Adicional insalubridade
Renato Melquíades de Araújo*
Súmula Vinculante nº. 4 do STF:
"Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial."
Ressalte-se, por oportuno, que as Súmulas Vinculantes surgiram a partir da Emenda Constitucional nº. 45/2004 (clique aqui), como resposta à necessidade de assegurar à sociedade uma maior segurança nas interpretações jurídicas de um mesmo texto constitucional ou legal pelos Tribunais pátrios, evitando-se divergências entre posicionamentos a respeito de uma mesma matéria relevante. Assim, atribui-se ao STF a possibilidade de estabelecer um entendimento único e igualitário a dada controvérsia, cuja observância se torna obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário e pela administração pública em geral.
No caso em análise, publicada no dia 9 de maio de 2008, a Súmula Vinculante nº. 4 representou uma ruptura na aplicação, pelos Tribunais Trabalhistas, do instituto do adicional de insalubridade, previsto no art. 192 da CLT (clique aqui), sob os seguintes termos:
Art. 192. O exercício de trabalho em condições insalubres, acima dos limites de tolerância estabelecidos pelo Ministério do Trabalho, assegura a percepção de adicional respectivamente de 40%, 20% e 10% do salário-mínimo da região, segundo se classifiquem nos graus máximo, médio e mínimo.
Verifica-se que a norma celetista é clara e expressa ao determinar que o cálculo do adicional de insalubridade deve ser feito sobre o salário-mínimo. No entanto, a redação do art. 192 da CLT foi conferida pela Lei nº. 6.514, de 22 de dezembro de 1977 (clique aqui), anterior, portanto, à Constituição Federal de 1988, que determina, no que concerne ao direito fundamental ao salário-mínimo:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (...).
Em virtude da superveniente vedação constitucional quanto à vinculação do salário-mínimo para qualquer fim, dúvidas surgiram acerca da permanência em vigor do art. 192 da CLT e, por conseguinte, da correta forma de cálculo do referido adicional de insalubridade. No entanto, o Tribunal Superior do Trabalho – TST manteve o entendimento de que a vedação constante no art. 7º, inciso IV, da Constituição visa a evitar a indexação da economia e, dessa forma, impedir que a variação do salário-mínimo, em virtude de sua vinculação, constitua um fator inflacionante.
Assim, segundo o pretérito entendimento do TST, não seria inconstitucional a utilização do salário-mínimo como base de cálculo do adicional de insalubridade, pois a Carta Magna não teria pretendido dissociá-lo de sua real finalidade, qual seja, servir como padrão de equivalência mínima a ser observado entre trabalho e contraprestação pecuniária. Nesse sentido, ainda, o TST dispunha de sua Súmula nº. 228, que ratificava o entendimento de que o percentual do adicional de insalubridade incide sobre o salário-mínimo, exceto para os trabalhadores que recebem salário fixado em instrumento coletivo, o qual deve servir de parâmetro para o cálculo mencionado.
Todavia, cresceu no STF a controvérsia entre suas Turmas acerca da constitucionalidade da utilização do salário-mínimo como indexador da base de cálculo do adicional em questão. Com a nova “ferramenta” constitucional a seu dispor, o STF editou a citada Súmula Vinculante n° 4 e encerrou a divergência jurisprudencial, tornando obrigatório, inclusive para o TST, o entendimento de que o salário-mínimo não pode servir de indexador para o cálculo do adicional de insalubridade.
Por oportuno, cumpre ressaltar que, de acordo com o Aurélio, o verbo "indexar" signifca "tornar certa importância monetária (depósito de poupança, salário, valor de título governamental, etc.) corrigível automaticamente de acordo com um índice de preços, para compensar o efeito da inflação". Ou seja, o Pretório Excelso externou o entendimento, agora compulsório, que é inconstitucional transformar o reajuste do salário mínimo em índice de preços para compensar o efeito da inflação em qualquer vantagem percebida por empregado – tal qual o adicional de insalubridade.
Feito tal exercício hermenêutico e evidenciado o significado teratológico do referido enunciado, cumpre ressaltar que, na esteira da edição da Súmula Vinculante nº. 4, o TST alterou a redação da sua Súmula nº 228, que passou a dispor:
Súmula nº. 228 do TST:
"Adicional de insalubridade. Base de calculo. A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo".
