A importância do controle da Administração Pública e o controle financeiro exercido pelo Tribunal de Contas
Carla Teresa Bittencourt da Costa Bonomo*
1. Origem e justificativa do controle da Administração Pública
O controle é inerente a qualquer forma de organização, pois administrar compreende planejar, organizar, dirigir e controlar, os atos e recursos organizacionais para alcançar os objetivos estabelecidos.
O controle da Administração Pública é um tema consagrado no campo do direito administrativo. Com efeito, o controle dos atos emanados dos entes públicos surge como um dos mais caros valores políticos desde a Revolução Francesa, representando uma das principais características do Estado de Direito. A transparência na Administração Pública é obrigação imposta aos administradores públicos, pois estes atuam em nome dos cidadãos "A sociedade tem o direito de pedir conta, a todo agente público, quanto à sua administração", esse valor, positivado no art. 15 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, evidencia a antiga preocupação com o controle e ainda privilegia a participação do povo, dos administrados, que é o destinatário da administração.
O Estado de Direito pode ser entendido como aquele criado e regulado por uma Constituição, onde o exercício do poder político seja dividido entre órgãos independentes e harmônicos, com o objetivo de controle recíproco, de modo que os cidadãos, sendo titulares de direitos, possam opô-los ao próprio Estado (Carlos Ari Sundfeld, Fundamentos de direito público, p. 38).
Oportuno lembrar que, na origem do Estado Liberal, o controle era realizado somente quanto a aspectos relacionados com a legalidade dos atos administrativos, na esfera do contencioso administrativo. Atualmente o direito dos administrados não se limita a fiscalizar eventual ilegalidade gestão pública, mas também verificar se a destinação dos recursos, além de lícita, tem sido adequada, razoável, moral e eficiente.
Com a social democracia, torna-se mais instrumentalizados os sistemas de controle da Administração, acompanhando o aumento da preocupação com o controle das atividades administrativas, frente à maior intervenção na sociedade, seja pela prestação de serviços, seja pela atividade regulatória da economia. Novas modalidades de controle dos atos administrativos são criadas, pois, a própria sociedade provoca e cobra a atualização dos mecanismos de censura sobre os atos ilegais da Administração Pública.
Através desta concepção de Estado e da Constituição Federal de 1988 (clique aqui), pode-se afirmar que o controle da Administração Pública, no Brasil, corresponde a um poder de fiscalização e correção exercido por órgãos dos poderes Judiciário, Legislativo, Executivo e os cidadãos, com o escopo de garantir a conformidade de sua atuação com princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico, portanto garantia para os administrados e para a própria Administração.
2. O controle da Administração Pública e suas espécies
O controle da Administração Pública é "o conjunto de mecanismos jurídicos e administrativos por meio dos quais se exerce o poder de fiscalização e de revisão da atividade administrativa em qualquer das esferas de poder". (Carvalho Filho, José dos Santos, op. Cit., p.781).
A doutrina é pacífica quanto à importância dos mecanismos de controle das atividades do Poder Público, mas é divergente no tratamento do tema no que se refere à taxionomia.
O Controle da Administração Pública sofre diversas classificações doutrinárias, pois há diversas formas de controle, em síntese:
Quanto ao órgão que o exerce:
Administrativo, legislativo ou judicial.
Quanto ao momento em que se efetua:
a)controle prévio (a priori) – controle preventivo, pois busca impedir a expedição de ato ilegal ou contrário ao interesse público;
b)controle concomitante – exercido ao mesmo tempo em que se realiza a atividade;
c)controle posterior – busca reexaminar atos já praticados, para corrigi-los, desfazê-los ou apenas confirmá-los. Ex: aprovação, homologação, revogação, convalidação.
Quanto à localização do órgão controlador:
a) controle interno: controle que cada um dos Poderes exerce sobre sua própria atividade administrativa. A própria Administração Pública dispõe de mecanismos de aferição de usa atividade.
b)controle externo: controle exercido por um dos Poderes sobre o outro ou controle da Adm. direta sobre a indireta. Ex: fiscalização contábil, financeira e orçamentária (CF, art. 71) prevê o controle externo a cargo do Congresso Nacional, com o auxílio do TC.
Quanto ao aspecto da atividade administrativa a ser controlada:
a)controle de legalidade: exercido pelos 3 Poderes.
b)controle de mérito: exercido pela própria Administração.
Para o fim a que nos propomos, interessa saber que os Tribunais de Contas enquadram-se no chamado controle legislativo sob aspecto financeiro, que pode ser interno ou externo, isto porque se situa em Administração diversa daquela onde a conduta ou ato administrativo se originou.
