, dos quais seu caráter cancerígeno, de mutação genética ou refrotóxica ou, quando mínimo, restringir sua utilização ao mínimo por medida de contingenciamento através de providências extremamente rigorosas;
- aplicar o princípio de precaução a todos os produtos químicos catalogados cientificamente como nocivos ao extremo;
- promover a adoção de normas toxicológicas ou de valores básicos internacionais para a proteção de pessoas, baseadas sobre a avaliação dos riscos ocasionados pelos indivíduos vulneráveis, inclusive, sem restrição, as crianças e os embriões humanos;
- aplicar o princípio de precaução, para adotar os planos de testes programados e dos resultados apurados, para obter a supressão ou redução estritamente regulamentada da emissão de substâncias poluentes tóxicas e a utilização de produtos químicos comercializados, tais e quais como os modelos reduzidos de toxicidade, utilizados nos países nórdicos;
- em decorrência das graves ameaças que pesam sobre a humanidade, incitar os Estados a obrigar toda pessoa jurídica pública ou privada a assumir a responsabilidade das conseqüências dos seus atos ou de ausência de ação proativa, e, quando essa responsabilidade não for de responsabilidade de um certo Estado, transferir o caso à jurisdição internacional;
- com referência ao aquecimento planetário e à desestabilização climática, esse tipo de responsabilidade implica em obrigação dos Estados de por em andamento medidas duras para reduzir as emissões de gás com efeitos danosos, sem atender a indispensável aplicação efetiva do Protocolo de Kyoto e, no que concerne à Europa, reforçar o programa de registro, avaliação e autorização de comercialização e de uso de produtos químicos, de modo a substituir os mais perigosos para o homem por meio de alternativas menos danosas e, quanto ao resto do Planeta, adotar uma regulamentação efetiva e contundente sobre o mercado conhecido como REACH, ainda mais severo, sem concessões.
– II –
A herança perversa recebida pelo escriba migalheiro
6 – Os antepassados maternos deste escriba foram aferroados por múltiplos desastres ambientais, no sul da Itália, durante os séculos XVII e XIX, culminando com a necessidade de emigrar, abandonando as terras devastadas, por desejo de sobreviver e fazer com que as gerações futuras denunciassem os prejuízos centenários.
Estes fatos históricos, que são revividos como testemunho e que sirvam de exemplo, para reflexão e constante ação em prol do meio ambiente.
6.1 – O escriba é descendente do lado materno de duas famílias de camponeses originários das regiões da Campania e Basilicata, distantes da conhecida Nápoles cerca de 150 quilômetros.
6.2 – Situando-nos no período mais próximo à data que emigraram, alguns em 1884 e outros em 1888, que existiam naquelas regiões?
Quase nada de produção local na agricultura, porque houvera completo desmatamento e, seguindo-se-lhe, uma seqüência de doenças endêmicas. Reinava a pobreza, piorada nos invernos glaciais. Não existiam quaisquer benefícios públicos, nem escolas, tanto que a maioria absoluta era analfabeta. Para tornar o quadro sinistro, os proprietários-latifundiários usavam e abusavam dos contadini (empregados rurais) e tinham como aliados organizações criminosas de facínoras que se perpetuaram e se imortalizarem em filmes, apesar de que eles sempre exibiram a máfia siciliana, esquecendo-se da camorra (Nápoles) e da perversa n’ draguetta (da região Cálabra).
6.3 – Recordemos um pouco de história negra da região contada por Norman Douglas, falecido em Capri em 1952, que escreveu Old Calábria3, tornando-se um clássico dentre os livros de viagem, sobretudo os que apreciam essa idílica parte do território italiano e o que nele ocorreu a partir do Renascimento.
Por séculos e por séculos sofreu invasões de vários povos (gregos, fenícios, espanhóis, árabes de todo matiz, portugueses e franceses até o princípio do século XIX, estes últimos).
