"Big bug", o grande caos
Cássio Schubsky*
As novas tecnologias nos fazem trabalhar sem parar. As (poucas) férias agora são contaminadas pelo vírus da conectividade permanente.
Temia-se que os computadores entrassem numa espécie de catalepsia em rede, ocasionada por uma situação inusitada: os softwares não estariam programados para decodificar os dígitos do ano 2000. As máquinas como que parariam no tempo ou, pior, voltariam para trás, no fatídico 1º de janeiro de 2000.
O risco era o de que a pane acarretasse reveses econômicos inestimáveis. Conjecturava-se que os bancos, coitados, sofreriam perdas medonhas - pela primeira vez! Parecia até sabotagem arquitetada por astutos hackers para promover, se não a redistribuição de renda, alguma perda econômica, que fosse, para os aquinhoados pelo destino (e pela herança).
Programadores acorreram de todos os lados, esbaforidos, para evitar o pior. E o pior não veio. Não veio?
Por outro lado, há muitos anos, contingentes expressivos de seres humanos vinham acalentando a perspectiva de que os avanços tecnológicos nos levariam a trabalhar menos: as máquinas nos serviriam, enquanto poderíamos despender o tempo extra resultante dessa servidão a nosso bel-prazer, para o lazer, em idílico "dolce far niente". O melhor da festa viria.
Veio?
É fácil perceber que, em termos de previsões, nossos futurólogos da tecnologia são um fiasco. Nem bug, nem "dolce far niente". O que veio - e parece que para ficar... - é uma espécie de "big bug", ou, na língua de Machado de Assis, o grande caos.
As novas tecnologias estão fazendo muitos de nós trabalharmos sem parar. Se as férias já eram poucas, muitas vezes resumidas a parcos dias nas festas de final de ano, agora, ainda por cima (por baixo, por trás e pelo lado), são contaminadas pelo vírus da conectividade permanente: celular, iPhone, computador portátil, enfim, o escambau, que fica ligado, piscando, vibrando, zunindo, para acabar com nosso sossego. Adeus, fim-de-semana, oh! saudosas noites de luar! (ou de céu cinzento, que fossem).
O que dizer, então, do famigerado e-mail? "Uma maravilha! Agiliza tudo! Facilita a comunicação entre as pessoas", dirão os incautos. Ora, além de não ter diminuído a jornada de trabalho, a tecnologia, por via do e-mail - para ficar apenas no nosso exemplo-, está fazendo com que trabalhemos mais horas. Muito mais!
Se alguém nos envia uma mensagem, antes de tudo, é preciso lê-la.
Muitas vezes, respondê-la. Fique-se um dia sem consultar a caixa de mensagens, e elas irão se acumulando como coelhos cibernéticos, com suas respostas, cópias e encaminhamentos para terceiros.
E as tão sonhadas horas extras para o lazer viram pó, ou melhor, viram bits, pois as ocuparemos, até o fim dos tempos, somadas a outras horas extras de mais trabalho, para responder os queridos e-mails, copiá-los e encaminhá-los. E, depois de tudo, talvez ainda sobre um tempinho para deletá-los ou deles fazermos "backup".
E, se não sobrar, estaremos, como dizer... bem arranjados, porque, ou nosso computador dará uma pane qualquer por excesso de informação acumulada, ou então, para evitar o "big bug" pessoal, teremos, fatalmente, de limpar as caixas de mensagens, de entrada e de saída, as lixeiras, a parafernália toda.
Já sei: já é possível deixar os e-mails em sites hospedeiros, com segurança e praticidade. Vai confiar...
Com tudo isso, o tempo tem se tornado um dos bens mais escassos de nossa era. Em outras palavras: já se foi o tempo em que se tinha tempo para discutir o tempo, digo, se dia de sol ou de chuva. Agora, basta um click de nada, a qualquer hora e em qualquer lugar, e todas as informações estarão disponíveis instantaneamente. O prazer da conversa e o esforço prazeroso da busca pela informação? Baubau.
Já não bastasse o trânsito, que cresce maligno, invadindo as ruas e todas as conversas (falta de assunto, viu?!), surrupiando o nosso precioso tempo, agora estamos escravizados pela tirania do e-mail. De repente, todo mundo acorda de uma longa letargia para olhar o caos urbano, a imobilidade instalada. E alguém ainda comemora a possibilidade de não perder tempo no engarrafamento, porque existe celular com e-mail. Que maravilha...
Onde é que nós vamos parar? Difícil dizer. O fato é que já estamos parando... De minha parte, alheio ao famigerado boom da indústria automobilística, tenho andado cada vez mais a pé. E tenho andado também com uma saudade danada de minha maquininha de escrever, de seu suave tec-tec-tec... tec-tec-tec... Agora, para completar, vou pegar um punhado de papel vegetal pautado, para escrever, de próprio punho, longas cartas aos amigos, tudo com muito vagar, apoderando-me do tempo e de mim mesmo... Adeus, pressa. "Bye, bug"!
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*Editor e historiador