O controle financeiro é exercido pelo Poder Legislativo e Tribunal de Contas. Este controle cuida da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das entidades da Administração Direta e Indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas (arts. 70, caput, e 75, CF).
De acordo com a Constituição, prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária (at. 70, parágrafo único).
O Tribunal de Contas, por determinação da Constituição Federal, exerce funções de um órgão auxiliar do Poder Legislativo, muito embora tenha competência constitucional própria, perfeitamente definida. Com efeito, o seu papel é o de uma instituição constitucional autônoma. Sua competência é definida nos arts. 71 e seguintes da CF.
3. Competências do Tribunal de Contas da União
A Constituição Federal de 1988 conferiu ao TCU o papel de auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo. As competências constitucionais privativas do Tribunal constam dos artigos 71 a 74 e 161, conforme descritas adiante.
• Apreciar as contas anuais do presidente da República.
• Julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos.
• Apreciar a legalidade dos atos de admissão de pessoal e de concessão de aposentadorias, reformas e pensões civis e militares.
• Realizar inspeções e auditorias por iniciativa própria ou por solicitação do Congresso Nacional.
• Fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais.
• Fiscalizar a aplicação de recursos da União repassados a estados, ao Distrito Federal e a municípios.
• Prestar informações ao Congresso Nacional sobre fiscalizações realizadas.
• Aplicar sanções e determinar a correção de ilegalidades e irregularidades em atos e contratos.
• Sustar, se não atendido, a execução de ato impugnado, comunicando a decisão à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal.
• Emitir pronunciamento conclusivo, por solicitação da Comissão Mista Permanente de Senadores e Deputados, sobre despesas realizadas sem autorização.
• Apurar denúncias apresentadas por qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato sobre irregularidades ou ilegalidades na aplicação de recursos federais.
• Fixar os coeficientes dos fundos de participação dos estados, do Distrito Federal e dos municípios e fiscalizar a entrega dos recursos aos governos estaduais e às prefeituras municipais.
Além das atribuições previstas na Constituição, várias outras têm sido conferidas ao Tribunal por meio de leis específicas. Destacam-se entre elas, as atribuições conferidas ao Tribunal pela Lei de Responsabilidade Fiscal, pela Lei de Licitações e Contratos e, anualmente, pela Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O Congresso Nacional edita, ainda, decretos legislativos com demandas específicas de fiscalização pelo TCU, especialmente de obras custeadas com recursos públicos federais.
Na hipótese de contrato, cabe ao Congresso Nacional a sustação do ato, que solicitará ao Poder Executivo as medidas cabíveis. Se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, nenhuma providência adotar, o Tribunal decidirá a respeito.
A decisão do Tribunal da qual resulte imputação de débito ou cominação de multa torna a dívida líquida e certa e tem eficácia de título executivo. Nesse caso, o responsável é notificado para, no prazo de quinze dias, recolher o valor devido. Se o responsável, após ter sido notificado, não recolher tempestivamente a importância devida, é formalizado processo de cobrança executiva, o qual é encaminhado ao Ministério Público junto ao Tribunal para, por meio da Advocacia-Geral da União (AGU) ou das entidades jurisdicionadas ao TCU, promover a cobrança judicial da dívida ou o arresto de bens.
Ainda de acordo com o disposto no art. 71, o TCU deve apresentar ao Congresso Nacional, trimestral e anualmente, relatório de suas atividades.
O art. 72 da Constituição Federal estabelece que o Tribunal deve se pronunciar conclusivamente sobre indícios de despesas não autorizadas, em razão de solicitação de Comissão Mista de Senadores e Deputados. Entendendo-as irregulares, proporá ao Congresso Nacional que sejam sustados.
4. Funcionamento do TCU
O Tribunal de Contas da União (TCU) é um tribunal administrativo. Julga as contas de administradores públicos e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos federais, bem como as contas de qualquer pessoa que der causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário. Tal competência administrativo-judicante, entre outras, está prevista no art. 71 da Constituição brasileira.
Conhecido também como Corte de Contas, o TCU é órgão colegiado. Compõe-se de nove ministros. Seis deles são indicados pelo Congresso Nacional, um, pelo presidente da República e dois, escolhidos entre auditores e membros do Ministério Público que funciona junto ao Tribunal. Suas deliberações são tomadas, em regra, pelo Plenário – instância máxima – ou, nas hipóteses cabíveis, por uma das duas Câmaras.
Nas sessões do Plenário e das Câmaras é obrigatória a presença de representante do Ministério Público junto ao Tribunal. Trata-se de órgão autônomo e independente cuja missão principal é a de promover a defesa da ordem jurídica. Compõe-se do procurador-geral, três subprocuradores-gerais e quatro procuradores, nomeados pelo presidente da República, entre concursados com título de bacharel em Direito.
