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Prova de assédio em juízo: o dever de punir após o trânsito em julgado

Se há dificuldade de provar o assédio no curso de um processo judicial, que geralmente é instaurado quando a suposta vítima de assédio já não mais trabalha na mesma empresa que o suposto assediador, imagine-se quão maiores podem ser os obstáculos para fazê-lo ainda durante o contrato de trabalho, em que vítima e algoz convivem diariamente...

4/11/2002

 

Prova de assédio em juízo: o dever de punir após o trânsito em julgado

Mário Gonçalves Júnior*

Duas espécies de assédio, relativamente comuns no ambiente de trabalho, têm estado em pauta ultimamente nos processos que tramitam perante a Justiça: o assédio sexual e o assédio moral.

O assédio sexual, segundo Ernesto Lippman (Assédio Sexual nas Relações de Trabalho, LTr, São Paulo, 2001) é o "pedido de favores sexuais pelo superior hierárquico, com promessa de tratamento diferenciado em caso de aceitação e/ou ameaças, ou atitudes concretas de represálias no caso de recusa, como a perda do emprego, ou de benefícios".

O flerte ou a popular "cantada" não configuram assédio sexual, havendo decisões da Justiça do Trabalho até mesmo no sentido de que "frase grosseira do superior hierárquico, com conotação sexual, não configura hipótese de assédio" (TRT 2a. região, Ac. 029800738984, julg. 11.2.1998, publ. em 27.2.1998, obtido no site

www.trt02.gov.br).

Em doutrina de Direto do Trabalho também não há mais controvérsia quanto a isto. Dárcio Guimarães de Andrade ("Assédio Sexual no Trabalho", in RJTE 172/35) diferencia: "a simples intenção sexual, o intuito de sedução do companheiro de trabalho, superior, ou inferior hierárquico, não constitui assédio. É o caso de um inofensivo galanteio, de um elogio, ou mesmo namoro entre colegas de serviço, desde que não haja utilização do posto ocupado, como instrumento de facilitação" (...). "Necessária será a intenção de traficar, de valer-se do posto funcional como um atrativo, ou como instrumento de extorsão de privilégio, ou de vantagens indevidas", concorda Luiz Carlos Amorim Robortella ("Assédio Sexual e Dano Moral nas Relações de Trabalho", III Ciclo de Estudos de Direito do Trabalho, IBCB, 1997, p. 158).

O assédio moral é mais etéreo e difícil de caracterizar do que o assédio sexual. Segundo Marie-France Hirigoyen (Assédio Moral – A violência perversa do cotidiano, Editora Bertrand, Rio, 2001, pág. 65), "por assédio (moral) em um local de trabalho temos que entender toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignididade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho".

Para melhor ilustrar e diferenciar as duas figuras, em linhas curtas poder-se-ia pontuar que o assédio moral é a "perseguição" do trabalhador por outro colega de serviço, geralmente seu superior hierárquico (mas não necessariamente). Trata-se de um método perverso de poder, como lembra Hirigoyen: "para manter o poder e controlar o outro, utilizam-se manobras aparentemente sem importância, que vão se tornando cada vez mais violentas se o empregado resiste a elas. Em um primeiro momento, busca-se retirar dele todo e qualquer senso crítico, até que ele não saiba mais quem está errado e quem tem razão. Ele é estressado, crivado de críticas e censuras, vigiado, cronometrado, para que se sinta seguidamente sem saber de que modo agir; sobretudo, não se lhe diz nada que possa permitir-lhe compreender o que acontece. O empregado sente-se acuado (...)" (ob. cit. pág. 76).

Muitas vezes o assédio moral funciona como um ingrediente do assédio sexual, quer como meio para forçar a vítima a ceder às investidas do agressor, quer como instrumento de represália caso não ceda.

Por outro lado, o empregador tem o dever de zelar por um bom ambiente de trabalho, coibindo e punindo casos de assédio (moral ou sexual). Não pode compactuar, é claro, com expedientes odiosos. Tendo o poder disciplinar sobre seus empregados, em se tratando de assédio de uns em relação a outros, de modo que a original faculdade sem dúvida passa à categoria de dever.