Douglas, no início do livro (p.12 e 13), mostra o desequilíbrio climático e conseqüente surgimento da malária (p. 32 e 286); as conseqüências da deflorestação na Puglia, em Castrovilari (121); na região de Palineo (147 e 148); na antiga Sila, de origem grega (p. 180, 195, 207, 217, 218 e 223); a poluição dos recursos hídricos na região do desflorestamento (p. 180 e 217).
As modificações ambientais geraram vários terremotos no interior da Calábria e seus efeitos chegaram à beira mar (p. 31, 38, 113, 230, 242, 243, 273 e 285).
A malária atacou, durante séculos, a região percorrida por Douglas, sendo certo que a origem da doença se deu com a destruição ambiental e o desflorestamento (p. 32, 286 e 287), pela irrigação artificial com água poluída (p. 241), por mudanças climáticas (p. 285), com conseqüências também nas tropas estrangeiras que a ocuparam (p. 241 e 287, referindo-se aos franceses), sobre haver relevância desta doença no próprio declínio da civilização, levando ao despovoamento e criminalidade (p. 212, 215) e a pobreza, causando fome e aumento da delinqüência moral (p. 126, 127), com sérios efeitos na raça, em virtude da maciça emigração (p. 28,49 e 209; 48, 50, 97, 194 e 210).
6.4 – Esses fatos históricos comprovados demonstram que a degradação ambiental gerou doenças, redução do nível das águas pluviais, terremotos, emigrações, despovoamento, pobreza e criminalidade, no percurso de três séculos e meio, na antiga Calábria expandida, hoje subdividida em várias regiões.
Aí estão as causas do grande desequilíbrio econômico e cultural da região meridional com a setentrional na Itália, que, até hoje, não só se manteve intato, como se ampliou, graças à criminalidade.
– III –
Qual é o princípio de precaução?
Como se aplicaria à defesa do meio ambiente?
Onde entraria a auditoria jurídica nesse contexto?
7 – Nestes últimos anos, vem se repetindo o princípio de precaução, a partir de como foi conceituado na Conferência do Rio, como segue:
"Para proteger o ambiente, medidas de precaução devem ser longamente aplicadas pelos Estados, seguindo as capacidades de cada um. Em caso de riscos de danos graves e irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não deve servir de pretexto para postergar a adoção de medidas efetivas, visando prevenir a degradação do ambiente".
Este é o texto adotado, acolhido por muitos, quanto modificado por alguns com vista a melhorá-lo, adaptando-se às novas descobertas tecnológicas ou às tendências menos utilitaristas das empresas, que, mirando-se nos catastróficos eventos, tentam justificar-se perante seu público.
8 – Mas a palavra precaução usada naquele evento e na construção do conceito que significaria? Por que foi elevada a princípio a ser acolhido pelos Estados, para adotar medidas concretas com vista à prevenção do meio ambiente?
Essas e outras perguntas serão consideradas no percorrer desse capítulo, procurando elucidar e atualizar conceitos controvertidos e posições ideológicas diferentes e conflitivas.
Na mesma condução do raciocínio do qual se propôs o escriba, para quem as palavras têm vida própria, evoluem, mas devem ser entendidas em seu curso histórico, quiçá, desde a origem, a formação ou o surgimento na verbalização, na declinação de idéias ou na constatação de juízos ou procedimentos. E, sem destoar do pragmatismo dos raciocínios até agora expostos, o escriba recorre à etimologia e a dicionários, fazendo a comparação conceitual da palavra precaução, em português, frances, italiano e inglês.
Ai chegando, tabuladas, todas essas línguas induzem à mesma origem, ao mesmo étimo latino da palavra precaução, como seguem:
I – Precatar = v. tr. prevenir, pôr de sobreaviso, de precaução: Tinha tendência (Luciana) a descurar as prescrições do médico... Debalde Catarina a precatava. (César Pôrto), Inverno, II, c. 6, p. 195) || -, v. pr. acautelar-se, precaver-se. || Dispor-se, preparar-se. || Quando mal se precata (loc. fam.), quando menos espera (falando de qualquer sucesso ou acontecimento): E, quando a gente mal se precata, armou-se uma novela. (Castilho.) || F. r. lat. Praecautus. Cf. Antenor Nascentes, Dic. Etimológ.