Verifica-se, contudo, que, no afã de adequar-se à nova e obrigatória orientação interpretativa, o TST exacerbou sua atribuição jurisdicional e se arvorou na função legislativa, ferindo de morte o Princípio da Independência dos Poderes e tomando para si uma competência que não lhe pertence. Nesse diapasão, cumpre resgatar o disposto no art. 44 da Constituição Federal, cujo comando foi desrespeitado, com a devida vênia, pelo Colendo TST, ipsis litteris:
Art. 44. O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal.
Com efeito, há uma grave lacuna normativa, no que concerne à sistemática de cálculo do adicional de insalubridade, pois a sua vinculação ao salário-mínimo, nos moldes preconizados pelo art. 192 da CLT, é inconstitucional. Todavia, nada obstante a ausência de regulamentação específica, o TST agiu de modo temerário, pois a nova redação da Súmula nº. 228 é flagrantemente inconstitucional.
A violação aos termos do art. 44 da Constituição é evidente. De fato, o cálculo do adicional de insalubridade não pode mais ser indexado ao salário-mínimo. Tal conclusão é clara e inequívoca, face aos termos da Súmula Vinculante nº. 4. No entanto, não há qualquer texto legal que ampare a nova redação da Súmula nº 228 do TST, sendo, pois, uma lamentável inovação no ordenamento jurídico.
Revela-se manifesto que o verdadeiro intuito do TST foi disciplinar um instituto jurídico de aplicação corriqueira na realidade das relações de trabalho existentes no país. No entanto, a regulação em comento é incumbência precípua da União Federal, por meio do seu Poder Legislativo, consoante se extrai do disposto no art. 22, inciso I, e no suso citado art. 44, ambos da Constituição Federal.
Além disso, a mais alta Corte Trabalhista desobedeceu aos próprios termos da Súmula Vinculante, pois, em sua parte final, o verbete jurisprudencial em questão determina que o salário mínimo, além de não poder ser indexador, não pode ser substituído por decisão judicial. Ou seja, é vedada a indexação ao salário mínimo e, ademais, decisão judicial não pode determinar a sua substituição por critério distinto, tendo em vista que isto é mister exclusivo do Poder Legislativo.
Assim sendo, inexiste embasamento jurídico à pretendida interpretação dada pelo TST à matéria. A Súmula nº 228 desobedece dois Princípios que alicerçam o Estado Democrático de Direito, quais sejam, a Primazia da Realidade e a Independência dos Poderes.
Nada justifica, portanto, a impertinente invasão de competência promovida pelo TST, sendo inconstitucional a determinação externada pelo verbete jurisprudencial sob enfoque. Se é certo que o adicional de insalubridade não pode mais ter seu valor indexado ao salário mínimo, também é irrefutável que não há, no ordenamento jurídico pátrio, qualquer norma que determine seu pagamento mediante a aplicação dos percentuais estabelecidos no art. 192 da CLT sobre o salário básico do trabalhador.
Deste modo, o adicional pago a cada empregado, cujo montante era calculado na conformidade da norma celetista, deve ter seu valor fixado, de acordo com o percentual aplicável ao caso. Ilustrativamente, um trabalhador que se encontre exposto à insalubridade de grau médio recebe, atualmente, 20% (vinte por cento) do salário-mínimo a título de adicional, ou seja, R$ 83,00 (oitenta e três reais).
Tal valor deve tornar-se, a partir da Súmula do STF, desvinculado do salário-mínimo. Ou seja, desde 09 de maio de 2008, o montante pago a tal título não poderá ser reajustado anualmente com o salário-mínimo, devendo a quantia ser estipulada em normas coletivas, através de critérios pactuados pelas partes signatárias.
Eventuais reajustes devem ser previstos em normas coletivas, portanto, até que o Congresso Nacional cumpra sua constitucional função legiferante e corresponda aos anseios da sociedade, disciplinando, por meio de lei específica, a vertente questão de primordial relevância para a economia nacional.
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*Advogado do escritório Martorelli e Gouveia Advogados
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