Tolerância zero aos motoristas embriagados
Daniani Ribeiro Pinto*
Desta forma, não será aceito qualquer teor alcoólico no sangue dos motoristas que estiverem dirigindo em território nacional, se antes do advento da Lei 11.705/08 (clique aqui), a tolerância era de até seis decigramas de álcool por litro de sangue, o que corresponde a algo como duas latas de cerveja, agora a regra é a tolerância zero.
Mas as conseqüências não terminam por aí. A nova Lei, em casos de lesão corporal exclui a aplicação da "Lei de Pequenas Causas" ao motorista que, após ingerir qualquer quantidade de álcool, causar lesão a outrem.
Diante de tantas novidades, vale fazer uma análise mais profunda das principais conseqüências jurídicas da nova Lei e impor as críticas necessárias; vejamos:
1. Com o agravamento da pena, o motorista alcoolizado que causar lesão a outrem não poderá mais se beneficiar da Lei 9.099/95 (clique aqui) e, via de conseqüência, poderá responder até por dolo, muito provavelmente por dolo eventual, ou seja, situação em que o condutor apesar de não possuir a intenção objetiva de causar o dano, assume integralmente o risco, circunstância em que as penas são muito mais severas e, em caso de acidente com vítima, poderá levar o condutor à prisão.
O bem da verdade, nem poderia ser diferente, porque agora o motorista que beber apenas um copo de cerveja e dirigir saberá que está cometendo uma infração e, portanto, de fato assume o risco de causar o resultado danoso.
2. Outros dois pontos que merecem destaque se referem:
(I) à obrigatoriedade do condutor em fazer o teste do bafômetro ou qualquer outro que seja hábil a constatar a influência do álcool e
(II) ao fato da negativa do condutor em fazer tais testes implicar em sua penalização.
Nos últimos dois aspectos é notória a inconstitucionalidade da Lei, uma vez que segundo a nossa Constituição (clique aqui) ninguém é obrigado a fazer prova contra si mesmo1, valendo a presunção de inocência até que se prove o contrário (Art. 5°, inciso LVII), motivo pelo qual, a OAB/SP, ao menos para a primeira inconstitucionalidade citada, já está estudando a possibilidade de propor Ação Direta de Inconstitucionalidade em face desse aspecto da Lei. Ou seria possível condenar alguém por se negar a produzir prova contra si mesmo? Ou por ter ficado em silêncio? Evidente que não.
3. Cabe ainda destacar mais um aspecto que merece reparo, vez que a nova Lei determina que o condutor com concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue deverá ser preso em flagrante e terá que pagar fiança para responder o processo em liberdade.
Inquestionável que só é possível se constatar com segurança a existência de referida quantidade através de exame de sangue ou por meio do teste do bafômetro, meios de aferição que, em regra, não existem na maioria das delegacias brasileiras.
Nesse sentido é que se critica a nova Lei, pois permite que na ausência destes meios de constatação o Delegado faça a referida aferição com base em sinais notórios de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor para então decidir pela prisão ou não do motorista, o que não se pode admitir.
De fato, há uma flexibilização da possibilidade de aplicação das sanções administrativa nos termos impostos pela nova Lei, situação em que deverá ser respeitada a ampla defesa e o contraditório, entretanto, essa relativização nunca se aplicará no âmbito judicial, em especial no âmbito judicial penal em que se coloca em pauta o bem maior do ser humano, sua liberdade.
O silêncio ou a negativa de produção de prova no direito administrativo pode até acarretar a imediata aplicação de sanção, a qual terá sua legalidade analisada em momento posterior, respeitados os Princípios Constitucionais do Devido Processo Legal e da Ampla Defesa, mas é importante frisar que em âmbito judicial a situação não é a mesma, a regra constitucional é que só se pode levar alguém à prisão depois de constituídas as provas (Art. 5°, inciso LIV).
Na prática, a eficácia da nova Lei, fica parcialmente comprometida, na medida em que o motorista alcoolizado que se negar a fazer os testes de aferição de teor alcoólico poderá sofrer, de imediato, as sanções administrativas, mas em hipótese alguma, poderá ser preso.
4. Por fim, existem casos de motoristas que necessitam utilizar medicamentos que alteram, sensivelmente, o teor alcoólico no sangue e que, portanto, não podem ser submetidos às penas acima descritas.
Veja que a nova Lei determina que a matéria seja regulamentada pelo Poder Executivo Federal e, não poderiam os cidadãos, na possível omissão de uma regulamentação deste, ficar a mercê de policiais que muitas vezes não atuam com razoabilidade.
Aliás, a idéia da nova Lei é justamente contrária a esse entendimento de bom senso e flexibilização com a constatação de pequeno teor alcoólico. A Lei ao estipular que qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades, obriga o policial a atuar sem discricionariedade alguma e com tolerância zero.
Assim, acertadamente, ficou estipulado por meio do Decreto 6.488/08 (clique aqui) que enquanto o CONTRAN não regulamentar essa questão que, destaca-se, é exceção à regra, a tolerância será de duas decigramas de álcool por litro de sangue, o que corresponde a algo como comer dois bombons com recheio de licor.
Tal medita assegura com razoabilidade a justiça aos motoristas que tomam remédios passíveis de alterar o teor alcoólico do sangue, situação muito comum em pessoas que fazem tratamentos com medicamentos injetáveis, homeopáticos, florais, xaropes, moduladores de apetite, dentre outros.
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1 Este princípio se insere nos direitos e garantias individuais, constantes da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica, 1992), da qual o Brasil é signatário, sendo incorporados ao ordenamento jurídico brasileiro pelos Decretos n. º 592, de 6/7/92 e 678, de 6/11/1992, respectivamente, tendo status de norma constitucional por força do disposto no § 2º do art. 5º da Constituição Federal. No Pacto de São José da Costa Rica (1992), Capítulo II, art. 8, inciso 2, letra "g" e inciso 3, sobre garantias judiciais, consta que os países contratantes se submeteram ao preceito de que toda pessoa acusada de um delito tem o direito de não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a confessar-se culpada.
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*Advogado do escritório Miziara - Advogados Associados
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