Aulete, Caldas. Dicionário contemporâneo da língua portuguesa. v. 5. 5a ed. Rio de Janeiro: Delta, 1964. p. 3235.
II – Précaution = n.f. - mil. XVIe; lat. praecautio, de praecavere <>.
Robert, Paul. Le nouveau petit Robert. Nouv. ed. - Paris: Le Robert, 1993. p. 1754.
III – Précaution = n.f. (bas lat. praecautio). 1.Disposition prise par prévoyance, pour éviter un mal ou pour en limiter les conséquences. Prendre ses précautions. <> Principe de précaution: mesures de la santé et de l’environnement prises par les pouvoirs publics pour éviter lês risques liés à l’utilisation dd’un produit, en cãs de doute sur son innocuité. 2.Fait d’agir avec circonspection; ménagement, prudence. <> Précautions oratoires: moyens adroits pour se ménager la bienveillance de l’auditeur, éviter de le choquer.
Le petit Larousse illustré. Paris: Larrousse; Le Grand Livre du Mois, 2003. p. 816.
IV – Précaution = n.f. 1580; empr. au bas lat. praecautio <>, der. de praecavere <>, de prae- (? pré-) et cavere <>.
(...)
1c Absolt. LOC. Principe de précaution: ensemble de règles à respecter en prévision de risques éventuales, de dangers prévisibles.
Rey, Alain (dir.). Dictionnaire culturel en langue française. t. 3. Paris: Le Robert, 2005. p. 1995.
V – Precauzione = s.f. 'cautela, circospezione, misura di previdenza' (precautione: 1611, Florio; precauzione: 1687, A. Correr, cit. da A. Dardi in LN XLIX (1988). [] precauzionale, agg. 'che há valore di precauzione' (1848, Ugol.).
o Vc. Dotta, lat. tardo praecavere 'usar cautela, precauzione', comp. di prae- 'pre-' e cavere 'guardarsi' (V. cauto): la vc. Ci è giunta prob. attrav. ll fr. précaution (1417?).
Cortelazzo, Mario; ZOLLI, Paolo. Il nuovo etimologico: Deli, dizionario etimologico della lingua italiana. 2a ed. – Bologna: Zanichelli, 1999. p. 1244.
VI – Precaution = n. 1 Prudent forethought, as against danger, etc. 2 A provision made for some emergency. See synonyms under CARE.
Funk & Wagnalis standard dictionary of the English language international edition combined with Britannica world language dictionary. v. 1. Chicago: Encyclopedia Britannica; New York: Funk & Wagnalls Company, 1960. p. 992.
VII – Precaution = n. [L. praecautio, from praecautus - prae, before, and caveo, cautum, I take care. CAUTION] Previous caution or care; a measure taken beforehand to ward off evil or secure good. - v.t. To warn or advise beforehand, for preventing mischief.
Thatcher, Virginia S. (ed.); MCQUEEN, Alexander (advs. ed.). The new Webster encyclopedic dictionary of the English language. v. 1. New York: Groulier, 1968. p. 652.
9 – O denominador comum é cautela, medida de previdência resultando no conceito sintético, que o Dicionário Cultural de língua francesa exprimiu:
"Princípio de precaução: conjunto de regras a serem respeitadas, na previsão de riscos eventuais, de perigos previsíveis".
Muito próximo esse conceito com o da Conferência do Rio.