Por isso é que têm surgido na Justiça do Trabalho casos em que o trabalhador supostamente assediado por outro colega de serviço requer indenização do ex-patrão. Fundamento: o empregador sabia, ou deveria saber, e nada teria feito para prevenir ou remediar.

Tem-se sustentado nesses casos que o trabalhador, para ter direito a indenização por danos morais, deve provar essencialmente três fatos: (a) que teria efetivamente ocorrido autêntico assédio (moral ou sexual); (b) que a empresa tenha tomado conhecimento do assédio; e (c) que nada tenha feito para preveni-lo e, principalmente, coibi-lo.

A prova de assédio, é bem de ver, afigura-se muito difícil, principalmente de assédio sexual. O suposto agressor geralmente age sorrateiramente, sem deixar rastros ou pistas, para que a vítima não tenha como desmascará-lo.

Essa natural dificuldade de demonstrar a existência do assédio, todavia, não pode redundar na condenação sem provas irrefutáveis, até porque o sistema jurídico preserva a personalidade de todas as pessoas, inclusive daquelas eventualmente acusadas de assédio. E acusações graves que tais, certamente só poderiam redundar em conseqüências jurídicas se não houvesse a menor dúvida de que o assédio teria sido realmente cometido. Defender o contrário abriria um perigoso precedente, colocando em risco a imagem e a honra de qualquer pessoa que tivesse a infelicidade de ser acusada de assédio, o que, é preciso ter sempre presente, pode ocorrer até mesmo levianamente, como maneira de aniquilar o bom nome de alguém.

Se há dificuldade de provar o assédio no curso de um processo judicial, que geralmente é instaurado quando a suposta vítima de assédio já não mais trabalha na mesma empresa que o suposto assediador, imagine-se quão maiores podem ser os obstáculos para fazê-lo ainda durante o contrato de trabalho, em que vítima e algoz convivem diariamente...

Não raras vezes, portanto, mesmo denunciado o assédio ao patrão, este não consegue reunir provas suficientes para punir o empregado acusado de assédio. Pode, se muito, tomar medidas preventivas, como por exemplo determinar que os protagonistas não trabalhem juntos dali para adiante, mas é só. Se aplicar punição disciplinar sem base segura, poderá ser condenado futuramente a indenizar o suposto assediador, também, por danos morais!

Um peculiar aspecto, entretanto, não se tem cogitado: se o assédio (moral ou sexual) vier a ser robustamente comprovado em Juízo, em processo movido pela vítima de assédio em relação a colega que ainda trabalha na empresa, deve o empregador finalmente punir este último? Note-se que o processo judicial costuma consumir meses ou vários anos até que uma demanda seja devidamente instruída e julgada.

Somos da opinião de que o dever de punir o assediador não desaparece só porque, à época em que o assédio tenha ocorrido, a vítima, ainda empregada da empresa, não tenha conseguido comprová-lo perante o empregador. Como ressaltado acima, estando a vítima ainda ao alcance do agressor, é natural esperar que aquela tenha maior dificuldade de comprovar o assédio. Quando não mais trabalhar na mesma empresa que o assediador, é bem possível que consiga as provas de que não dispunha antes, até porque eventuais testemunhas também poderão não mais trabalhar com o agressor e se sintam em condições de delatá-lo.

Assim, mesmo tendo o empregador apurado os fatos no momento em que aconteceram, em plena vigência do contrato de trabalho da suposta vítima, e não encontrado provas suficientes para punir o agressor, deverá puni-lo ulteriormente se, em processo judicial restar provada a sua culpa. Isto, é claro, se o acusado ainda estiver trabalhando na empresa, pois se o contrato já tiver sido extinto antes por qualquer motivo, constituir-se-á em ato jurídico perfeito.

Devendo o empregador zelar por um bom ambiente de trabalho, se não punir o assédio comprovado judicialmente, poderá ser responsabilizado se o mesmo assediador fizer novas vítimas posteriormente.

Mas esse dever só se tornará exigível no momento em que transitar em julgado decisão que reconheça a existência e autoria do assédio, já que sempre uma primeira decisão judicial condenatória poderia ser reformada em grau de recurso.

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* advogado do escritório Demarest e Almeida, Pós-graduado em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho.

 

 

 

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