Para desempenho da missão institucional, o Tribunal dispõe de uma Secretaria, que tem a finalidade de prestar o apoio técnico necessário para o exercício de suas competências constitucionais e legais.
As funções básicas do Tribunal de Contas da União podem ser agrupadas da seguinte forma: fiscalizadora, consultiva, informativa, judicante, sancionadora, corretiva, normativa e de ouvidoria. Algumas de suas atuações assumem ainda o caráter educativo.
Tais normas que dizem respeito à União, são aplicáveis, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais de Contas dos Municípios (art. 75, CF).
Os Tribunais de Contas Estaduais possuem composição diferenciada. A CF/88 prevê que serão compostos de sete Conselheiros, cuja escolha segue o modelo traçado para a escolha dos Ministros do TCU.
Junto ao Tribunal de Contas também atua o Ministério Público que, além de fiscal da lei, defende os interesses do erário, se manifestando na maioria dos processos a serem apreciados pela Corte.
A sede do Tribunal de Contas da União é no Distrito Federal, mas o mesmo mantém secretarias de controle externo nas capitais dos Estados, cabendo a elas acompanhar órgãos e entidades federais bem como fiscalizar a aplicação dos recursos transferidos pela União aos Estados e aos respectivos municípios. Quanto à sede dos Tribunais de Contas Estaduais, deverá estar localizada na capital dos Estados correspondentes.
5. Desafios dos administradores e dos administrados
É importante salientar que os reflexos da transparência na gestão pública não se limitam ao âmbito do controle financeiro, o cidadão deve buscar e exigir informações dos órgãos e entidades da administração pública, sem prejuízo daquelas encaminhadas para o controle dos órgãos de fiscalização institucionais - Tribunal de Contas, Controladoria Geral da União, Ministério Público, Parlamento, etc.
A regra é de que o Estado só pode fazer o que está escrito na lei, enquanto a iniciativa privada pode fazer tudo o que não é proibido pela lei. Daí a importância do poder legislativo, legislar visando uma gestão transparente e eficaz.
As conseqüências de uma gestão ineficiente traz repercussão nos diversos setores da vida nacional, pois influencia o fluxo de investimentos, o crescimento econômico, a qualidade dos serviços públicos, os índices de desenvolvimento social, dentre outras conseqüências. Porém, talvez o mais grave problema seja o impacto sobre a credibilidade das instituições democráticas que, uma vez enfraquecidas, abre espaço para a desordem, insegurança, e até mesmo à criminalidade.
Ciente desses indesejáveis efeitos existem dois desafios a serem enfrentados. Um se impõe ao administrador público, buscar uma moderna forma de prestação de contas aos administrados, expor de forma fidedigna, as informações a serem divulgadas de modo que seja compreensível não apenas por técnicos, mas, principalmente, por qualquer cidadão, o autêntico interessado na gestão. O outro à sociedade que tomando consciência de que deve ser parte nesse controle, deve se inteirar da atividade dos órgãos de controle, denunciando irregularidades, ilegalidades, e procurando se informar sobre o que vem sendo feito no que tange ao controle do patrimônio público.
O combate à corrupção é apenas um dos aspectos da transparência, mas sequer o principal. Isto porque o a divulgação das informações e o acompanhamento permanente por parte dos administrados tem a virtude de permitir, não apenas um controle passivo pelo cidadão, e sim o exercício de valiosos instrumentos que lhe foram conferidos pelo constituinte originário, como o Mandado de Segurança e a Ação Popular.
6. Conclusão
Em síntese, no que se refere ao controle financeiro pode ser realizado pelo poder Legislativo, mediante controle externo, com o auxílio do Tribunal de Contas, como pelo sistema de controle interno de cada poder. Em relação ao controle financeiro exercido pelo Tribunal de contas conforme a Constituição Federal, tem-se que as contas do administrador lhe são enviadas para a emissão de um parecer prévio, o qual será submetido ao Parlamento. O Parlamento profere o julgamento final, extraindo uma certidão de quitação ao cidadão, ocupante do cargo público ou ordenador da despesa, quando as contas são aprovadas. Se não forem aprovadas, o cidadão responde com o seu patrimônio pessoal pelos atos praticados e pelos danos causados ao patrimônio público.
O incremento da quantidade e da qualidade das informações fortalece a administração pública e confere maior sentido ao preceito constitucional de que o Poder emana do povo. Os mecanismos de controle existentes devem ser aprimorados, pois a instrução muda conceitos, valoriza o homem e aprimora suas relações políticas, sociais e econômicas, ultrapassando limites nunca alcançados.
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Referências Bibliográficas:
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Consulta ao Site do Tribunal de Contas da União: (clique aqui) e Constituição Federal
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*Acadêmica de Direito