10 – O princípio de precaução recebeu acolhida nos meios intelectuais e, alargada sua análise, alçou foros inimagináveis com a tese de doutorado de filosofia escrita por Denis Grison "Du principe de précaution à la Philosophie de la précaution" (Dos princípios da precaução à filosofia da precaução), sustentada na Universidade de Nancy 2 (França) em 25 de novembro de 2006.
Veio-me o texto às mãos, por intermédio de um amigo brasileiro que está realizando pesquisas na Europa, antes de estar editado. Tempos passados, o escriba migalheiro, em contato com a Universidade de Nancy 2, recebeu a boa notícia de que a obra completa, com 700 páginas, poderia ser acessada, como o foi em 11/7/08:https://poincare.univnancy2.fr/Presentation/?contentId=1543
Centra-se o trabalho do autor sobre o desenvolvimento durável.
10.1 – Em síntese, se o que se ousará fazê-lo em poucas linhas, Grison mostra que o princípio de precaução não se trata do princípio de abstenção ou do "risco zero". Isso não existe. É impossível.
10.2 – Constatando este fato, levando-o à altura que merece pela riqueza de conteúdo, porque ele constituí uma questão social e política de grandeza, necessário será abordá-lo global e filosoficamente, com a finalidade de realçar seus pontos relevantes, de maneira a ajudar o encontro de soluções, no campo social e político.
10.3 – O princípio de precaução é um princípio de ação, necessário para ser utilizado atualmente, passando do campo ideológico para erigir-se em uma filosofia da precaução, por meio de mudança social.
10.4 – Como não poderia deixar de acontecer, como estamos renovando sempre com a auditoria jurídica, Grison chegou ao terreno amplo de pluridisciplinaridade. Abordou ao mesmo tempo questões técnicas, científicas, econômicas, políticas, sociológicas e jurídicas, embora procurasse manter-se no que é: filósofo, no sentido contemporâneo: voltar-se ao mundo, para que nada nele existente lhe seja estranho.
10.5 – Reconhecendo com humildade que seu trabalho e seu método o expuseram a críticas, respondeu-as, com uma afirmativa realmente preciosa quão generosa: para ele é mister aceitar que existam, ao lado de especialistas, os (abençoados, digo) generalistas, únicos capazes de "cruzar" os conhecimentos.
10.6 – Defendendo a pluridisciplinaridade, sustenta ao longo de sua argumentação que o princípio de precaução implica em agir. Não é estático. Só que, depois de Aristóteles, teve o ser humano que aprender a agir num mundo incerto, frágil e complexo. Por isso, introduz uma "nova prudência" que é a precaução.
10.7 – Para aceitar o princípio de precaução, é preciso "converter-se", acolhendo-o como um "ponto de mutação" (sem conotá-lo com Frank Capra).
Indo além, adota a "ideologia do processo", atrelada à "filosofia da precaução", com sólidas básicas teóricas expostas no caminho que percorreu. E apela para uma mudança comportamental, em um novo relacionamento entre a ciência e a técnica; uma orientação da técnica, para modalidades mais adequadas ao mundo em crise; em dar novos rumos à economia; em inventar uma "democracia participativa", sem muitas propostas concretas, para introduzir-se a precaução. Ressalta, de maneira engenhosa, que isso só será abraçado se fizer um apelo ao direito, como ciência e prática, e "inscrever-se culturalmente este estado de espírito radicalmente novo".
Confessa, enfim, que sua proposta é a expansão da responsabilidade. É o que a precaução exige.
Comentário: no mundo em que estamos atravessando o apelo ao retorno de sermos responsáveis, para que sejamos precavidos, merece reflexão e ação concreta para torná-la realidade política e jurídica.
10.8 – Há pouco, escrevendo um artigo para a revista La Recherche, Grison consegue sintetizar suas idéias contidas na tese de doutoramento, acrescentando fundamentais asserções à sustentabilidade, como diz:
"O impacto de inovações tecnológicas sobre a natureza, sobre nossas vidas – eles foram agora mais que nossas decisões propriamente políticas – obriga a pensar em uma nova maneira de produzi-las. Devemos inventar uma 'democracia técnica' que tenha respeito pela natureza. As noções de 'bom uso da natureza', de 'racionalidade apoiada sobre a deliberação' e de 'construtivismo técnico' são essenciais."
Diz, ainda, pretendemos continuar com o "nariz na direção do veiculo"? A concepção de progresso, que se mostrou eficaz durante séculos, é hoje caduca. A crença no progresso automático deve ser abandonada. Devemos fazer da precaução a inspiração e o modelo de uma ação. O princípio de precaução insere-se perfeitamente nesta lógica. Esta reorientação é uma oportunidade por exemplo para a indústria química: a oportunidade de poder promover e mesmo desenvolver-se no Hexágono (França). Deve agarrar-se a ela"4.
– IV –
Como se comportaria o auditor jurídico frente ao princípio de precaução?
11 – Primeiramente, acolhendo o princípio de precaução, com os bons temperos humanos que lhe propicia Grison.
12 – Depois refutando os detratores de que o princípio de precaução é inibidor ou trava da inovação. Compreende a inovação tecnológica e o conhecimento inovador5. Seus produtos tidos por inovadores, na verdade, não passam de elaborados raciocínios despidos de valores ecológicos, sobretudo daqueles que se negam a o aceitar Regulamento Reach (Acrônimo de Registration, Evaluation and Authorisation of Chemicals). Grison tem no Reach o grande limitador dos lançamentos nos mercados de produtos químicos poluentes e letais, sobretudo cancerígenos.
O auditor jurídico, se convocado a estudar e a emitir parecer sobre um lançamento de qualquer produto, deverá advertir seu cliente precisamente de que esse produto não seja mais um dos existentes a destruir o que resta na Gaia de aproveitável. Será um defensor intimorato da química verde e doce, sobretudo se o produto tratar da abolição dos famigerados solventes, mas criando biomassa com os micro-organismos, agindo em prol da natureza e com a nanotecnologia explorada com visão precaucionista.
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1 Pachauri. Rajendra, Prêmio Nobel da Paz em 2007 com Al Gore, Engenheiro e economista de formação, de nacionalidade indiana.
2 Mudança de clima de 2007: em inglês, quarto relatório em: https://www.ipcc.ch/#, visitado em 18 de julho de 2008.
3 Douglas. Norman, Old Calabria, Century Publishing e Gentry Books, Londres, 3ª edição, 1983. Essa obra foi originalmente escrita em 1915 e sua primeira publicação deu-se no mesmo ano por Martin Secker, em Londres.
4 Grison. Denis, Agir avec précaution, La Recherche, Vers une chimie durable?, p. 12/15, junho de 2008, nº 420. – Um esclarecimento a mais: para Grison, o construtivismo técnico recusa a idéia segundo a qual técnica se desenvolveria de maneira autônoma e necessária e com a demanda em associar-se a usuários e cidadãos, a fim de orientá-los (idem, p. 15)
5 A consultar: a)Fasulino. Eduardo J, La innovación tecnológica, Análisis econômico-jurídico de los sistemas de promoción, Editorial Heliasta, Buenos Aires, 2ª edição, 2001; b) GRANERO. Horacio R, El ordem público tecnológico, Colección Prudentia Iuris, Buenos Aires,2003; c) de MAN. Ard-Pieter, The Network Economy – Strategy, Structure and Management, Edward Elga, Londres, 2004; d) HOEKMAN. Bernard e JAVORCIK. Beata Smarzynska, Global integration & technology transfer, Palgrave Macmillan/World Bank, Washington, 2006; e) KODAMA. Mitsuri, Knowledge Innovation – Strategic Management as Practice, Edward Elgar, Cheltenham UK, 2007; f)FLICHY. Patrice, Understanding technological innovation – A Socio-Technical Approach, Edward Elgar, Cheltenham UK, 2007.
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*Advogado
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